Estado de exceção: exceção ou regra?

25/12/2016 às 16:13
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Este artigo tem por objetivo apresentar conceitos como estado de exceção, diferenciando-o de outros institutos, levando à reflexão, à luz da atualidade, se ainda vivemos em um estado de exceção, resquício da ditadura militar.

O Brasil é considerado atualmente um país até certo ponto tranquilo. Mesmo em favelas, onde o índice de violência é alto, o Estado tem tentado impor sua autoridade. Em favelas como Rocinha, Morro do Alemão, os noticiários avisam que a polícia, o Exército, têm minado o poder de atuação do crime organizado. Nesses lugares, até bem pouco tempo quem quisesse adentrá-los tinha que obter autorização dos criminosos locais, que se julgavam as autoridades da área.

Órgãos criados, como a Força Nacional, em que militares são recrutados para ajudar na segurança de locais críticos, têm diminuído a criminalidade em determinadas áreas.

O foco do presente trabalho, apesar de falar sobre a atuação do Estado, não está voltado para a defesa dos direitos individuais dos cidadãos por parte dele e sim ao ataque a esses direitos que são feitos por meios de decretos e/ou ações que coíbem, especialmente, a liberdade dos cidadãos, dentre outros direitos.

Ao final, ter-se-á condições de responder a questão principal deste trabalho: Estado de exceção no Brasil – a ditadura civil-militar a partir dos anos de 1960 já acabou?

A fim de atingir esse objetivo, foram feitas pesquisas bibliográficas, buscas na internet, a fim de evidenciar que o estado de exceção, mesmo não sendo visto, ocorre ainda nos dias atuais, e poderá ocorrer, oficialmente, com apenas um decreto presidencial. Não existe tal decreto no sentido de iniciar um estado de sítio, pelo menos por enquanto, mas existem outros decretos que de maneira velada quase que se configuram como um estado de exceção. Como é o caso do Decreto nº 7.538, de 1º de agosto de 2011, que cria a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, que tem como função, dentre outras:

 I - dirigir, planejar, coordenar, controlar e avaliar as atividades de: a) polícia marítima, aeroportuária, de fronteiras, segurança privada, controle de produtos químicos, controle de armas, registro  de  estrangeiros,  controle   migratório e outras de polícia administrativa; b) apoio operacional às atividades finalísticas; c) segurança institucional, de dignitário e de depoente especial; d) segurança de Chefe de Missão Diplomática acreditado junto ao governo brasileiro e de outros dignitários estrangeiros em visita ao País, por solicitação do Ministério das Relações Exteriores, com autorização do Ministro de Estado da Justiça; e) identificação humana civil e criminal; e f) emissão de documentos de viagem;

O ESTADO DE EXCEÇÃO

Para iniciar nossa discussão, apresentamos dois conceitos do que seja esse estado de exceção:

Agamben (2004, p. 58) dá-nos uma definição de estado de exceção à luz dos ensinamentos de Carl Schmitt:

Podemos então definir o estado de exceção na doutrina schmittiana como o lugar em que a oposição entre a norma e a sua realização atinge a máxima intensidade. Tem-se aí um campo de tensões jurídicas em que o mínimo de vigência formal coincide com o máximo de aplicação real e vice-versa.

Afonso P. Rocha (p. 6508) diz que estado de exceção é:

Forma momentânea de governar prevista na própria Constituição em que se permite afastar direitos individuais, sociais e políticos protegidos no intuito final de manter estes mesmos direitos e o próprio Estado. A ordem constituída prevê mecanismos para manutenção de suas estruturas abrindo mão das mesmas, temporariamente.

E ainda acrescenta que:

Na oitava tese de Walter Benjamin há referência ao estado de exceção, in verbis:

“A tradição dos oprimidos nos ensina que o "estado de exceção" em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histórica. O assombro com o fato de que os episódios que vivemos no séculos XX "ainda" sejam possíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história da qual emana semelhante assombro é insustentável”.

Assim, o Estado pode lançar mão de artifícios para coibir direitos individuais para garantir sua governança. Constitucionalmente existem dois importantes mecanismos legais para a consecução do estado de exceção: o estado de defesa e o estado de sítio. O primeiro, conforme apregoa o Art. 136 da CF, serve para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. Já o segundo, conforme Art. 137 da CF, poderá ser utilizado: nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

O momento pelo qual o Brasil atravessa neste momento é preocupante. O povo sai às ruas para protestar contra medidas usurpadoras de direitos sociais, como educação, saúde e segurança. De outro lado, o governante ainda não esboçou, pelo menos publicamente, qualquer reação drástica, a fim de coibir tais manifestações.

