[1] Investigação do MP sobre pessoa com foro privilegiado não depende de autorização judicial
A instauração de procedimentos investigativos criminais (PIC) pelo Ministério Público que envolvam pessoas com foro por prerrogativa de função não depende de prévia autorização judicial. Todavia, também nesses casos, é garantido o controle da legalidade dos atos investigatórios pelo Poder Judiciário.
Com base nesse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu recurso do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) contra decisão de segunda instância que havia considerado necessária a autorização judicial para instauração de investigação.
O recurso julgado pelo colegiado teve origem em procedimento de investigação criminal pelo MPRN com o objetivo de apurar supostos crimes contra a administração pública estadual.
Em virtude de possível envolvimento de agente público com foro privilegiado, os autos do PIC foram encaminhados pelo MP ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que, com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou que haveria necessidade de prévia autorização judicial para instauração do inquérito policial.
Atribuição específica
Em análise de recurso especial do MPRN, o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, explicou inicialmente que o STF, no julgamento do RE 593.727, firmou o entendimento de que o Ministério Público dispõe de atribuição para promover, por autoridade própria e por prazo razoável, investigações de natureza penal, sem prejuízo do controle jurisdicional dos atos praticados.
Em relação às investigações relativas a pessoas com prerrogativa de foro, que possuem o direito de ser processadas pelo tribunal competente, o ministro apontou que a legislação atual não indica a forma de processamento da investigação, devendo ser aplicada, nesses casos, a regra geral trazida pelo artigo 5º do Código de Processo Penal, que não exige prévia autorização do Poder Judiciário.
“Nesse contexto, não há razão jurídica para condicionar a investigação de autoridade com foro por prerrogativa de função a prévia autorização judicial. Note-se que a remessa dos autos ao órgão competente para o julgamento do processo não tem relação com a necessidade de prévia autorização para investigar, mas antes diz respeito ao controle judicial exercido nos termos do artigo 10, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal”, definiu o relator.
Norma regimental
Apesar desse quadro, o ministro lembrou que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal possui norma que atribui àquela corte competência para determinar a instauração de inquérito de indivíduos com foro no STF a pedido do procurador-geral da República, da autoridade policial ou do ofendido. Todavia, segundo o relator, a norma regimental – recepcionada no ordenamento jurídico atual por ser anterior à Constituição de 1988 – não possui força de lei.
“Nada obstante, ainda que se entenda pela necessidade de prévia autorização do Supremo Tribunal Federal para investigar pessoas com foro naquela corte, não se pode estender a aplicação do Regimento Interno do STF, que disciplina situação específica e particular, para as demais instâncias do Judiciário, que se encontram albergadas pela disciplina do Código de Processo Penal e em consonância com os princípios constitucionais pertinentes”, concluiu o relator.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial. (Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Investiga%C3%A7%C3%A3o-do-MP-sobre-pessoa-com-foro-privilegiado-n%C3%A3o-depende-de-autoriza%C3%A7%C3%A3o-judicial). Acessado em 06 de dezembro de 2016.
[2] Supremo Tribunal Federal, Inq. nº 2.411 QO/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, 24.04.2008.
[3] O indiciamento é ato privativo da autoridade policial, segundo sua análise técnico-jurídica do fato. O juiz não pode determinar que o Delegado de Polícia faça o indiciamento de alguém. (STF. 2ª Turma. HC 115015/SP, rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/8/2013).
[4] Por outro lado, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 33, § único da Lei 75/1983) e do Ministério Público (art. 41, inciso II, da Lei nº 8.625/1993), impedem que os seus membros sejam indiciados em inquérito policial, razão pela qual as únicas exceções no sistema dizem respeito a esses agentes públicos, tendo em vista que se trata de prerrogativa funcional garantida pelas respectivas leis complementares.
[5] Art. 33 – São prerrogativas do magistrado:
[…]
II – não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (vetado);
Parágrafo único – Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
[6] Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica:
[…]
II – não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo;
[…]
Parágrafo único. Quando no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.
[7] Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:
[…]
II – processuais:
[…]
d) ser preso ou detido somente por ordem escrita do tribunal competente ou em razão de flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação àquele tribunal e ao Procurador-Geral da República, sob pena de responsabilidade;
f) não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo;
Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por membro do Ministério Público da União, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá imediatamente os autos ao Procurador-Geral da República, que designará membro do Ministério Público para prosseguimento da apuração do fato.
[8] Tiago Baltazar Ferreira Dantas aduz que: [….]Diante dessa situação a pergunta é: Pode um delegado de Polícia indiciar promotores e juízes?
Numa análise açodada após a leitura destes artigos, nos parece que a resposta seria negativa, pois há uma vedação expressa nesse sentido de não ser indiciado em inquérito policial, pois quando verificado que no curso da investigação criminal – o Delegado de Polícia se deparar que em seu no bojo um dos investigados é uma dessas autoridades, deve sustar a marcha da investigação e remeter os autos do inquérito para o respectivo superior (PGJ/PGR no caso do MPF) ou (Tribunal ou órgão especial do TJ local) para prosseguir na apuração do fato.
