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Substituição tributária e devolução da quantia paga.

Uma abordagem didática

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6. Presunção de presunção.

Abordemos a problemática a partir do modelo proposto por Paulo de Barros Carvalho, que nos capítulos IX e seguintes da obra já citada, apresenta sua regra-matriz de incidência tributária. Segundo o Professor Carvalho, essa regra é composta pela hipótese e pela conseqüência. A hipótese, que é descritiva, compreende os critérios material, espacial e temporal. A conseqüência, de caráter prescritivo, abrange os critérios pessoal e o quantitativo, neste inclusa a base de cálculo.

Becker, como já visto, não admite a dissociação do fato jurídico tributário de sua base de cálculo. Segundo seus ensinamentos, a base diferente implicaria em fato diverso. O Convênio ICMS 13/97, entretanto, em sentido oposto, acolhe a possibilidade de que o fato presumido – operação subseqüente – pode ser considerado como realizado mesmo que a base de cálculo efetivamente praticada tenha valor inferior ou superior aquela prevista na norma.

Numa tentativa de se conferir respaldo ao Convênio 13 junto à mais respeitada doutrina, poder-se-ia momentaneamente afastar os ensinamentos de Becker e, num esforço de imaginação, supor que a regra-matriz de incidência de Paulo de Barros Carvalho permitisse a realização de um ensaio no qual fosse separada a hipótese da conseqüência, de maneira que fossem dissociadas e tratadas de maneira independente, de um lado, os critérios material, espacial, temporal; de outro, o critério quantitativo. Essa parece ser a proposta trazida pelo Convênio 13/97: apartar, isolar, colocar em compartimentos estanques, o fato jurídico tributário e a correspondente base de cálculo, como se fossem dois fatos diferentes, embora dependentes.

Ainda assim, contudo, estaríamos diante de figura pouco usual no Direito Tributário, que seria uma espécie de presunção dupla, presunção de presunção. Em outras palavras, a Constituição, em seu artigo 150, §7º – de acordo com a interpretação dada pelo Convênio 13/97 – estaria a presumir, a partir da ocorrência de "FJ a", em primeiro lugar, a ocorrência da operação de venda do comerciante "B" para outra pessoa qualquer, satisfazendo os critérios material, espacial e temporal de "FJ bp" segundo a regra-matriz de incidência de Carvalho; depois, num segundo plano, que a base imponível da operação relativa a "FJ bp", critério quantitativo da regra-matriz, venha a ser de exatamente $150, como no nosso modelo exemplificativo de substituição tributária para frente.

Essa segunda presunção, de que a base imponível da venda do comerciante "B" para outra pessoa qualquer seja de $150, é demasiadamente frágil, posto que dependeria da confirmação da primeira, que é a própria realização da operação de venda. Só se pode falar no valor da venda se houver a referida venda. A existência de valor depende da ocorrência da venda. O Marquês de Beccaria, ao tratar da importância a ser dada a determinadas provas em processo penal, assim se pronunciou sobre a utilização de provas em série, uma dependente da outra: "Há um teorema geral muito útil para calcular a certeza de um fato, isto é, a força dos indícios de um crime. Quando as provas do fato dependem de outra prova, isto é, quando os indícios só se provam entre si, quanto maiores forem as provas aduzidas, menor será a probabilidade da existência do fato, porque os casos que enfraquecessem as provas precedentes enfraqueceriam as subseqüentes." (Dos delitos e das penas. p.56).

Ouso aqui fazer pequena digressão e usar de alegoria matemática para tirar proveito dos ensinamentos de Beccaria ao nosso estudo. A probabilidade, em se lançando uma única vez um dado não-viciado sobre uma superfície, de que ele pare com qualquer uma de suas faces voltadas para cima é exatamente a mesma. Como o dado tem seis faces, é razoável prever que a cada seis lançamentos ele pare uma vez com digamos, a face três, voltada para cima. Logo se pode afirmar que a probabilidade de que se consiga a face três num lançamento é de é de 1/6. Há, portanto, num único lançamento, aproximadamente 17% de chances de que se obtenha uma face qualquer desejada.

Em outras palavras, há vinculação entre o lançamento do dado e uma certa expectativa matemática da ocorrência do resultado três, assim como existe a vinculação entre a ocorrência de "FJ a" e da venda posterior, do comerciante "B" para outra pessoa qualquer. Ao ocorrer "FJ a", cria-se razoável expectativa de que também venha a ocorrer a segunda venda. Observe-se que a vinculação é, de certa forma, direta: a ocorrência da primeira venda, de "A", fabricante ou comerciante atacadista, para "B", também comerciante, oferece, com alguma margem de certeza, que "B" posteriormente venha a vender para outra pessoa qualquer. Essa é a presunção, digamos, aceitável. Acontece que a hipótese normativa incrementada pelo Convênio 13/97 foi um pouco mais além: depois de presumir a realização da venda de "B" para outra pessoa qualquer, presumiu também que a base imponível dessa venda seria, indefectivelmente, de $150, independentemente de qualquer prova em contrário.

Prossigo no raciocínio matemático. A probabilidade, em se lançando por duas vezes seguidas um dado sobre uma superfície, de se obter, nas duas vezes, dois resultados previstos, desejados, é de 1/6 vezes 1/6. Um sexto de chances de que a face desejada pare para cima no primeiro lançamento multiplicada por um sexto de chances de que a face desejada pare para cima no segundo. Essa probabilidade de duplo sucesso é igual a 1/36 (um sobre trinta e seis avos). Somente a cada trinta e seis lançamentos é razoável que se pressuponha que se consiga, um após outro, dois resultados desejados. Em outras palavras: há cerca de apenas 3% de chance de que se obtenha em dois lançamentos sucessivos, por exemplo, o resultado cinco seguido do resultado quatro.

