Quero falar sobre a democracia, esse ser abstrato produto de uma sinuosa estrada. Depositam seu nascimento na Grécia, na tão propalada Ágora, local de debates e deliberações das coisas públicas para os helênicos. Lá se discutiam os rumos daquela sociedade, desde o destino da agricultura até a posição sobre conflitos bélicos. Mas anote-se, entretanto, que somente possuíam voz ativa nesses espaços uma parcela da população. Lá não tinham assento os escravos, por exemplo.
Disso, denota-se que a democracia possui um pecado original: sua seletividade nos atores públicos. Por isso, uma pergunta inicial a ser feita: será que a democracia é tão democrática assim na sua origem?
O que podemos notar é o fato de que havia uma segregação inicial entre pessoas que tinham poder de voz no processo decisório das questões públicas e outros que se sujeitavam às leis deliberadas pelos primeiros. Os votantes, se que podemos nos referir aos privilegiados e inseridos no processo democrático, tinham autonomia pública para traçarem o rumo da sociedade que participavam. Suas leis e julgamentos eram criadas por eles a eles sujeitos. Ao mesmo tempo eram agentes e pacientes no espaço público.
Já os proscritos desse locus, como já dito no exemplo dos escravos, apenas eram pacientes dessas leis e julgamentos promovidos nessas assembleias públicas. Passivamente ficavam sob o jugo e alvedrio dos “cidadãos de primeira classe”.
Anote-se que a divisão entre as duas categorias de cidadãos era desenhada por diversos fatores: familiares, apenas algumas figuras do clã tinham direito ao voto; escravidão, só o não escravo podia votar e ser votado. Dentre outros, mas pelo que se depreende é o fator em comum que faz o tracejo entre os ativos e os inativos politicamente na origem da democracia. Tal elemento é relação de poder (entenda-se poder, como uma relação em que uma pessoa subjuga seus interesses a outra) que o “cidadão de primeira classe” frente ao de segunda. Figuravam o hemisfério ativo os mais frágeis, seja militar, social e teologicamente.
Assim, a democracia não era exercida na plenitude pela sociedade. Tratava-se de um privilégio de poucos, que afortunados por suas qualidades, impunham suas regras para a sociedade como um todo, até mesmo, e principalmente, para aqueles que não tinham qualquer espaço no processo político.
Mas isso não é um juízo de valor. A democracia ateniense não era boa ou ruim. Era um modelo criado de acordo com o processo cultural da época. Inegavelmente, a democracia é um produto da cultura. Uma criação humana. Formigas não exercem a democracia.
Com efeito, respondendo a pergunta inicial: não, a democracia era segregacionista e nem um pouco expansiva. Poucos tinham o poder de participar do processo politico.
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Um adento relevante, que talvez tenha passado despercebido: a democracia é um fruto da cultura. É uma criação humana. Trata-se de um direito criado e concebido pelo intelecto humano. Como dito, formigas não exercem a democracia.
Todavia, seu fundamento pode ser extraído de um direito natural: a igualdade. Numa ótica judaico-cristã todos os homens foram criados à imagem e semelhança de Deus; logo não haveria desigualdade entre a criação divina. São Tomas de Aquino, em sua Summa Theologica, afirmou severamente que a desigualdade é criação do pecado. Um construído pelo homem.
Tomando a isonomia como princípio natural e que a desigualdade é fruto do intelecto humano, por consequência, a democracia jamais poderia cair do céu. Nasceu de uma disposição humana de lutar contra seus pecados, notadamente a desigualdade.
Entretanto, ao mesmo tempo que a democracia busca conferir a muitos o direito de votar e ser votado, também tem como pilar a segregação e o preconceito. Curiosamente, almejou lutar contra a diferença, afirmando-a cada vez mais.
Assim , o que temos de traçar é uma forma de gestão dos interesses coletivos de modo que as discussões públicas sejam a mais inclusivas possíveis. Uma tarefa que até agora a democracia não conseguiu alcançar.
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