No entanto, a resposta mais correta seria a positiva, pois essa prerrogativa em ratione personae é apenas em decorrência de crimes afiançáveis.
A constituição em seu artigo 5º, incisos XLIII e XLIV previu através de um mandado constitucional de criminalização os crimes inafiançáveis:
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
O que as leis que disciplinam em suas prerrogativas, são para os crimes afiançáveis. A impossibilidade de indiciamento é apenas durante o inquérito policial instaurado por portaria, nada falando sobre crimes inafiançáveis em caso de flagrante.
O Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, Marcos Paulo Dutra Santos, em seu livro (O Novo Processo Penal Cautelar, 1ª Ed, pág. 175) explica que “Enquanto a instauração é a inauguração oficial das investigações, o indiciamento ou a indicação encerra a imputação delitiva formulada pelo Delegado contra determinada pessoa, que se torna indiciada. Como são atos distintos, nada impede que primeiro se instaure o inquérito, quando por exemplo, a autoria for ignorada e, depois, sobrevenha o indiciamento. Mas é igualmente possível que a instauração do inquérito e o indiciamento sejam simultâneos, como se dá no APF, e, ao fazê-lo estará simultaneamente indiciando o agente independentemente da anuência prévia do Tribunal competente ratione persoanae”.
O que ele quer dizer é que o IP pode ser instaurado de algumas formas, dentre elas estão a portaria e o APF.
Sendo através de portaria, nesse caso ao final – o Delegado pode optar pelo indiciamento, caso presentes seus requisitos. Ou então, o IP pode ser instaurado através de APF (que na prática o flagrante se faz de IP) e assim – junto com a ratificação do flagrante está o indiciamento, pois para que seja lavrado o auto, a autoridade policial deve estar convencida de indícios de autoria e materialidade sobre o fato.
[…]
Destarte, nos parece que houve uma mitigação da jurisprudência do STF que diz que o indiciamento de agente detentor de foro por prerrogativa de função exige prévia autorização do Tribunal (STF, pleno pet. nº3825 QO/MT, rel. Min.Gilmar Mendes – inf. 462 e 483). (DANTAS, Tiago Baltazar Ferreira. O indiciamento de juiz e de promotor realizado pelo delegado de polícia. Publicado em 11/2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44741/o-indiciamento-de-juiz-e-de-promotor-realizado-pelo-delegado-de-policia. Acessado em 08 de dezembro de 2016).
[9] Ementa: Ementa: PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE ÓBICE AO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. INEXISTÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 283/STF. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA. NORMA PREVISTA EM REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL SEM PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. É da competência da Constituição Estadual estabelecer as atribuições do Tribunal de Justiça, conforme o art. 125 , § 1º , da Constituição Federal . 2. Impossibilidade de o Regimento Interno do Tribunal de Justiça estabelecer competência jurisdicional sem respaldo na Constituição Federal ou Estadual. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – SEGUNDO AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO RE 425974 GO – Data de publicação: 14/08/2013)
[10] Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ALTERAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. REGRA DE COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO CNJ. SEGURANÇA CONCEDIDA. (STF – MANDADO DE SEGURANÇA MS 30793 DF – Data de publicação: 24/09/2014)
[11] Em sentido contrário:
E M E N T A: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – DESCUMPRIMENTO, PELA PARTE EMBARGANTE, DO DEVER PROCESSUAL DE PROCEDER AO CONFRONTO ANALÍTICO DETERMINADO NO ART. 331 DO RISTF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – COMPETÊNCIA NORMATIVA PRIMÁRIA (CF/69, ART. 119, § 3º, “c”) – POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL, SOB A ÉGIDE DA CARTA FEDERAL DE 1969, DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DISPOR, EM SEDE REGIMENTAL, SOBRE NORMAS DE DIREITO PROCESSUAL – RECEPÇÃO, PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DE TAIS PRECEITOS REGIMENTAIS COM FORÇA E EFICÁCIA DE LEI (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278) – PLENA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO ART. 331 DO RISTF – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – A parte embargante, sob pena de recusa liminar de processamento dos embargos de divergência – ou de não conhecimento destes, quando já admitidos – deve demonstrar, de maneira objetiva, mediante análise comparativa entre o acórdão paradigma e a decisão embargada, a existência do alegado dissídio jurisprudencial, impondo-se-lhe reproduzir, na petição recursal, para efeito de caracterização do conflito interpretativo, os trechos que configurariam a divergência indicada, mencionando, ainda, as circunstâncias que identificariam ou que tornariam assemelhados os casos em confronto. Precedentes. – O Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, “c”), dispunha de competência normativa primária para, em sede meramente regimental, formular normas de direito processual concernentes ao processo e ao julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal. Com a superveniência da Constituição de 1988, operou-se a recepção de tais preceitos regimentais, que passaram a ostentar força e eficácia de norma legal (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278), revestindo-se, por isso mesmo, de plena legitimidade constitucional a exigência de pertinente confronto analítico entre os acórdãos postos em cotejo (RISTF, art. 331) (STF – AG. REG. NOS EMB. DIV. NOS EMB. DECL. NO AG. REG. NO ARE N. 845.201-RS RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO).