1. Conceitos
Ao longo das últimas décadas, a sociedade passou a refletir e discutir mais sobre o seu papel no meio ambiente, de certa forma, colocando o planeta e toda a população que depende da natureza, seja direta ou indiretamente, como sujeito de direitos que devem ser defendidos e respeitado por todos.
Diante desse cenário, o legislador possui um papel essencial para que consiga corresponder aos interesses sociais que objetivam tutelar o direito da população de viver em um meio ambiente sustentável e seguro.
Portanto, a análise conceitual a que se propõe o presente capítulo, objetiva compreender sob quais parâmetros o Projeto de Lei 25/2015 está fundamentado, e se os conceitos ali utilizados estão de acordo com o papel ambiental a que se destinam, como mecanismo de conservação e utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado.
1.1. Baixo Impacto Ambiental
O primeiro conceito que devemos analisar é o de baixo impacto ambiental. Pois bem, segundo o artigo 1º da Resolução nº 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), considera-se impacto ambiental:
“qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.”
Além disso, o Novo Código Florestal, Lei nº 12.651/2012 no artigo 3º, inciso X, expõe um rol exemplificativo de atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental.
Portanto, com base nesses limites extraídos da legislação, entende-se que atividade de baixo impacto ambiental são aquelas ações humanas que visam uma alteração mínima e sustentável do meio ambiente, quando há necessidade, sem causar danos relevantes à natureza e que tragam benefícios para a população residente e aos que se utilizam dos bens naturais provenientes daquelas áreas.
1.2. Avaliação Ambiental Estratégica
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a avaliação ambiental estratégica é um mecanismo de política ambiental que possui o intuito de auxiliar, de maneira preliminar os tomadores de decisões no processo de identificação e avaliação dos impactos e efeitos. Almejando sempre maximizar os resultados positivos e minimizar os negativos, que uma dada decisão estratégica – a respeito da implementação de uma política, um plano ou programa – poderia desencadear no meio ambiente e na sustentabilidade do uso dos recursos naturais, qualquer que seja a instância do planejamento.
Nesse mesmo sentido, PARTIDÁRIO conceitua avaliação ambiental estratégica como sendo:
“o procedimento sistemático e contínuo de avaliação da qualidade do meio ambiente e das consequências ambientais decorrentes de visões e intenções alternativas de desenvolvimento, incorporadas em iniciativas tais como a formulação de políticas, planos e programas (PPP), de modo a assegurar a integração efetiva dos aspectos biofísicos, econômicos, sociais e políticos, o mais cedo possível, aos processos públicos de planejamento e tomada de decisão.”
Tendo isso em vista, o conceito de avaliação ambiental estratégica é bem claro e dialoga com os princípios internacionais do direito ambiental e inclusive com o que dispões a Constituição Federal, sobre a necessidade de estudos prévios para a realização de atividades que possam impactar o meio ambiente onde forem desenvolvidas.
1.3. Corredor de Biodiversidade
A Lei nº 9.985/2000 que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e IV da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, define no artigo 2º, inciso XIX, que os corredores ecológicos são porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para a sua sobrevivência, áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais.
Portanto, pode ser definido que os corredores de biodiversidade são:
“áreas onde se destacam ações coordenadas, com o objetivo de proteger a diversidade biológica na escala de biomas. Essas ações envolvem o fortalecimento, a expansão e a conexão de áreas protegidas dentro do corredor, incentivando usos de baixo impacto, como o manejo florestal e os sistemas agroflorestais; além do desencorajamento do uso de alto impacto, como o desmatamento em larga escala. A implementação de corredores ecológicos demanda alto grau de envolvimento e cooperação de instituições e de interessados de diversos setores. Em suma, o conceito de corredor ecológico simboliza uma abordagem alternativa às formas convencionais de conservação da diversidade biológica que é, a um só tempo, mais abrangente, descentralizada e participativa.”
1.4. Interesse Social
O conceito de interesse social, proveniente do direito administrativo, pode ser coerentemente aplicado ao direito ambiental. Segundo Hely Lopes Meirelles: “o interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do poder público.”
Especificamente no âmbito ambiental, o interesse social se caracteriza pela necessidade de implantação ou desapropriação de uma área particular em benefício da coletividade e do meio ambiente.
Desse modo, resta evidente que o interesse social é o papel de relevância que a coletividade e o meio ambiente possuem quando da necessidade de interferência do poder público em uma área particular para tutelar os direitos da coletividade de preservar e possuir um meio ambiente sustentável.
