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O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto:

a nova ferramenta de cooperação internacional

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IV. SUBMISSÃO DE MEDIDAS CAUTELARES NO JUÍZO BRASILEIRO, OBTENÇÃO TRANSNACIONAL DE PROVAS E O AUXÍLIO DIRETO

Valendo-nos da clássica distinção entre os conceitos, será cabível a concessão de tutela cautelar, quando comprovado, além de fumus boni iuris, o risco à efetividade do processo, não havendo, assim, satisfação do direito material que se pretenda tutelar. A tutela antecipada, por seu turno, será cabível quando estiver em risco de perecimento o próprio direito material alegado pelo autor. Trata-se, pois, de tutela satisfativa, através da qual serão antecipados os efeitos de futura sentença de procedência do mérito.

A partir de 1994, nosso sistema passou a conviver com dois regimes distintos: de um lado, o da tutela cautelar (com os requisitos clássicos do fumus boni juris e do periculum in mora) e, de outro, o da tutela antecipada (baseada na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano ou no abuso do direito de defesa). Embora positiva, a mudança trouxe consigo dificuldades de distinção. Não raro, pleiteava-se tutela cautelar quando na verdade o que se pretendia era a satisfação imediata do direito e vice-versa. E, costumeiramente, essa incerteza levava ao indeferimento da medida.

Passados vinte anos, o novo CPC adota um sistema muito mais simples. Ele unifica o regime, estabelecendo os mesmos requisitos para a concessão da tutela cautelar e da tutela satisfativa (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo). Ou seja, ainda que permaneça a distinção entre as tutelas, na prática os pressupostos serão iguais. Com efeito, o parágrafo único do art. 294 deixa claro que a tutela de urgência é gênero, o qual inclui as duas espécies (tutela cautelar e tutela antecipada). Já o art. 300 estabelece as mesmas exigências para autorizar a concessão de ambas.

Mas não é só. Além de um regime jurídico único, outra grande vantagem é a dispensa de um processo cautelar autônomo. Com efeito, a Lei nº 13.105 de 2015 permite que as medidas provisórias sejam pleiteadas e deferidas nos autos da ação principal. A regra é clara: após a antecipação ou a liminar cautelar, o autor terá prazo para juntar novos documentos e formular o pedido de tutela definitiva. Ainda que os prazos sejam distintos (15 dias na antecipação e 30 dias na cautelar) em ambas as hipóteses o pedido principal será formulado nos mesmos autos, sem necessidade de um novo processo ou do pagamento de novas custas processuais.

Após essas ligeiras noções com as medidas cautelares, é necessário saber qual o procedimento utilizado na obtenção transnacional de prova, ou seja, quando um Estado solicita a outro que obtenha ou produza determinada prova é necessário estabelecer observar-se-á o procedimento do Estado requerente ou do Estado requerido.

Em regra, os procedimentos atinentes à obtenção de prova, bem como os meios adequados para essa busca, são regidos pelo ordenamento jurídico do Estado requerido. Mas o Estado requerente pode solicitar ao Estado requerido que utilize um procedimento especial, previsto no ordenamento daquele para a obtenção da desejada prova.

O Estado requerido, por sua vez, somente pode obstar tal requisição se o procedimento for completamente incompatível com seu ordenamento jurídico, ou por expressa proibição, ou violação da ordem pública; ou, então, por barreiras intransponíveis de ordem prática.

Aspecto questionado e não tratado pelos diplomas internacionais e comunitários é a obtenção de prova pelo Estado requerido por meio que seja ilícito no Estado requerente. Nesse caso, a boa prática demanda que o Estado requerente determine na comunicação (carta rogatória, ou outro instrumento lícito de comunicação judicial) que o Estado requerido não utilize o meio de prova considerado ilícito, como forma de preservar a validade da prova que se deseja.

Nos procedimentos acerca da obtenção de provas no Brasil, distinguem-se duas situações. A primeira, como visto, é a forma tradicional, pela qual o pedido é formulado pela via da rogatória. A segunda alude à possibilidade de que solicitações de cooperação, que não ensejem juízo de delibação, sejam encaminhadas pela via do auxílio direto. Pretende-se que, nos casos em que a autoridade estrangeira deseja informações sobre o andamento de processos no Brasil que não esteja sob segredo de justiça, não haja necessidade de se adotar a via da carta rogatória. Esta tampouco será exigida quando a solicitação de prova a ser produzida no Brasil demandar somente a cognição do juiz brasileiro, desde que não se trate de conferir eficácia a ordem emanada de juízo estrangeiro.

Assim, o auxílio direto serve para atos de cooperação que prescindam do exequatur do Superior Tribunal de Justiça, para os quais os juízes nacionais passam a ter inteira liberdade de apreciação e decisão. O instituto difere da carta rogatória porque nesta, a medida decorre de decisão da autoridade judicial estrangeira, tomada em processo do qual o juiz nacional não tem conhecimento ou, tampouco, qualquer poder além de conceder ou negar o cumprimento daquilo que lhe foi rogado.

