Dignidade e autonomia individual no final da vida

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O presente trabalho analisa a indisponibilidade do direito a tomadas de decisões. Levando-se em conta que a vida é um direito e não uma obrigação, assim, o Estado detentor de obrigação frente ao indivíduo deve respeitar disposição sobre o próprio corpo.

Resumo

Na atual sistemática legal, é prevista a garantia ao cidadão o direito a autonomia, com alicerce no princípio a dignidade humana e na liberdade, previstos no artigo 5º da Constituição Federal. Entretanto, o indivíduo não pode decidir sobre a própria existência diante de uma doença degenerativa e sem possibilidade de cura. Nem mesmo se é possível ter um fim digno, utilizando, por exemplo, a prática da eutanásia. A metodologia utilizada para elaboração desta análise foi a pesquisa bibliográfica, em livros, periódicos e sítios eletrônicos, pois oferece subsídios para a fundamentação teórica e também permite que o tema seja analisado sob novo enfoque, gerando novas conclusões. O presente trabalho analisa a indisponibilidade do direito a tomadas de decisões. Levando-se em conta que a vida é um direito e não uma obrigação, dessa forma, o Estado como detentor de obrigação frente ao indivíduo deve respeitar disposição sobre o próprio corpo.

Palavras-chaves: dignidade humana; eutanásia; morte; vida;

Abstract

In the current legal system, citizens are guaranteed the right to autonomy, based on the principle of human dignity and freedom, provided for in Article 5 of the Federal Constitution. However, the individual cannot decide on his own existence in the face of a degenerative disease and with no possibility of cure. Not even if it is possible to have a dignified end, using, for example, the practice of euthanasia. The methodology used to prepare this analysis was bibliographic research, in books, periodicals and electronic sites, as it offers subsidies for the theoretical foundation and also allows the theme to be analyzed under a new focus, generating new conclusions. This paper analyzes the unavailability of the right to make decisions. Taking into account that life is a right and not an obligation, in this way, the State as an obligation holder towards the individual must respect disposition over his own body.

Key-words: death; eutanasia; life; human dignity;

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com os avanços tecnológicos, médicos e científicos, a perspectiva de vida aumentou, consequentemente, a possibilidade de viver melhor acompanhou a possibilidade de viver mais.

Contudo, mesmo com o aumento e desenvolvimento de meios que proporcionam maior longevidade para vida e melhor qualidade, não houve alteração na mortalidade da sociedade e tão pouco na probabilidade de desenvolver doenças durante a vida.

A sociedade mundial continua envelhecendo, e os quantidade de nascimentos diminuíram nos últimos anos.

Segundo dados[3] apurados pela ONU[4], entre os anos de 2007 e 2050, a proporção de pessoas acima de 60 anos ou mais tendem duplicar, portanto, o número de pessoas com mais de 80 anos acompanhará este crescimento.

Apesar destes números, as doenças continuam a molestar a população, sendo as que de idade avançada como os jovens. Algumas destas doenças são degenerativas, e para amenizar, adotam-se medidas para tratamento paliativo que objetiva aliviar o sofrimento e postergar a vida até uma possível cura.

Estas alternativas ainda são reservadas a uma parcela da sociedade que detém mais recursos financeiros e por isso, conseguem arcar com os custos, enquanto, a maior parte da população, que carecem de recursos, não usufruem desta possibilidade.

Um fato é incontestável, a morte é invencível, mas para as culturas ocidentais enfrentá-la não é fácil. Por este motivo, alia-se a tecnologia para preservar a vida, mas protelar a dor e sofrimento para o paciente, ao buscar saídas para uma realidade inevitável.

Mas é possível utilizar as possibilidades tecnológicas para tornar o inevitável menos doloroso para o paciente, auxiliar no processo de aceitação e respeitar a morte como um processo natural, dentro das reais possibilidades, conforme será apresentado a seguir.

2. HISTÓRICO DA PRATICA DA EUTANÁSIA

A eutanásia corresponde ao ato de antecipar a morte de outrem que, está em sofrimento físico, mental e/ou debilitada, em verdade, a prática possui um caráter altruísta que, objetiva cessar o martírio do indivíduo acometido por um longo período de doença.