1.5 Utilidade Pública
O Novo Código Florestal, apresenta um rol exemplificativo de atividades que caracterizam-se como utilidade pública. De certa forma, são serviços e atividades essenciais à coletividade que se utilizam de materiais e espaço geográfico do meio ambiente.
Esses serviços úteis a população, são geralmente essenciais e não devem ser impedidos por conta da preservação à natureza. Deve haver uma harmonia entre a prestação de tais serviços de utilidade pública e a preservação e desenvolvimento sustentável do meio ambiente.
2. Os Conceitos no Projeto de Lei 25/2015
O Projeto de Lei 25/2015, de autoria do Deputado Sarney Filho, dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado e dos ecossistemas, da flora e da fauna associados a essa vegetação.
O PL 25/2015 utiliza-se da delimitação do IBGE para definir a área de abrangência do Bioma Cerado e com isso, também definir o campo de aplicação do Projeto de Lei em análise.
Os conceitos utilizados no texto do projeto de lei são bem parecidos aos conceitos determinados no Código Florestal e também com aqueles utilizados pelo IBAMA, CONAMA e Ministério do Meio Ambiente.
De certa forma, há algumas alterações apenas no que tange às especificidades do Bioma Cerrado.
Como forma de esclarecer melhor as semelhanças e diferenças entre os conceitos já definidos no Direito Ambiental Brasileiro e aqueles utilizados no Projeto de Lei, observam-se as tabelas a seguir.
2.1 Tabela - Baixo Impacto Ambiental
PL 25/2015: Atividades de baixo impacto ambiental (Art. 2º, I)
Código Florestal: Atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental (Art. 3º, X)
a) abertura de pequenas vias e suas pontes e pontilhões, para acesso de pessoas e animais e obtenção de água ou retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;
a) abertura de pequenas vias de acesso internoe suas pontes e pontilhões,quando necessárias à travessia de um curso d’água,ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;
b) implantação de instalações para captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;
b) implantação de instalações necessáriasà captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;
d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;
d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;
e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;
e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;
f) construção e manutenção de cercas na propriedade;
f) construção e manutenção de cercas na propriedade;
g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;
g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;
h) implantação de escolas rurais;
i) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e para produção de mudas de espécies nativas, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;
h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;
i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;
j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;
j) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama); k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente;
2.2. Tabela – Avaliação Ambiental Estratégica
PL 25/2015: Avaliação Ambiental Estratégica(Art. 2º, II) Ministério do Meio Ambiente: Avaliação Ambiental Estratégica
Modalidade de avaliação dos impactos ambientais com objetivo de analisar os impactos potenciais de políticas, planos e programas governamentais Mecanismo de política ambiental com intuito de auxiliar a implementação de uma política, um plano ou um programa
Previamente à sua implantação, sobre as dimensões ecológica, econômica, social e cultural do ambiente De maneira preliminar os tomadores de decisões no processo de identificação e avaliação dos impactos e efeitos
Propor alternativas técnicas e locacionais capazes de eliminar ou minimizar os impactos adversos Maximizando os positivos e minimizando os negativos, que uma dada decisão estratégica poderia desencadear no meio ambiente e na sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
Indicar medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos que não possam ser evitados
2.3 Tabela – Corredor de Biodiversidade
PL 25/2015: Corredor de Biodiversidade(Art. 2º, III) Lei nº 9.985/2000: Corredor de Biodiversidade (Art. 2º, XIX)
Estratégia de conservação em escala regional baseada na gestão integrada dos recursos naturais Porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação
Envolvendo áreas-núcleo e áreas de interstício
Cujo objetivo é conservar a biodiversidade e fomentar a conectividade entre fragmentos de vegetação nativa, facilitar o fluxo gênico entre populações da flora e da fauna Que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão das espécies e a recolonização de áreas degradadas
E aumentar a chance de sobrevivência a longo prazo das comunidades biológicas e das espécies que as compõem; Bem como a manutenção das populações que demandam para a sua sobrevivência, áreas com extensão maior do que aquelas das unidades individuais;
2.4. Tabela - Interesse Social
PL 25/2015: Interesse Social (Art. 2º, IV)
Código Florestal: Interesse Social (Art. 3º, IX)
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;
b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área; b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;
c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre, em áreas urbanas e rurais consolidadas; e c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;
d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009;
e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;
f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;
d) outras ações ou atividades similares definidas em resolução do Conama; g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
2.5 Tabela - Utilidade Pública
PL 25/2015: Utilidade Pública (Art. 2º, V)
Código Florestal: Utilidade Pública (Art. 3º, VIII)
a) atividades de segurança nacional e proteção sanitária; a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) obras essenciaisde infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento, energia e telecomunicações; b) as obras de infraestrutura destinadasàs concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios,saneamento, gestão de resíduos,energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho;
c) projetos de parcelamento urbano aprovados pelo Município;
d) atividades e obras de proteçãoe defesa civil; c) atividades e obras de defesa civil;
d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;
e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
3. Análise crítica
Diante dos conceitos analisados e da forma como foram abordados no Projeto de Lei 25/2015, percebe-se que houve um correto uso dos conceitos do direito ambiental na elaboração do projeto.