Observe-se que ainda existe a expectativa dos dois resultados desejados, mas a probabilidade de que ocorram é, desta feita, bem menor. Isso acontece porque a conseqüência do segundo evento é diretamente dependente do primeiro. A certeza matemática em relação ao resultado desejado em dois lançamentos é de 3%, bem menor do que os 17% relativos a um só lançamento. A presunção dupla, a expectativa de alcançar dois resultados desejados em dois lançamentos consecutivos é substancialmente enfraquecida, posto que a probabilidade de sucesso no segundo lançamento depende sempre da probabilidade de alcance do primeiro resultado.

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Pode-se dizer o mesmo com relação à substituição tributária para frente segundo o que parece ser a proposta contida no Convênio 13/97. Mesmo que se pudesse dissociar, na regra-matriz de incidência, os aspectos material-espacial-temporal do aspecto quantitativo, de modo que se permitisse aceitar como ocorrido um fato jurídico tributário presumido com base imponível efetiva diferente da esperada, ainda assim a proposta trazida no Convênio seria demasiadamente frágil, pois caracterizaria presunção dupla ou presunção de presunção: estaríamos diante da razoável expectativa de que, ocorrido "FJ a", venda de "A" para "B" venha também a ocorrer a venda de "B" para outra pessoa qualquer, primeira presunção; mas estaríamos também diante de expectativa final não tão razoável assim, porquanto baseada na presunção de que em decorrência de "FJ a" ocorra a também a venda posterior, e, além disso, que base imponível dessa segunda venda venha a ser exatamente $150.


7. A inusitada situação do STF.

Com exceção dos Estados de São Paulo e Pernambuco, todas as unidades federadas são signatárias do Convênio ICMS 13/97, cuja validade foi questionada com veemência por todo o território nacional. Foram utilizados argumentos de toda sorte, alguns semelhantes aos acima, outros melhores, frutos que foram de estudos certamente mais brilhantes sobre o tema.

O debate se estendeu até que o STF, em maio de 2002, no julgamento da ADIN 1851, considerou constitucional aquela norma. Entendeu a Suprema Corte que mais importante que a discussão técnica acerca da estrutura da hipótese normativa seriam os efeitos negativos – à administração tributária dos Estados – decorrentes de eventual declaração de inconstitucionalidade do Convênio.

Talvez pelos mesmos motivos que levaram as unidades federadas signatárias do Convênio ICMS 13/97 a editá-lo, os Estados de São Paulo e Pernambuco, encorajados pelo resultado da ADIN 1851, resolveram posteriormente também apelar ao STF, mas com o intuito de que fossem declaradas inconstitucionais suas próprias normas internas, que prevêem a devolução de ICMS recolhido por substituição tributária para frente nos casos em que a base imponível efetivamente praticada quando da ocorrência de "FJ b" seja menor que a presumida.

Sou servidor público. Os atos por mim praticados são vinculados ao que determina a legislação, que obedeço. Não são vinculados, entretanto, minha opinião, minha liberdade de expressão e meu firme propósito de manter acesa a chama da investigação científica, que, por sua vez, aquece a expectativa e a curiosidade em torno da iminente decisão do STF a respeito das ADIN’s propostas por São Paulo e Pernambuco.

Alguns questionamentos são inevitáveis neste momento que antecede esse julgamento: 1. Mesmo com sua nova composição, manterá o STF o entendimento de que a validade da norma que institui obrigações tributárias deva levar em conta mais os efeitos decorrentes de eventual descumprimento do que a avaliação da perfeita incidência da hipótese normativa sobre o fato jurídico concreto nela eleito? 2. Prevalecerá o temor dos efeitos de eventual declaração de inconstitucionalidade em detrimento dos critérios técnicos de averiguação da validade da norma questionada? 3. Em caso contrário, ao declarar a constitucionalidade das normas internas paulistas e pernambucanas, qual encaminhamento adotará aquela corte no sentido de evitar o tratamento diferenciado por ela conferido aos contribuintes lá estabelecidos, que, em detrimento dos demais, terão garantido o direito à devolução do imposto pago em substituição tributária para frente?

Aguardemos as respostas.


Bibliografia:

Alfredo Augusto Becker. Teoria Geral do Direito Tributário. 3.ed. São Paulo : Lejus, 1998.

Cesare Beccaria. Dos delitos e das penas. 2.ed. Trad. J.Cretella Jr. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999.

Geraldo Ataliba. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo : Malheiros, 2000.

Lourival Vilanova. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo : Max Limonad, 1997.

Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 14.ed. São Paulo : Saraiva, 2002.

Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. Campinas : Bookseller, 1999. V1.

Roque Antônio Carraza. ICMS. 7.ed. Malheiros : São Paulo, 2001.

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Sobre o autor
Walcemir de Azevedo de Medeiros

Mestrando em Direito das Empresas pelo Instituto Universitário de Lisboa.Fiscal de tributos estaduais em Mato Grosso, membro titular do Conselho Administrativo Tributário de Mato Grosso, bacharel em Direito e em Administração, pós-graduado em Contabilidade Avançada.Especialista em Direito Tributário pelo IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Walcemir Azevedo. Substituição tributária e devolução da quantia paga.: Uma abordagem didática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 370, 12 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5427. Acesso em: 22 dez. 2024.

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