A expressão eutanásia possui origem etimológica na língua grega, o termo EU que corresponde a bom, e no thanatos refere a morte, ou seja, o significa “boa morte”[5]. E o termo foi utilizado a primeira vez por Francis Bacon[6].

2.1 PRATICA DA EUTANASIA PELOS POVOS ANTIGOS

Historicamente, não é uma prática nova, há registros de que os gregos realizavam ato semelhante. Porém, conforme as provas históricas, essa prática era denominada “falsa eutanásia”, fundamentada exclusivamente pela eugênia.

Isto é, consistia na prática de ceifar a vida das crianças que possuíssem deformidades anatômicas, deficiências intelectuais, sindrômicas, entre outras condições que as tornava dependentes, sob a justificativa de que essas pessoas não apresentavam valor para a sociedade.

Posto que no contexto histórico, a humanidade necessitava de sobreviver e de ocupar novos territórios, portanto, eram considerados úteis e válidos, aqueles que fossem dotados de força física, tornando-os assim, aptos para a guerra.

Outro exemplo da utilização da falsa eutanásia é em Roma. Segundo os registros, os magistrados romanos abrandavam a pena dos criminosos que praticassem o homicídio movido pela compaixão, o ato era denominado de “homicídio benigno ou tolerável”.

Os eslavos e os escandinavos, aceleravam a morte de seus familiares, em circunstâncias extremas, quando estes sofriam doenças incuráveis, ou vivam sobre condições de sofrimento físico[7].

Em virtude do alto índice de epidemias, na Idade Média, a eutanásia tornou-se uma prática comumente realizada. No período de decadência do feudalismo, como a medicina era pouco avançada, e havia um baixo estudo sobre as doenças, os infectados e doentes eram mortos para minimizar o sofrimento.

Na modernidade, durante o período napoleônico, havia ordem para que, os soldados que eram infectados pela peste bubônica, e que se encontravam em extrema vulnerabilidade, fossem mortos utilizando ópio, ou capturados pelos inimigos.

2.2. UTILIZAÇÃO DA EUTANASIA NO BRASIL COLONIA

Segundo estudos, havia entre os indígenas brasileiros uma prática semelhante a eutánasia. A principal fonte de sobrevivência e alimentação da tribo era através da caça que necessitava de força física.

Por isso, algumas tribos indígenas possuíam a pratica de um ato semelhante a eutanásia com idosos que já não eram aptos para a vida em sociedade. Concluíam que a vida não fazia sentido para os companheiros de tribo que não pudessem mais praticar as atividades coletivas, como a pesca, confraternizações e caças. Portanto a morte viria como benção, conforme relatado por Sônia Maria Teixeira[8]:

Segundo o referido historiador, algumas tribos deixavam à morte seus idosos, principalmente aqueles que já não mais participavam das festas, caças, etc. Acreditavam esses indígenas que viver era poder participar de festas, caças e pescas, logo, aqueles privados de tais ações não teriam mais nenhum estímulo para a vida. Assim, a morte viria como benção, uma vez que a vida sem aquelas atividades perdera todo seu significado.

Com a colonização portuguesa novas doenças infecciosas chegaram ao Brasil, a medicina era pouco avançada e acessada por uma pequena parcela da população.

A ausência de cura para as doenças infecciosas no Brasil, no período colonial, acarretava a difusão da prática da eutanásia, vistos que os acometidos apresentavam sofrimento físico e mental intensos e que se agravavam conforme o tempo.

Durante o Romantismo, conforme registros literários, em virtude da tuberculose, os autores imploravam a morte e em outras situações deixavam que morressem mais rapidamente.

3. O INÍCIO E O FIM DA VIDA HUMANA

Em uma visão social, a opinião pelo marco do início e do fim da vida divide correntes religiosas, médicas, culturais e jurídicas.

Há diversas posições que tentam delimitar o marco inicial da vida. Perante a perspectiva religiosa, a vida se inicia na simples fertilização. No olhar médico, há controvérsias, alguns afirmam que o início da vida humana se dá a partir da fecundação. Para outros, ocorre quando há a fixação do embrião na parede uterina, chamada de nidação. Uma pequena parcelas dos estudiosos médicos, o março que inicia a existência humana é a partir da terceira semana de gestação, com a  formação do sistema nervoso, que acontece a partir da terceira semana de gestação. Outros encabeçam que ocorre com o nascimento com vida do embrião.

Para o ordenamento jurídico, discutir e delimitar o início da vida é importante, porque a tutela estatal parte deste instante, bem como envolve o ser de personalidade.

De acordo com o Código Civil Brasileiro[9], em seu artigo 2°: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”, assim, pode-se afirmar que a legislação brasileira adota a teoria natalista, com respaldos da teoria concepcionista.                         

A teoria natalista é aquela que resguarda o início da personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, não considerando o nascituro uma pessoa, portanto, havendo apenas expectativas de direitos.

Como conceituado pelo Caio Pereira[10], vejamos:

O nascituro não é ainda pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito.

Entretanto, como visto anteriormente no artigo 2° do Código Civil, a lei resguarda os direitos do nascituro, onde entra em tela a teoria da concepção.

A teoria concepcionista defende que o nascituro é antes mesmo do nascimento um ser humano, assim, possui todos os direitos que um ser humano que já nasceu possui.

Seguindo o mesmo raciocínio, Maria Helena Diniz[11] (2010, p. 36-37) afirma que:

Uma vez tendo o Código Civil atribuído direitos aos nascituros, estes são, inegavelmente, considerados seres humanos, e possuem personalidade civil. Ademais, entende que seus direitos à vida, à dignidade, à integridade física, à saúde, ao nascimento, entre outros, são muito mais decorrência dos direitos humanos guarnecidos pela Constituição Federal do que da determinação do Código Civil.

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Dessa forma, independente da teoria adotada pelas religiões, culturas ou segmentos, a vida do ser humano é protegida desde sua concepção até o seu nascimento, durante toda a trajetória de sua vida, até chegar ao final dela.

Podendo assim se perguntar, como e quando se declara a morte de um ser humano, com a parada de todos os órgãos ou por algum critério estabelecido pelo ordenamento jurídico.

Com o passar dos anos, o conceito e critérios de morte modificaram, não sendo usado como parâmetro a respiração. Para se constatar a morte, observa-se diversos acontecimentos gradativos que ocorrem nos órgãos, não apenas com a cessão da respiração.

Com a evolução da medicina, implementou-se a realização de transplantes de órgãos, possibilitando que para constatar a morte fossem observados as atividades cerebrais ou do tronco cerebral.

Apenas após a parada das atividades cerebrais é possível desligar os equipamentos que mantêm a pessoa viva, conforme apontado pelo Conselho de Medicina[12], vejamos:

Defendemos a tese de que desde que confirmada a morte encefálica o médico está autorizado a desligar os aparelhos e retirar o suporte que mantém o cadáver com o coração em atividade. Nem sempre isto é tão simples e a participação à família deve ser sempre feita. Todos os documentos (protocolo/exames complementares) devem ser muito bem guardados, por razões óbvias.

Essa prática é aconselhada porque, a legislação brasileira não permite interromper a vida de um ser humano independente do estado que ele esteja. É permitido apenas a ortotanásia, que é um procedimento que busca garantir maior conforto para o paciente até o final de sua vida, através de tratamentos paliativos.

A tutela estatal está presente desde a concepção até o último dia de vida, regulamentando, assim, quando se inicia e quando chega ao fim.

4. A EUTANASIA PARA O DIREITO BRASILEIRO

A eutanásia, atualmente, não é permitida no Brasil. No entanto, quando a morte é inevitável e iminente, é possível renunciar-se ao uso de equipamentos que prolonguem a vida de modo artificial, desde que haja consentimento do paciente ou em sua impossibilidade de um representante, que pode ser, o cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.

Por via de regra, o ordenamento trata o ato como homicídio, contudo, há no próprio texto legal uma amenização, quando a prática a vítima encontra-se em grande sofrimento pode ser considerado motivo de relevante valor moral, e ao agente é possível reduzir a pena de um sexto a um terço, conforme descrito no art. 121, § 1º, do Código Penal[13]:

Art. 121. (...)

§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Vê-se que o supramencionado parágrafo não determina quem seja o agente, conclui-se que, qualquer pessoa que realize o ato, desde que compelida por motivo de relevante valor moral, terá se valido da eutanásia. Portanto, não há, no Direito Brasileiro, a exigência de que a eutanásia seja praticada por médico, como, tecnicamente, é entendida.