O papel ambiental do projeto de lei objeto desta análise encontra-se, portanto, de acordo com as prerrogativas legais, assim, com uma correta implantação e fiscalização dos pontos pretendidos no projeto, certamente os objetivos de desenvolvimento sustentável do Bioma Cerrado, como objetivo do Projeto de Lei 25/2015, será provavelmente alcançado.
As questões que ainda surgem se referem mais à dualidade existente entre Lei Geral e Lei Específica, ou seja, de que forma poderá ocorrer a modificação da legislação mais geral, em face da mais específica de mesma hierarquia formal?
4. A Emenda proposta pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural e sua justificativa.
Foi proposto no Parecer da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, uma emenda que suprime os incisos I, IV e V do art. 2º do Projeto de Lei, que definem os conceitos de atividades de baixo impacto ambiental, utilidade pública e interesse social.
Afirma o Relator do referido Parecer, Carlos Gaguim, que são necessários alguns ajustes no Projeto de Lei, “a fim de se evitar conflitos com outras legislações em vigor e para não se criar insegurança jurídica.”
Os principais conflitos a serem evitados, segundo o Relator, são com o novo Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que:
limita os direitos de propriedade sobre as florestas e demais formas de vegetação nativa, estabelecendo normas gerais sobre a proteção da vegetação; a obrigação de manutenção de áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal com vegetação nativa; a exploração florestal e o suprimento de matéria-prima florestal; o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê, ainda, instrumentos econômicos e financeiros para a recuperação, conservação e uso sustentável da vegetação nativa.
Destaca ainda que o novo Código Florestal ainda está em fase inicial de implantação, especialmente quanto aos dispositivos que regem apoios e incentivos para a conservação e recuperação ambiental.
Assevera que foi prorrogado recentemente o prazo para o cadastramento das propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR), condição necessária para a efetivação dos Programas de Recuperação Ambiental, bem como, não houve ainda a regulamentação da Cota de Reserva Ambiental, que o Relator acredita que será uma importante ferramenta econômica para estimular a conservação e recuperação de vegetação nativa em áreas privadas.
Dessa forma, entende que os já citados incisos I, IV e V, do art. 2º conflitam ou já estão regulados adequadamente pelo novo Código Florestal.
5. Análise do possível conflito que justifica a Emenda.
O Novo Código Florestal define, respectivamente, no seu artigo 3º, incisos VIII, IX e X, os conceitos de utilidade pública, interesse social e atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental, os mesmos conceitos delimitados pelos incisos I, IV e V do art. 2º do Projeto de Lei 25/2015.
Colocando lado a lado os conceitos definidos pelo Código Florestal, e os conceitos definidos pelo Projeto de Lei 25/2015, conforme tabela abaixo, percebe-se que não é necessariamente um conflito, e sim uma adaptação feita pelo legislador, tendo em vista que o Código Florestal, como definido no seu artigo 1º, estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, enquanto o Projeto de Lei 25/2015 dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado.
Da mesma forma, a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006), já funciona em harmonia com o Novo Código Florestal, trazendo em seu corpo, sua própria definição de utilidade pública e interesse social.
Desta forma, é possível, e mesmo compreensível, que os conceitos de utilidade pública, interesse social e atividades de baixo impacto ambiental utilizados no Projeto de Lei sejam adaptados, levando em conta a realidade do contexto socioeconômico e ambiental do Bioma Cerrado.
