A necessidade e o desejo de sempre tirar vantagens de seu semelhante é uma centeia que nasce dentro do ser humano; desde tempos remotos a fraude e a corrupção estiveram atreladas à história humana.
No Antigo Testamento temos vários exemplos da corrupção humana a mais evidente ocorreu quando Judas Iscarioti vendeu Jesus Cristo por oito moedas de pratas, neste ato os participantes são pessoas de classes privilegiadas da época, isto é, o clero e os fariseus, cometendo o chamado crime do colarinho branco, prejudicando toda a sociedade, assim como ocorreu naquela época, hoje isto infelizmente ainda ocorre, apenas mudou-se as nomenclaturas das classes privilegiadas.
O ser humano, com o decorrer do tempo, vem evoluindo na arte de enganar, ludibriar, iludir, falsear, usar de má fé, trazendo sérios prejuízos à sociedade como um todo, um dos crimes mais terrível e que traz ônus irreparável aos cofres público, o chamado crime do colarinho branco ou sua expressão mais usada White Collar Crime.
Os chamados crimes de colarinho branco são normalmente praticados sem violência, mas que provocam estragos irreparáveis à sociedade e ao país. Os principais agentes ativos são pessoas das classes privilegiadas como executivos e políticos em geral e que, infelizmente de uma forma geral não são vistos como criminosos pela sociedade, pois não há uma ação direta, pessoal desses criminosos contra outra pessoa, mas o resultado indireto deste tipo de crime é devastador para toda sociedade.
Durante muito tempo a maior preocupação popular foi com os crimes que chocavam como os assassinatos e tráfico de drogas, todavia quando se fala de crimes do colarinho branco, também chamado do delito “de cavalheiros”, a legislação é esparsa e incompleta, sendo necessária outra para complementá-la como o crime de enriquecimento ilícito, que precisa de crimes como corrupção ativa, peculato para ser atribuída a alguém, e somente são descobertos por denúncia anônima, haja vista que normalmente é realizado por um conjunto de pessoas que manipulam o sistema financeiro nacional.
Os chamados crimes de colarinho branco trazem em seu rol trajetória de tragédias incalculáveis, haja vista que a maioria é praticada por representantes do povo que tem função de administrar o nosso país, todavia a única coisa que se desenvolve são suas contas pessoais e, consequentemente o seu próprio enriquecimento em detrimento do bem estar social, proporcionando cada vez mais uma distribuição de renda absurdamente desleal, onde infelizmente nosso país tem índices comparáveis a países do continente africano, apesar de o Brasil hoje ser uma das maiores economia do planeta, mas infelizmente com o poder econômico na mãos de poucos em detrimento de uma maioria praticamente miserável, que mal consegue se alimentar.
Segundo a teoria de Edwin Sutherland (1994), existe uma estrita relação entre os homens na aprendizagem da arte de enganar, afirmando o aludido autor que o comportamento criminoso é aprendido através de relações interpessoais com outros criminosos, conhecida Interacionismo simbólico.
Muitas vezes ao perceber o crime cometido pelos fraudadores ou corruptos a quantia desviada é muito grande e, dificilmente se consegue chegar ao valor real que foi desviado, desta forma prejudicando o desenvolvimento social como um todo. Os crimes cometidos sem violência, violam o direito econômico profundamente e a sociedade somente irá percebe ao longo do tempo o quanto este tipo de crime é devastador.
Além do aspecto financeiro normalmente atralado aos crimes de colarinho branco, há o fundo moral que muitas vezes é afetado quando da descoberta do delito, haja vista que todos aqueles que estão no conjunto acabam sendo investigados e colocados em observação.
De acordo com Nola Anyar de Castro ( 1996 ), "um custo moral que é muito importante, porque os grandes empresários, que são os que cometem estes delitos, são geralmente líderes da comunidade, espelho e exemplo do povo, grandes defensores de um bom equipamento social para a prevenção da delinquência juvenil e geral, ou exercem outras atividades similares."
No Brasil, infelizmente são várias as histórias relacionadas ao crime do colarinho branco, principalmente os oriundos dos políticos brasileiros e grandes empresários que movimentam a economia nacional, desde a época da monarquia tais crimes vêm sendo cometido, todavia a partir da década de 60 vem ficando cada vez mais comum, a prática de se levar vantagem em tudo em detrimento da coletividade.
A intensificação ocorreu a partir da década de 80 quando da crise econômica, fez com que aqueles que tinham um pouco mais de acesso a informações pudesse retirar vantagens da sociedade.
Foi verdadeiro tsunami político econômico, onde muitos e, principalmente os detentores do poder econômico e político, aproveitaram-se da situação de inflação avassaladora, pela qual atravessava o país, para “garantir” o seu futuro, destruindo a sociedade como um todo. Época esta que a população não sabia qual o valor que iria pagar no outro dia sobre o mesmo produto, foi uma época de terror.
