A Lei nº 9.504/96 e a Lei nº 9.096/95 dispõem sobre a estruturação das finanças, da contabilidade e do patrimônio dos partidos políticos, cabendo destacar que advém das eleições de 2002 o primeiro registro de legislação que tratou da matéria sobre prestação de contas, onde o Tribunal Superior Eleitoral exerceu papel fundamentou ao elaborar e disponibilizar o ´´Manual de Arrecadação, Aplicação de Recursos e Prestação de Contas das Campanhas Eleitorais.´´
Ocorre que foi somente nas Eleições de 2016 que a Justiça Eleitoral atribuiu limites para os candidatos, obrigatoriedade de emissão de recibos eleitorais, prazos para prestação de contas e até mesmo um sistema próprio para apresentação dos demonstrativos contábeis.
A necessidade de rigor na fiscalização da arrecadação e gastos de recursos durante as eleições tornou necessária a regulamentação da matéria por parte do Tribunal Superior Eleitoral em seu pleno exercício do poder regulamentar, sendo que no que concerne à prestação de contas foi editada a Resolução nº 23.463/2015 que ´´ Dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2016.´´
A celeuma que se instaurou com a edição da referida norma regulamentar concerne à extensão e aplicação do artigo 18, §1º da referida resolução, que assim dispõe:
´´Art. 18. (...)
§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação.´´
Assim, segundo a resolução, o candidato só poderia receber doações de valor igual ou acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, no caso, o candidato.
Ocorre que a Lei nº 9.504/1997 permite em seu artigo 23, §4, inciso II, que pessoas físicas façam doações em dinheiro por meio de cheques cruzados e nominais e depósitos em espécie devidamente identificados, havendo assim uma superficial antinomia.
Ocorre a “antinomia”, ou “lacuna de conflito”, sempre que duas ou mais normas jurídicas expressam enunciados de conteúdo conflitante, cobrando do aplicador do direito a adoção de uma ou outra.
É importante transcrever o que dispõe o Art. 23, §4º, II, da Lei nº 9.504/97:
´´Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.
§ 4o As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)
I - cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos; (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
II - depósitos em espécie devidamente identificados até o limite fixado no inciso I do § 1o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
Veja-se que o inciso II do referido dispositivo legal não foi revogado, razão pela qual a doação realizada em forma de depósito em espécie devidamente identificado e dentro do limite legal não pode atrair a desaprovação das contas do candidato, uma vez que o ato praticado durante o processo eleitoral se encontra abarcado pelo manto da legalidade (Art. 23, §4º, II, Lei nº 9.504/97).
Importante destacar que a Resolução/TSE nº 23.463/2015 não revogou (e nem poderia) o preceito constante do Art. 23, §4º, II, Lei nº 9.504/97, atém mesmo pelo fato de que a própria lei dispõe de sobre a forma que se dá o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral:
´´Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos.
Aqui, calha destacar que a função normativa da Justiça Eleitoral expressa uma competência regulamentar, pressupondo, para a sua validade, obediência à lei regulamentada e à Constituição o que, na prática, confere um maior alcance a estas instruções.
A lei Regulamentada é cristalina ao permitir a doação por meio de depósitos em espécie devidamente identificados (Art. 23, §4º, II, Lei nº 9.504/97), não sendo crível impingir interpretação de forma a concluir que a resolução da Corte Eleitoral teria o condão de revogar dispositivo de lei em prejuízo ao candidato.
Importante asseverar que apesar de serem dotadas de força de lei, as instruções normativas emitidas pelo TSE não têm o condão de revogar dispositivo previsto na Lei Ordinária, uma vez que o atributo conferido às instruções normativas tem como pressuposto a obediência à própria lei regulamentada e à constituição.
Assim, a Resolução/TSE nº 23.463/2015 não revoga e não anula a aplicação dos dispositivos constantes da Lei nº 9.504/97, sendo que no caso em tela, o Art. 18, §1º daquela resolução deve ser interpretado de forma sistemática e em cotejo com o que dispõe o Art. 23, §4º, II, da Lei nº 9.504/97, devendo, para tanto, ser alçado à base empírica o preceito constante no Art. 105 da Lei nº 9.504/97 e, ainda, o princípio da legalidade preceituado no Art. 5º, II, da Constituição Federal.
Nesse sentido, já se manifestou o Eg. Tribunal Regional de Goiás, in literis:
´´Eleições 2010. Prestação de Contas. Eleições Gerais. Candidata a Deputada Estadual. Inobservância ao disposto no art. 1º, § 3º, da Resolução TSE nº 23.217, de 02.03.2010. Reconhecimento da ilegalidade da norma. Ofensa ao princípio da legalidade (CF, art. 5º, II). Contas aprovadas.
I. Os artigos 23 e 81 da Lei nº 9.504, de 30.09.1997, com redação dada pela Lei nº 12.034, de 29.09.2009, garantem às pessoas físicas e jurídicas o direito de fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para as campanhas eleitorais, mediante o fornecimento de bens e serviços por eles custeados.
II. A única condicionante legal à doação de recursos consiste no respeito aos limites de valores estabelecidos na referida lei, sob pena, em caso de inobservância, de imposição de multa ao doador (não ao candidato ou partido político), mediante procedimento próprio (Representação Eleitoral por excesso de doação prevista nos artigos 23, § 3º, e 81, §§ 2º, 3º e 4º, da Lei nº 9.504, de 30.09.1997).
III. A legislação de regência autoriza ao doador a entrega gratuita de qualquer espécie de bem ou serviço para a campanha eleitoral, sem qualquer restrição quanto à natureza do recurso estimável em dinheiro doado ao candidato ou partido político.
IV. O Egrégio Tribunal Superior Eleitoral excedeu, pois, o poder regulamentar que lhe é conferido, em afronta ao princípio da legalidade, ao impor que 'os bens e/ou serviços estimáveis doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens permanentes, deverão integrar o patrimônio do doador' (art. 1º, § 3º, da Resolução TSE nº 23.217, de 02.03.2010).
V. O art. 105 da Lei nº 9.504, de 30.09.1997, na redação da Lei nº 12.034, de 29.9.2009, é claro ao estabelecer que '(...) o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos'.
VI. Resolução normativa do Tribunal Superior Eleitoral não tem o condão de revogar os dispositivos da Lei Eleitoral que disciplinam a matéria.
VII. Precedente desta Corte.
VIII. Não há provas de abusos e ilicitudes no lançamento das receitas e despesas de campanha.
IX. Contas aprovadas. (PRESTACAO DE CONTAS nº 720491, Acórdão nº 11341 de 21/03/2011, Relator(a) ADEGMAR JOSÉ FERREIRA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 051, Tomo 1, Data 24/03/2011, Página 07 ).
Portanto, a desaprovação das contas apresentadas por candidato que recebeu doações em espécie por meio de depósito identificado ou até mesmo por meio de cheques nominais e cruzados se mostra ilegal, não sendo razoável o apego excessivo à literalidade das resoluções editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral sem a necessária interpretação sistemática da Resolução nº 23.463/2015, sob pena de grave mácula ao princípio da legalidade.