PL 25/2015: Atividades de baixo impacto ambiental (Art. 2º, I)
Código Florestal: Atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental (Art. 3º, X)
a) abertura de pequenas vias e suas pontes e pontilhões, para acesso de pessoas e animais e obtenção de água ou retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;
a) abertura de pequenas vias de acesso internoe suas pontes e pontilhões,quando necessárias à travessia de um curso d’água,ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;
b) implantação de instalações para captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;
b) implantação de instalações necessáriasà captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;
c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;
d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;
d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;
e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;
e) construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais, onde o abastecimento de água se dê pelo esforço próprio dos moradores;
f) construção e manutenção de cercas na propriedade;
f) construção e manutenção de cercas na propriedade;
g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;
g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;
h) implantação de escolas rurais;
i) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e para produção de mudas de espécies nativas, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;
h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;
i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;
j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;
j) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama); k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente;
PL 25/2015: Interesse Social (Art. 2º, IV)
Código Florestal: Interesse Social (Art. 3º, IX)
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas; a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;
b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área; b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;
c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre, em áreas urbanas e rurais consolidadas; e c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;
d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009;
e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;
f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;
d) outras ações ou atividades similares definidas em resolução do Conama; g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
PL 25/2015: Utilidade Pública (Art. 2º, V)
Código Florestal: Utilidade Pública (Art. 3º, VIII)
a) atividades de segurança nacional e proteção sanitária; a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) obras essenciaisde infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento, energia e telecomunicações; b) as obras de infraestrutura destinadasàs concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios,saneamento, gestão de resíduos,energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho;
c) projetos de parcelamento urbano aprovados pelo Município;
d) atividades e obras de proteçãoe defesa civil; c) atividades e obras de defesa civil;
d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;
e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
6. A Emenda está coerente com o Direito Ambiental?
O dicionário Michaelis define coerência como “Ligação, harmonia, conexão ou nexo entre os fatos ou as ideias; nexo”.
Norberto Bobbio trabalha em sua obra Teoria Geral do Direito, com a questão da coerência do Ordenamento Jurídico, indagando se este constitui um sistema, bem como se as normas que o estruturam estão em uma relação harmônica.
Analisar se a emenda ao Projeto de Lei 25/2015 está coerente com o Direito Ambiental, nesse caso, se caracteriza pela investigação da necessidade de supressão dos incisos I, IV e V do art. 2º para tornar o Projeto de Lei compatível com as normas de Direito Ambiental. Ou seja, verificar se a proposição original não se encontrava em harmonia com o “sistema” de normas que disciplinam o direito ambiental.
Segundo o Relator, os incisos I, IV e V do art. 2º do PL 25/2015, estão em conflito com o Código Florestal, portanto, não haveria compatibilidade entre essas normas, elas não poderiam coexistir.
O conflito de normas, em Direito, é chamado de antinomia. Tércio Sampaio Ferraz Júnior define uma antinomia jurídica como:
a oposição que ocorre ente duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsciência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado.
O caso em análise não constitui uma antinomia, pois o Código Florestal estabelece normas gerais, ou seja, diretrizes mais amplas para a disciplina da proteção ambiental, enquanto o Projeto de Lei estabelece normas específicas sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado.
Como ambas as normas são de mesma hierarquia, ainda que os incisos I, IV e V do art. 2º do Projeto de Lei estivessem em conflito com o Código Florestal, a norma mais específica, que trata particularmente do Bioma Cerrado, seria aplicada, e a norma geral, o Código Florestal, seria aplicado complementarmente, nas matérias as quais a Lei do Bioma não contempla.
Portanto, a emenda não se encontra coerente com o Direito Ambiental, tendo em vista que pretende suprimir desnecessariamente a definição dos conceitos de atividades de baixo impacto ambiental, utilidade pública e interesse social, adaptadas pelo legislador para o Bioma Cerrado, levando em consideração suas especificidades, sendo que essas definições não conflitam com as normas do Código Florestal, tendo em vista tratar-se de sistema harmônico, em que as normas são aplicadas complementarmente.
7. Análise Estrutural
O Projeto de Lei 25/2015 da Câmara dos Deputados tem como propósito a conservação e utilização sustentável da vegetação nativa do bioma Cerrado. Portanto, para verificar se o referido Projeto possui a potencialidade de cumprir seus propósitos, uma análise da eficácia, precisão e coerência do projeto tendo como base outros dispositivos normativos vigentes no ordenamento brasileiro se faz necessário.
Em outras palavras, cabe analisar se o Projeto proposto pela Câmara possui eficácia, ou seja, se é apto à produção dos resultados esperados, tendo como referência a sua coerência; se possui harmonia com o ordenamento jurídico e se há uma adequação do projeto com outras leis que tratam da proteção dos biomas encontrados no território nacional.