Por sua vez, a determinação do artigo 122[14] do Código Penal é que induzir alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio que o faça configura conduta típica, cuja pena de reclusão é de dois a seis anos, caso o suicídio se consuma. De outro lado, se da tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave a pena é de reclusão de um a três anos.

5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

5.1. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ANÁLISE FILOSÓFICA

A dignidade é inerente do ser humano, é indissociável de todo e qualquer ser humano, não podendo ser separada, porque pertence a condição humana. Trata-se de uma qualidade do ser humano, é dotada de dignidade, e independente, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e tutelados pelo Estado e ser respeitado pela sociedade.

Kant[15] foi o primeiro filósofo a formular de modo moderno a dignidade da pessoa humana como uma obrigação moral incondicional. Segundo o filósofo[16]:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.

Segundo o filósofo, o ser humano é único em razão de sua racionalidade, sendo assim, deverá ser o único a estabelecer normas para si mesmo, o único ser dotado de liberdade, e suas normas devem seguir a forma como o ser humano deve agir “segundo a máxima que possa simultaneamente fazer-se a si mesma lei universal”.

5.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCIPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Durante um longo período histórico, a dignidade da pessoa humana era um direito garantido a um grupo privilegiado de pessoas que uma posição e status social elevado. A dignidade não era aplicável a todos os seres humanos, alguns poderiam se enquadrar na definição de pessoas mais e menos dignas.

Apenas com o advento do Iluminismo, quando iniciou-se a luta por liberdade política e econômica, a dignidade foi reconhecida como algo intrínseco a todos os seres humanos, como preceito básico à sua relação em sociedade.

Inspirado nas ideias iluministas, a Constituição Federal de 1988 previu expressamente o princípio da dignidade humana, como um resumo de todos os demais direitos fundamentais, e ressaltando sua importância na redemocratização brasileira.

Assim expõe José Afonso da Silva[17] ao tratar sobre o assunto:

Se é fundamento é porque constitui um valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda vida nacional.

Neste direito, assegura-se o direito em exercer sua autonomia e definir o rumo de sua própria vida.

5.3 ANÁLISE LEGAL DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Em 1948, com a necessidade e urgência em regulamentar os direitos a dignidade humana, foi consagrada a Declaração Universal dos Direitos Humanos[18] que a reconheceu como inerente a todos os seres humanos, como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

O Brasil como seguidor da Declaração Universal, segue tal legislação, utilizando sua Constituição Federal para normatizar tais princípios, e elencar a dignidade da pessoa humano como uma das principais pauta do nosso ordenamento jurídico.

A Declaração Universal de Direito Humanos de 1988[19], também, enaltece a dignidade da pessoa humana e sua liberdade, logo em seu artigo 1º, “Todas as pessoas nascem livre e iguais em dignidade de direitos”. Em seus artigos 3º traz o seguinte texto, Todas a pessoa tem direito à vida, à liberdade e a segurança pessoal.

Ressalta-se que este fundamento está ligado diretamente ao estado democrático de direito, pois assegura a autonomia e a liberdade. Segundo José Afonso Silva[20], é na liberdade:

Que o homem  dispõe da mais ampla possibilidade de coordenar os meios necessários à realização da sua felicidade pessoal. Quanto mais o processo democratização avançar, mais o homem se vai libertando dos obstáculos  que o constrangem mais liberdade conquista.

5.4. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO LIMITADOR DA DISPOSIÇÃO DO PRÓPRIO CORPO

Apesar da garantia de autonomia e liberdade expressos na Magna Carta, o Estado ainda impõe limites a estes princípios, controlando e influenciando diretamente quanto ao início e fim da vida.

De um lado o poder estatal demonstra interesse em garantir a vida dos tutelados, argumentando os seus impactos e ações na sociedade.

Contudo, a utilização de recursos terapêuticos para fornecer a sobrevida ao indivíduo fere a dignidade humana. A análise da aplicabilidade desses recursos deve ser feita conforme a especificidade de cada caso.

Segundo a Resolução 1.805/06, do Conselho Federal de Medicina[21] que conceitua e referenda as práticas de ortotanásia, conferindo ao médico a capacidade de avaliar a eficácia e aplicabilidade do método:

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.