Já na década de 90, começaram os escândalos de corrupção, que até hoje são protagonistas de cenas em jornais no mundo todo, envolvendo grandes empresários e políticos de todos os níveis.
Infelizmente em razão da impunidade, ou mesmo a sensação de impunidade, da ineficácia dos mecanismos de controle social formal e informal, faz com que nossos políticos continuem a realizar crimes da espécie, sem haver sanções apropriadas, como a devida devolução para os cofres públicos.
O jornalista e professor Boris Casoy em uma palestra ministrada na Faculdade da PUC/SP em novembro/2011, alia:
A sociedade precisa atentar para a gravidade dos crimes cometidos por esses "respeitáveis" cidadãos. Precisa entender que o único objetivo desses "empresários" é o lucro fácil, volumoso e rápido. São crimes mais danosos do que aqueles cometidos contra o patrimônio individual, posto que atingem os interesses difusos e coletivos da sociedade. São macrocrimes cuja repercussão é incomparavelmente superior à dos crimes comuns. Por motivos óbvios, a maior preocupação da sociedade é com a violência nas ruas, por ser ela visível e também porque vítima e criminoso estão mais próximos, causando, assim, um impacto imediato.
De acordo com Nunez (1992):
“a Justiça penal se exerce sobre tipos tradicionais, delitos convencionais, mas sua atuação é virtualmente inoperante em relação aos autores de atos gravemente prejudiciais para a coletividade que se estruturou na organização política e econômica, por falta de tipificação penal adequada e pelas dificuldades probatórias, de tais comportamentos, derivados da habilidade de atuação de seus autores e da própria complexidade dos delitos econômico – financeiros..."
Os crimes financeiros infelizmente são dificilmente detectados pelos órgãos policiais e administrativos, por isso quando descobertos, os prejuízos são incalculáveis e de difícil quantificação do prejuízo causado e reparação junto à sociedade, além da difícil qualificação e participação efetiva de cada um com todas as circunstâncias envolvidas na prática delituosa para que possa haver uma denuncia consiste.
Para muitos sociólogos e juristas, os crimes de colarinho branco são considerados hediondo, cometido em face da sociedade, pois as consequências não são visíveis, todavia, a sociedade toda acaba sentindo, prejudicando o desenvolvimento social como um todo, uma vez que cada cidadão não sente-se individualmente lesado por estes crimes, pois não há uma violência ou mesmo a fraude para subtrair-lhe um bem ou valores e, acaba por não enxergar tais pessoas como criminosas, desta forma a sociedade só sente o impacto destes crimes, na falta de educação, cultura, saúde, segurança, transporte, habitação, etc.
No Brasil, em levantamento elaborado pelo Ministério da Justiça, identificou-se 11 bilhões de reais movimentados desde 2009 até junho de 2012, em esquema de lavagem de dinheiro, obviamente esses valores não correspondem ao verdadeiro valor, até porque, quando deste levantamento somente alguns crimes antecedentes é que caracterizavam o crime de lavagem de dinheiro, porém a Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012 alterou a Lei 9.613, de 03 de março de 1998 passando a considerar qualquer infração penal antecedente, ou seja, ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de infração penal, desta forma, por exemplo, o dinheiro ilícito proveniente do jogo do bicho utilizado para aquisição de bens não era considerado crime de lavagem de dinheiro, uma vez que a lei era taxativa no sentido de que deveria haver determinados crimes antecedentes. Assim, se o texto da Lei de lavagem de dinheiro desde o início tivesse a redação atual, os 11 bilhões de reais identificados pelo Ministério da Justiça, seriam multiplicados algumas vezes.
Apesar da gravidade que ostenta o crime do colarinho branco quando a questão são crimes chocantes, a sociedade aponta crimes de cunho material ou contra a pessoa como os casos dos Nardoni e de Suzane Richthofen entre outros. Todavia os crimes do colorinho branco também deveriam chocar a sociedade, pois prejudicam o desenvolvimento social do país e não são lembrados pelos cidadãos brasileiros. Quantas pessoas morrem em nosso país por falta de um atendimento médico-hospitalar de qualidade fornecido pelo Estado, ou mesmo por falta de condições financeiras mínimas para adquirir medicamentos? Se a sociedade, ou mesmo a mídia, de alguma forma vinculasse casos de extrema pobreza e mortes evitáveis com os crimes de colarinho branco, talvez os autores desses crimes serião vistos como criminosos que são.
Um exemplo foi o escândalo ocorrido entre 1998/2000 quando da construção do TRT de São Paulo onde foram desviado mais de 923 milhões de reais, pelo empresário Luiz Estevão com apoio do governo do Estado, neste período o setor da educação e saúde estavam em situação precária, com vários doentes nos corredores de hospitais e crianças sem escola.