Dessa forma, nos tópicos seguintes, será feita uma breve análise das normas utilizadas como modelo comparativo para o projeto e o projeto em si. Vale destacar que as normas tidas como referência não são, necessariamente, as principais normas regulamentadoras do bioma do qual tratam.
Não serão feitas as comparações com normas referentes à Caatinga e o próprio Cerrado, já que aquele encontra certa ausência normativa no sentido de proteção ao bioma como um todo e, quanto ao Cerrado, o presente estudo visa a análise justamente de projeto de lei referente a este bioma.
7.1. A Amazônia e o Decreto nº 6.321/07
O Decreto nº 6.321, de 21 de dezembro de 2007, dispõe sobre ações relativas à prevenção, monitoramento e controle de desmatamento no Bioma Amazônia, bem como altera e acresce dispositivos ao Decreto no 3.179, de 21 de setembro de 1999, que dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Pela própria descrição do Decreto, percebe-se o seu enfoque no desmatamento. Dessa forma, descreve diversas formas de monitoramento deste, dispondo em seu art. 2º que o Ministério do Meio Ambiente editará anualmente portaria com lista de Municípios situados no Bioma Amazônia, cuja identificação das áreas será realizada a partir da dinâmica histórica de desmatamento verificada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE.
Com base nessa lista, a lei determina que qualquer imóvel rural situado nesses Municípios poderá ser objeto de atualização cadastral junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
Em síntese, a referida lei estabelece uma forma de monitorar os imóveis rurais dentro do Bioma para que, de forma preventiva, possa verificar a ocorrência de novos desmatamentos ilegais, bem como promover a integração de elementos de controle e gestão compartilhada entre as políticas agrária, agrícola e ambiental. Para assegurar essas políticas estatais, será feita a integração dos dados do INCRA com o IBAMA e o Instituto Chico Mendes.
Por fim, estabelece medidas fiscalizatórias e algumas sanções administrativas para aqueles que não cumprirem o disposto na lei. Entre as medidas, está a não concessão de crédito pelas agências oficiais federais de crédito para as atividades previstas e que vão contra o propósito da lei, e o cancelamento dos cadastros dos infratores no Sistema Nacional de Cadastro Rural – SNCR, ficando a concessão de novos certificados condicionada à regularidade cadastral. Estabelece, também, que a União priorizará em seus planos, programas e projetos voltados à Região Amazônica nos Municípios constantes na lista de Municípios com desmatamento monitorado e sob controle para fins de incentivos econômicos e fiscais, visando a produção florestal, agroextrativista e agropecuária sustentáveis.
7.1.1. Comparação com o PL 25/2015
Ao contrário do Decreto, que só estabelece em planos gerais no seu art. 1º as suas pretensões, o PL estabelece de forma bastante pormenorizada todas as suas pretensões. O seu art. 3º possui quatorze incisos, cada um dispondo sobre uma meta, por exemplo, promover a preservação das nascentes, o uso racional dos recursos hídricos e sua conservação em qualidade e quantidade; e combater as queimadas e eliminar a produção de carvão vegetal a partir de vegetação nativa.
Da mesma forma, quando trata de instrumentos para efetivação da norma, o PL estabelece muitas formas que ultrapassam aquelas analisadas no item anterior do Decreto 6.321/07. O PL até estabelece instrumentos semelhantes ao do Decreto, como o estabelecimento e a avaliação periódica de indicadores de conservação e utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma, mas institui muito mais, como a criação de unidades de conservação em conformidade com a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000; a delimitação e implantação de corredores de biodiversidade e a assistência técnica aos produtores rurais, especialmente aos pequenos agricultores e às populações tradicionais.
Além disso, o projeto estabelece uma série de metas a serem alcançadas, colocando, ainda, o prazo de cinco anos para isso, o que, de certa forma, mostra um engajamento maior com o meio ambiente em comparação com o Decreto que sequer estabelece metas.
Em síntese, o Projeto de Lei estabelece medidas, diretrizes e metas semelhantes às do Decreto, mas a ultrapassa em diversas matérias, dispondo de forma muito mais detalhada a forma como exercerá essas atividades. É, portanto, uma norma muito mais completa e complexa.
De forma resumida, a tabela abaixo evidencia o que foi escrito nos parágrafos anteriores:
Decreto nº 6.321/07 PL 25/2015
Dispõe sobre ações relativas à prevenção, monitoramento e controle de desmatamento no Bioma Amazônia, bem como altera e acresce dispositivos ao Decreto no 3.179, de 21 de setembro de 1999, que dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado.