Sendo assim, dignidade da pessoa humana não está relacionada a sobrevivência a qualquer custo, e sim a uma vida com qualidade, respeitando os limites do corpo humano, a vontade do paciente e de seu representante legal, não é  cabível ao Estado interferir na escolha do paciente, quando se trata de uma decisão sobre a própria vida.

O ato de interromper arbitrariamente a vida, quando não há mais expectativas de uma vida digna sem sofrimentos é o direito à liberdade, inerente a todo o ser humano que não se aplica a vontade de outrem senão a própria.

6. CONCEITO DE MORTE E OS CRITÉRIOS UTILIZADOS

Tal qual o conceito do início da vida, há diversos estudiosos que tentam delimitara morte. Antes de 1967, o conceito aceitado para o fim da vida era por meio da morte cardiorrespiratória.

Contudo, após o primeiro transplante de coração, a comunidade passou a questionar se, mesmo sendo declarado como morto, o doador poderia ter seus órgãos transplantado, portanto, colocou-se em xeque o marco da morte.

A medicina aliou-se cada vez mais com a tecnologia o que fez surgir meios para reanimação de pessoas, em instantes que antes eram apontadas como mortas, bem como criou-se aparelhos que substituem funções cardíacas. Desta forma, encontrou-se um novo conceito para a morte, tendo em vista que a utilizada estava ultrapassada tendo em vista aos avanços.

Há quem defenda que a morte não é apenas um momento instantâneo, mas sim pequenos momentos que caracterizam mini mortes. Mesmo com essa ideia, pesquisadores analisaram que se fossem esperar todos os órgãos pararem de funcionar os leitos dos hospitais sempre estariam sobrecarregados, dessa forma, foi criado um Comitê interdisciplinar na Universidade de Harvard, que propuseram que a definição de morte devesse ser baseada na morte cerebral.

A morte passar a ser conceituada com a paralisação das atividades cerebrais não gerou muitos conflitos no meio médico, tendo em vista que os critérios foram facilmente aceitos, por outro lado, o meio social, impõe diversos questionamentos, desde formas de diagnósticos até os critérios utilizados.

Assim, até hoje, o conceito adotado e seguido para se caracterizar a morte de um cidadão é a paralisação das atividades cerebrais, independente se os demais órgãos continuam “trabalhando” normalmente.

6.1. CRITÉRIOS PARA DEFINIR A MORTE CEREBRAL

Atualmente, a definição da morte humana é a partir da morte encefálica, conceito referendado pela comunidade científica.

Mas para concluir que houve a morte encefálica observa-se uma série de pré-requisitos, que  resultam em diversos questionamentos e correntes, que nas palavras de Getúlio Daré Rabello[22]:

É de larga aceitação atual o conceito de que a confirmação da morte encefálica deve se basear em três princípios fundamentais: irreversibilidade do estado de coma, ausência de reflexos do tronco encefálico e ausência de atividade cerebral cortical.

Além dos princípios fundamentais abordados pelo autor, o Conselho Federal de Medicina dispõe sobre os critérios clínicos e tecnológicos para diagnosticar a morte encefálica, tais informações estão presentes na resolução n° 1.480/97[23].

Nos artigos 3° e 4° se encontram características e requisitos para constatação da morte encefálica, vejamos:

Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida.

Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.

Dessa maneira, cabe expor que segundo o ordenamento jurídico, cabe ao Conselho Federal de Medicina conforme apresentado acima, dispor sobre os critérios e características a serem observadas para o diagnóstico da morte encefálica.

 7. CONCLUSÃO

            Após a análise deste trabalho verificamos que, o Texto Constitucional de 1988 previu e garantiu o princípio da dignidade humana, concedendo a este um status de grande importância.

            Contudo, este direito possui limites dispostos, inclusive no que se refere a disposição do próprio corpo, criando embaraços a manifestação de vontade quanto a morte.

            Há um limite ou atenção em saber quando realmente a morte deve ocorrer, dos instantes distintos da suicídio ou do homicídio. Por isso, a separação e a mensuração deste instante deve ser realizado pelo médico.

8. REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Lucas Henrique Santana Louis Marinho

Graduando em Direito. Centro Universitário UNA| Belo Horizonte- Campus Aimores

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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