Nas palavras do novo CPC:

Art. 30. Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:

I - obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso;

II - colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;

III - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Então, se algum advogado de outro País, como o Sudão, tiver que citar alguma pessoa no Brasil, ele poderá fugir do procedimento de delibação do STJ, e por meio do auxílio direto solicitar que o Brasil, sob sua própria jurisdição e suas regras, ordene a citação daquela determinada pessoa.

A diferença é fundamental, se a citação fosse por meio do procedimento da carta rogatória, o cumprimento da citação se daria por meio das regras que um juiz do Sudão estabeleceu, de forma que teria que passar pelo crivo do STJ. Agora, se for por meio do pedido de auxílio direto, o Sudão abre mão do poder de dizer o direito (Jurisdição) para que o Brasil diga o direito no caso concreto, de maneira que o STJ não precisa avaliar nada, visto que será o próprio Estado brasileiro que exercerá a Jurisdição.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face a necessidade de estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras, a promoção da Cooperação Jurídica Internacional passou a ser prática imprescindível aos Estados soberanos que buscam credibilidade no contexto internacional.

Nesta perspectiva, a presente pesquisa propôs-se a identificar e avaliar a postura das autoridades judiciárias brasileiras frente ao fenômeno da Cooperação Jurídica Internacional, bem como considerar se pode um juízo nacional ser provocado no interesse de estado estrangeiro em cooperação jurídica internacional em matéria civil, via procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.

O denominado "auxílio direto" ou "assistência direta" é o destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de Estados diversos, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, sempre que reclamar de autoridades nacionais atos sem conteúdo jurisdicional e sem o rótulo de carta rogatória ou interferência do STJ. Assim, no art. 28 daquele ordenamento jurídico é possível se ler que “cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil.”

Percebeu-se que podem ser objeto de auxílio direto a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), a obtenção de provas e, em certas hipóteses, a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada.

Semelhantemente, a coleta da prova transnacional que não decorrer de cumprimento de decisão do Estado de origem, pode se fazer diretamente pela autoridade judiciária brasileira, podendo ser colhida por autoridade administrativa.

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O auxílio direto que envolvesse a atuação de juiz nacional poderia ser denominado de “auxílio direto judicial”; já o auxílio direto que envolvesse a atuação de órgão da Administração Pública poderia ser denominado de “auxílio direto administrativo”.

Em linhas conclusivas, entendemos que o auxílio direto é o caminho para evitar o colapso da máquina judiciária brasileira e para que o STJ possa cumprir efetivamente o seu dever institucional de, com presteza e celeridade, dar resposta efetiva aos pedidos de Cooperação Jurídica Internacional.

Neste aspecto, à luz da Constituição Federal, poderá um juízo nacional, que não seja o STJ ou mesmo uma autoridade administrativa, em procedimento que não demande cumprimento de decisão de autoridade estrangeira, ser provocado no interesse de estado estrangeiro em Cooperação Jurídica Internacional em matéria civil, via o procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BECHARA, Fábio Ramazzini. Novo CPC regulou normas de cooperação internacional de forma sistemática. Disponível na Internet: <http://www.conjur.com.br/2015-out-17/fabio-bechara-cpc-pacificou-normas-cooperacao-internacional>, Acesso em 15/05/2016.

JÚNIOR, Márcio Mateus Barbosa. O novo Código de Processo Civil e o Auxílio Direto: Contexto do Direito Brasileiro Contemporâneo. Disponível na Internet: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9943#_ftn10> Acesso em 13/05/2016.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. Revista dos Tribunais, 2015.

MATIAS, Eduardo Felipe. A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 206. 2005.

RIBEIRO, Ivan Morais. Você sabe o que é Cooperação Jurídica Internacional no novo CPC? Disponível na Internet: <http://www.capitaljuridica.com.br/artigo.php?id=15>, Acesso em 15/05/2016.

SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação jurídica internacional em matéria penal: considerações práticas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.71 - maio-junho, São Paulo: RT, 2008, p. 300.


Notas

1 MATIAS, Eduardo Felipe. A humanidade e suas fronteiras – do Estado soberano à sociedade global. Rio de Janeiro: Paz e Terra,2005. p. 206.

2 SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação jurídica internacional em matéria penal: considerações práticas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.71 - maio-junho, São Paulo: RT, 2008, p. 300.

3 JÚNIOR, Márcio Mateus Barbosa. O novo Código de Processo Civil e o Auxílio Direto: Contexto do Direito Brasileiro Contemporâneo. Disponível na Internet: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9943#_ftn10> Acesso em 13/05/2016

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Sobre os autores
Walter Gustavo Lemos

Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO.

Vivilene Garcia

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica Rondônia. Autora de artigo na revista do fórum amazônico de direito processual, mês 08/2016, artigo no primeiro congresso rondoniense de carreiras jurídicas mês 11/2016 e artigo no site jusbrasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Walter Gustavo ; GARCIA, Vivilene. O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto:: a nova ferramenta de cooperação internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4920, 20 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54588. Acesso em: 20 abr. 2024.

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