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Golpe Militar de 1964

Matheus Bevilacqua (2011) catedraticamente cita este inesquecível acontecimento que desfez importantes conquistas democráticas para o povo brasileiro:

Lamentavelmente, em 31 de março de 1964, ocorreu a terrível ruptura desse processo democrático instalado pela Constituição de 1946, por um golpe militar, o que evidenciou ainda a fragilidade das instituições nacionais.  Enfim, latente o retrocesso, em todas as vertentes imagináveis; instalava-se no Brasil um “Estado de Exceção” permanente.

O que se segue a isso é uma verdadeira tragédia. Os militares tomam conta do país. Censura, morte, tortura, repressão, daquele período para frente, serão fatos corriqueiros.  Direitos, como liberdade de expressão, direitos políticos, concessão de serviços públicos etc., são coisas apenas para os aliados. Como diz um provérbio: “Para os inimigos a lei”. Lei essa criada a bel prazer daqueles que detinham o poder.

Com o Ato Institucional nº 2, o governo extinguiu o pluripartidarismo, permanecendo apenas dois: A ARENA e o MDB.

Em contrapartida, o que se viu foi muita garra do povo brasileiro opondo-se a tal nefasto regime. Muitos brasileiros foram mortos, outros se exilaram, mas por fim a democracia tomou de volta aquilo que era seu: a liberdade de escolher quem iria governar!

CONCLUSÃO

Por fim, conclui-se que, apesar de não existir oficialmente, ou melhor, escancaradamente, o estado de exceção no Brasil, vê-se alguns direitos sendo usurpados ou congelados nos dias atuais, de maneira vergonhosa.

Hitler decretou estado de exceção que durou 12 anos. No Brasil, o estado de exceção durou 21 anos, em virtude da ditadura militar. Mesmo depois da derrocada da ditadura, o que se nota é que o Estado interfere demasiadamente na vida do povo, seja ditando regras econômicas, seja se intrometendo no seio da família, como no caso da “lei da palmada”, Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014.

Há algum tempo, não se sabe precisar o motivo, o GDF publicou um decreto proibindo eventos culturais nos estacionamentos tanto do estádio Mané Garrincha como do Ginásio Nilson Nelson, cuja proibição permanece até os dias atuais. Isso mostra o poder da FIFA ditando as normas dentro de nosso país, em que se vê os direitos dos cidadãos sendo afetados, bem como a economia das cidades, uma vez que houve até isenção de ISS, como no caso do DF.

Desse modo, onde fica o direito de ir e vir do cidadão? Delimitar uma área dos estádios que não pode ser acessada vai além do que se poderia dizer de um direito do cidadão: esse mesmo de ir e vir.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. Decreto proíbe o uso do estacionamento do Estádio para eventos culturais. Disponível em: < http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/06/27/interna_cidadesdf,373839/decreto-proibe-o-uso-do-estacionamento-do-estadio-para-eventos-culturais.shtml>. Acesso em: 26 nov. 2016.

FAÇANHA, Ludiana Carla Braga et ROCHA Afonso de Paula Pinheiro. Estado de exceção: considerações sobre um paralelo entre weimar e o patriotic act americano. Disponível em: <http://www.assisprofessor.com.br/documentos/unb/repositorio/afonso_de_paula_estado_excecao.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2016.

FALLER, Maria Helena Ferreira Fonseca. Breves reflexões sobre a intervenção do estado no domínio econômico. Net.  Ago. 2010. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/revfd/article/view/10033/9534> . Acesso em: 24 jun. 2016.

FRANZIN,  Adriana. Lei da Palmada: o que mudou com a aprovação da norma? Disponível em: http://www.ebc.com.br/infantil/para-pais/2014/11/lei-da-palmada-o-que-mudou-com-a-aprovacao-da-norma>. Acesso em: 26 nov. 2016.  

Govverno brasileiro, FBI, INTERPOL e empresas israelenses preparam Estado de Exceção durante megaeventos. Uniaoanarquista. Set. 2012. Disponível em: <http://uniaoanarquista.wordpress.com/2012/09/22/governo-brasileiro-fbi-interpol-e-empresas-israelenses-preparam-estado-de-excecao-durante-mega-eventos/>. Acesso em: 26 jun. 2016.

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2009.

PEREIRA, Matheus Bevilacqua Campelo. Golpe militar de 1964 – instalação do estado de exceção e a luta pela redemocratização. In: Âmbito Jurídico. Rio Grande, XIV, n. 88, maio 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9499>. Acesso em: 25 jun. 2016.

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Sobre o autor
Assis Sousa

Assis de Sousa Silva, Professor de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação do DF e estudante de Direito do 7º Semestre da Universidade de Brasília. Proprietário do site www.assisprofessor.com.br, destinado a estudantes e concurseiros. Residente em Brasília-DF, na cidade de Planaltina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente trabalho foi apresentado na disciplina de História do Direito, do curso de Direito da Universidade de Brasília, obtendo a menção SS. Algumas modificações fizeram-se necessárias.

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