Objetivos:
Art. 1o Este Decreto estabelece, no Bioma Amazônia, ações relativas à proteção de áreas ameaçadas de degradação e à racionalização do uso do solo, de forma a prevenir, monitorar e controlar o desmatamento ilegal. Objetivos:
Art. 3º A conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado visam promover o desenvolvimento sustentável da região, bem como:I – valorizar a biodiversidade do Bioma e fomentar a sua proteção em áreas públicas e privadas; II – mitigar a emissão de gases de efeito estufa; III – combater a fragmentação de habitats; IV – ampliar o Sistema de Unidades de Conservação da Natureza no Bioma; V – recuperar áreas degradadas e estimular a restauração ambiental; VI – conservar os solos e promover o bom manejo das áreas com atividade agropecuária; VII – promover a preservação das nascentes, o uso racional dos recursos hídricos e sua conservação em qualidade e quantidade; VIII – combater as queimadas e eliminar a produção de carvão vegetal a partir de vegetação nativa; IX – fomentar atividades agroextrativistas sustentáveis; X – promover o contato harmônico com a natureza e o ecoturismo sustentável; XI – disciplinar a ocupação do solo urbano e rural e estimular a diversificação e a sustentabilidade das atividades econômicas; XII – fomentar a pesquisa, especialmente o conhecimento da biodiversidade do Bioma, a bioprospecção e a manutenção de bancos de germoplasma das espécies nativas; XIII – valorizar, conservar e recuperar os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas do Bioma; e XIV – fomentar a convivência harmônica com as comunidades indígenas, os quilombolas e demais populações tradicionais e promover sua cultura.
Ausência de metas. Série de metas a serem alcançadas em cinco anos, conforme o art. 6º.
7.2. A Mata Atlântica e a Lei 11.428/06
A Lei 11.428/06 dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica.
Das normas aqui analisadas, esta é a que mais se assemelha ao Projeto de Lei 25. Lendo-as lado a lado, é evidente a sua semelhança. É facilmente presumível que a Lei que dispõe sobre a Mata Atlântica serviu de inspiração para a redação do Projeto em questão.
Ambas começam mostrando o plano base de ponto de partida, conceituando termos como utilidade pública, interesse social, entre outros, nos termos da lei, para que assim os destinatários da norma saibam do que ela trata efetivamente e sobre os efeitos que ela produzirá, assim como a extensão das suas disposições.
Logo após, começam a dispor sobre os objetivos relacionados à conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do bioma. Aqui, novamente, o PL ultrapassa a norma comparada, já que possui mais objetivos, explicados de forma mais direta e específica, de maneira a facilitar a interpretação da norma e, consequentemente, a sua aplicação. Ademais, o PL guarda uma parte específica para a delimitação dos instrumentos da Lei, o que não acontece na norma comparada. Entretanto, é evidente a influência das disposições da referida Lei para a construção destes instrumentos. Por exemplo, um dos instrumentos consiste na delimitação e implantação de corredores de biodiversidade, enquanto a Lei 11.428 dispõe que o corte e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica ficam vedados quando a vegetação formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou secundária em estágio avançado de regeneração.
Novamente, as normas em análise versam sobre matérias extremamente semelhantes e análogas, ambas regulamentando as atividades extrativistas, do exercício de atividades de mineração etc. Inclusive, cada uma delas estabelece a criação de um Fundo de Conservação e Restauração para o seu bioma, assim como delimita quais são os recursos que constituem o fundo.
Resumindo, as normas são bastante semelhantes entre si, de forma a tornar bastante complicada alguma valoração quanto qual encontra-se melhor escrita, seja pelo maior grau de especificidade ou pelo grau de detalhamento.
7.2.1. Comparação com o PL 25/2015
Lei 11.428/06 PL 25/2015
Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências. Dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado.
Art. 6o A proteção e a utilização do Bioma Mata Atlântica têm por objetivo geral o desenvolvimento sustentável e, por objetivos específicos, a salvaguarda da biodiversidade, da saúde humana, dos valores paisagísticos, estéticos e turísticos, do regime hídrico e da estabilidade social. Art. 3º A conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado visam promover o desenvolvimento sustentável da região, bem como: [...] (Incisos presentes na tabela anterior)
Art. 36. Fica instituído o Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica destinado ao financiamento de projetos de restauração ambiental e de pesquisa científica. Art. 19. Fica instituído o Fundo de Conservação e Restauração do Cerrado (FCRC), vinculado ao órgão federal do Sisnama, destinado ao financiamento de projetos relacionados à implantação dos corredores de biodiversidade, restauração ambiental e pesquisa científica.