Em uma pesquisa realizada pela Folha de São Paulo de janeiro de 2012, 87% da população entrevistada não lembrava deste escândalo, e nem qual foi o desfecho do caso. Infelizmente na ocasião, a situação na rede de saúde estava lamentável, filas de doentes aguardavam nos corredores de hospitais públicos por uma vaga em um leito.
Outro caso também bastante importante foi a Máfia do Sanguessugas ocorrido em 2006, quando fraudes em Orçamentos que envolviam mais de cem congressista e assessores, acusados de receberem propinas da empresa que vendiam ambulâncias para as prefeituras, outro escândalo não lembrando pela população mas refletiu muito na saúde pública.
Quando o assunto é crime financeiro a investigação e a comprovação da consumação do delito é muito minuciosa, haja vista que os agentes ativos, normalmente são pessoas que conhecem muito bem o sistema por onde navega, desta forma apenas quando deixada uma brecha é possivel o seu desfecho.
Culpar apenas as leis e os órgãos responsáveis pela persecução penal sobre o fato não é correto, pois os próprios cidadãos muitas vezes esquecem-se dos fatos ocorridos e que prejudicaram a sociedade para lembrar fatos menos importantes, ao falar com um cidadão ele fica chocado quando uma pessoa entra na casa de um estranho e mata pessoas, não que não devesse ficar chocado, mas fica tranquilo quando a questão é o julgamento do mensalão, isto quando sabe sobre o mensalão.
A revista Veja de 06/04/2012 realizou uma enquete para saber como a população esta com relação ao mensalão e 85% não lembravam quais foram os delitos que ensejaram este julgamento, todavia sabiam com detalhes sobre o crime cometido pelos irmãos Cravinhos.
Infelizmente um julgamento tão importante que envolve tantas grandes figuras política nacionais é esquecido pela população. Dinheiros que deveriam ser investido na educação e na saúde ficam acumulados nas mãos de poucas pessoas enquanto a população fica privada de alguns benefícios e direitos de suma importância para sobrevivência e desenvolvimento social.
O crime de colarinho branco, infelizmente traz prejuízos incalculáveis ao Estado, haja vista que normalmente o foco é o dinheiro público arrecadado através de tributos, sendo este o único vulcão possível para manter a máquina social em movimento.
Conclusão
Todos os dias são apresentados através dos meios de comunicação fatos de corrupção e lavagem de dinheiro em todo o Brasil, a população acompanha, mas não tem noção da gravidade e o impacto destes crimes para o futuro e desenvolvimento do nosso país e consequentemente da melhoria das condições de vida da sociedade.
A população não se mostra revoltada, haja vista que a cultura político/administrativa brasileira não direciona seu senso moral para crimes formais e sim para materiais, se colocarmos no noticiário uma reportagem sobre uma chacina ocorrida em determinado lugar e a corrupção do mensalão, provavelmente 90% dos telespectadores irão comentar sobre a chacina, não dando a devida importância aos White Collar Crime, desta forma as classes dominantes do poder econômico, continuam a praticar os seus crimes, com munição zero, haja vista que raramente há devolução aos cofres públicos dos valores subtraídos e punição exemplar aos criminosos.
E pode ter certeza que o crime cometido pelos White Collar tem a mesma gravidade para a sociedade que os crimes violentos, pois no primeiro caso os efeitos serão sentidos por muitos anos ainda, principalmente pelas classes menos privilegiadas.
Esta balança de importância no conceito da população tem que mudar, se faz necessário que haja por parte da sociedade cobranças mais efetivas a fim de coibir a prática do colarinho branco, pois em um futuro muito próximo os resultados serão catastróficos, influenciará em muito no desenvolvimento cultural do cidadão brasileiro, pois sem educação o país não se desenvolve, e não havendo desenvolvimento as massas continuarão sendo governadas por aqueles que estarão no poder para ter poder e não para representar o povo que é quem realmente tem o poder de delegar tal poder a quem deveria representá-lo .
Referencia Bibliográficas
ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello. Dos Crimes Contra a Ordem Econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995.
BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção- um estudo sobre o poder público e a relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1994.
GOMES, Luiz Flávio & CERVINI, Raul. Crime Organizado. 2 ed.São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997.
MAIA, Rodolfo Tigre, Dos Crimes Contra o Sistema Nacional. São Paulo: Malheiros.1996.
MARTY, Mireille Delmas. Droit Penal des Affaires. 3 ed. Partie générale. Tome 1.Paris: Puf. 1990.
NUNEZ, Juan Antonio Martos. Derecho Penal Economico. Madrid: Montecorvo. 1987.
OLIVEIRA, Frederico Abrahão. Direito Penal Econômico Brasileiro. Porto Alegre: Sagra.1996.
Sutherland, Edwin Hardin (1949). White Collar Crime. New York: Dryden Press.