7.3. O Pampa Gaúcho e o Decreto nº 52.431
O Decreto 52.431/15 dispõe sobre a implementação do Cadastro Ambiental Rural e define conceitos e procedimentos para a aplicação da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, no Estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de decreto que visa, entre outras coisas, valorizar e preservar o Pampa Gaúcho, sua cultura, patrimônio genético, diversidade de fauna e vegetação nativa, garantindo-se a denominação de origem.
Percebe-se de início que, apesar de possuir um viés de proteção do Pampa, não é uma norma feita diretamente e especificamente para o bioma que quer proteger, como é o caso do PL 25 e da Lei analisada no item anterior. As disposições normativas do Decreto 52.431 se assemelham mais às do Decreto analisado no item I, já que ambos tratam de um sistema de cadastramento de imóveis. Em relação ao Decreto 52.431, esse cadastramento serve para que assim seja possível monitorar a manutenção, a recomposição, a regeneração, a compensação e a supressão da vegetação nativa e da cobertura vegetal nas áreas de preservação permanente, áreas de uso restrito e de reserva legal, no interior dos imóveis rurais, localizados em zona urbana ou rural, assim como promover o planejamento ambiental e econômico do uso do solo e da conservação ambiental no território estadual.
7.3.1. Comparação com o PL 25/2015
Devido às grandes diferenças de tema e nas formas de proteção propostas evidenciadas anteriormente, a tabela abaixo serve apenas para demonstrar os diferentes enfoques previstos já na parte inicial dos dispositivos.
Decreto 52.431 PL 25/2015
Dispõe sobre a implementação do Cadastro Ambiental Rural e define conceitos e procedimentos para a aplicação da Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, no Estado do Rio Grande do Sul. Dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado.
7.4. O Pantanal e a Lei 8.830/08
A Lei 8.830/08 dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso, além de dar outras providências. Numa primeira olhada, não se percebe a relação desta norma com o Bioma do Pantanal, entretanto, como a própria Lei determina em seu art. 1º, § 2º, os limites do Pantanal em Mato Grosso devem ser entendidos como delimitadores de ações específicas na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai.
A Lei em questão é uma lei interessante no sentido jurídico, já que define nela mesma seus princípios e as atribuições do poder público para manutenção da sustentabilidade ambiental, econômica e social da região, assim como define uma série de conceitos. Em relação aos princípios, entre outros, cita os princípios da prevenção, da precaução, do poluidor pagador, do usuário pagador, princípios importantíssimos para o direito ambiental como um todo.
De modo geral, é norma bastante semelhante ao PL 25, já que também é uma norma bastante completa e autoexplicativa, com princípios e conceitos expressos na própria lei, além de possuir diversas diretrizes básicas em seu art. 4º, de forma bastante semelhante aos arts. 3º e 4º do PL.
7.4.1. Comparação com o PL 25/2015
Lei 8.830/08 PL 25/2015
Dispõe sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso e dá outras providências. Dispõe sobre a conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado.
Art. 4º São diretrizes básicas da Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso: I – ação governamental de articulação dos órgãos estaduais com os órgãos federais e municipais de meio ambiente, desenvolvimento rural, indústria, comércio, turismo e da sociedade civil organizada; II – integração da gestão ambiental com a gestão dos recursos hídricos e com a gestão do uso do solo; III – promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos povos e comunidades tradicionais nas instancias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses; IV – assegurar os direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais à auto - determinação na construção de políticas de gestão em território tradicional; V – consolidar e ampliar as parcerias: internacional, nacional, estadual, interestadual e setorial, para o intercambio de informações e integração de políticas públicas articuladas e aplicáveis no bioma Pantanal; VI – ordenar a ocupação territorial da Bacia do Alto Rio Paraguai, com ênfase na Planície Alagável na forma da lei; VII – estimular a instalação de atividades econômicas sustentáveis; VIII – apoiar as atividades econômicas sustentáveis existentes; IX – reconhecer, implementar e subsidiar atividades sustentáveis desenvolvidas por povos e comunidades tradicionais; X – incentivar ações que se coadunam com os objetivos da Convenção sobre a Diversidade Biológica e estabelecer restrições para as contrárias aos objetivos da Convenção; XI – incentivar atividades de ecoturismo como forma de gerar emprego e renda e de fiscalizar, proteger e divulgar o ambiente pantaneiro. Art. 3º A conservação e a utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma Cerrado visam promover o desenvolvimento sustentável da região, bem como: I – valorizar a biodiversidade do Bioma e fomentar a sua proteção em áreas públicas e privadas; II – mitigar a emissão de gases de efeito estufa; III – combater a fragmentação de habitats; IV – ampliar o Sistema de Unidades de Conservação da Natureza no Bioma; V – recuperar áreas degradadas e estimular a restauração ambiental; VI – conservar os solos e promover o bom manejo das áreas com atividade agropecuária; VII – promover a preservação das nascentes, o uso racional dos recursos hídricos e sua conservação em qualidade e quantidade; VIII – combater as queimadas e eliminar a produção de carvão vegetal a partir de vegetação nativa; IX – fomentar atividades agroextrativistas sustentáveis; X – promover o contato harmônico com a natureza e o ecoturismo sustentável; XI – disciplinar a ocupação do solo urbano e rural e estimular a diversificação e a sustentabilidade das atividades econômicas; XII – fomentar a pesquisa, especialmente o conhecimento da biodiversidade do Bioma, a bioprospecção e a manutenção de bancos de germoplasma das espécies nativas; XIII – valorizar, conservar e recuperar os serviços ambientais prestados pelos ecossistemas do Bioma; e XIV – fomentar a convivência harmônica com as comunidades indígenas, os quilombolas e demais populações tradicionais e promover sua cultura. Art. 4º São instrumentos desta Lei: I – o mapeamento dos remanescentes de vegetação nativa do Bioma; II – a identificação de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade; III – o zoneamento ecológico-econômico; IV – a criação de unidades de conservação em conformidade com a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000; V – a delimitação e implantação de corredores de biodiversidade; VI – a avaliação ambiental estratégica de políticas, planos e programas setoriais de desenvolvimento socioeconômico; VII – a aplicação de tecnologias agropecuárias sustentáveis; VIII – a assistência técnica aos produtores rurais, especialmente aos pequenos agricultores e às populações tradicionais; IX – o pagamento por serviços ambientais; e X – o estabelecimento e a avaliação periódica de indicadores de conservação e utilização sustentável da vegetação nativa do Bioma.
8. Conceito de Política Pública
Política pública, ou políticas públicas, em sentido amplo, são atividades governamentais que agem diretamente ou por delegação e influenciam a vida dos particulares.
Em síntese, são as ações governamentais nas mais variadas esferas, quer tragam benefícios ou prejuízos à população.
Outro ponto importante de se observar, ainda dentro do conceito de política pública, são os elementos essenciais para a implementação de uma política pública.
As políticas públicas constituem-se basicamente de um conjunto de metas que devem ser balizadas por certas diretrizes em concordância com o ordenamento jurídico vigente, que busque traçar objetivos de melhoria de algum setor da sociedade por meio de instrumentos previamente definidos que permita essa implementação.
8.1 Política Pública na visão de Maria Dallari Bucci
Para Maria Dallari Bucci:
“políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas públicas são metas coletivas conscientes e, como tais, um problema de direito público, em sentido lato.”
Portanto, as políticas públicas deverão funcionar como meios de interesses convergentes em busca de melhorias para a coletividade, devendo para isso ter a organização, fiscalização, planejamento e empenho, tanto do poder público atuante quanto da participação popular.
9. Projeto de Lei 25/2015 como política pública.
Com base na detida análise do projeto de lei objeto do presente trabalho, e com base na legislação e nos conceitos de direito ambiental trazidos ao cerne da questão, podemos considerar que o Projeto de Lei 25/2015 serve como elemento chave na realização de políticas públicas no âmbito do Cerrado.
Pois ele se compatibiliza com todos os conceitos apresentados e apresenta até mesmo melhorias na forma de abordagem e definição de metas de trabalho, como suporte ao elemento natural do Cerrado.
11. Conclusão
Como analisado nos itens anteriores, o Projeto de Lei 25/2015 em nada carece de metas, objetivos, instrumentos e meios de fiscalização. Da comparação com as leis e decretos acima, percebe-se que o Projeto apresenta coerência com o ordenamento jurídico existente, já que em nada perde em relação às normas analisadas, pelo contrário, tende a trazer de forma mais pormenorizada e específica as suas disposições, de forma a tornar o mais viável possível a aplicação da lei, seja pelos juízes, seja pelos órgãos envolvidos, seja pelos cidadãos. Há verdadeira adequação com os modelos de política pública aplicados aos demais biomas.