1. Introdução
Recentemente o mundo foi surpreendido pela notícia de uma mãe francesa que, após anos cuidando de seu filho, que havia ficado tetraplégico, mudo e cego após um acidente automobilístico, praticou a eutanásia, provocando-lhe, por conseqüência, a morte.
Marie Humbert, mãe de Vincent Humbert, será julgada pelo Poder Judiciário da França, cuja legislação proíbe a prática da eutanásia, podendo vir a ser condenada por tal conduta.
O caso em apreço, que a partir de agora chamaremos de Caso Vincent Humbert, além de reacender o debate em torno da eutanásia, coloca em choque, de acordo com a nossa opinião, os direitos fundamentais à vida e à dignidade, desafiando o jurista na busca da solução mais justa.
É certo, de acordo com nosso convencimento, que o direito positivo, da forma concebida pela escola kelseniana, não será capaz de oferecer uma solução adequada à questão, impondo-se a utilização do processo de ponderação.
O presente trabalho busca analisar, ainda que de forma sucinta, as implicações do Caso Vincent Humbert no modo em que concebemos o direito.
Para tal, após uma rápida apresentação do caso, teceremos algumas considerações acerca da escola positivista no Capítulo III, passando, posteriormente, à análise de como a ponderação de interesses responderia ao caso em apreço, no Capítulo IV.
2. O Caso Vincent Humbert
Vítima de um acidente automobilístico em 24.09.2000, Vincent Humbert, à época contando 19 anos de idade, ficou tetraplégico, mudo e cego, conseguindo movimentar apenas um de seus polegares, através do qual se comunicava com a mãe.
Seu caso tornou-se célebre, reacendendo o debate em torno da eutanásia na França quando, em dezembro de 2002, o jovem Vincent escreveu uma carta ao então presidente francês, Jacques Chirac, na qual, pleiteando o direito de morrer, pedia pela descriminalização da eutanásia.
No último dia 25.09.2003, o jovem havia lançado o livro intitulado "Eu lhe Peço o Direito de Morrer", escrito com o auxílio de um jornalista, no qual afirmava: "Eu nunca verei este livro porque eu morri em 24 de setembro de 2000 (...). Desde aquele dia, eu não vivo. Me fazem viver. Sou mantido vivo. Para quem, para que, eu não sei. Tudo o que eu sei é que sou um morto-vivo, que nunca desejei esta falsa morte". 1
A mãe de Vincent, Marie Humbert, em entrevista dias antes da prática da eutanásia, afirmara que a morte do jovem estaria programada, tendo sido planejada durante alguns meses, e que a ida da família para a Suíça, país que autoriza o procedimento, teria sido cogitada, mas rejeitada por Vincent, que se recusava a sair de seu país para ver reconhecido seu direito de morrer.
Diante do desejo de seu filho de se ver livre do sofrimento provocado por sua condição, Marie Humbert, no mesmo dia do lançamento do livro de Vincent, teria misturado aos alimentos ministrados a Vincent através de uma sonda uma mistura de barbitúricos, que teriam provocado o coma e morte do jovem um dia depois, em 26.09.2003. 2
Após passar algumas horas presa, a mãe de Vincent foi posta em liberdade, encontrando-se sob cuidados psiquiátricos enquanto aguarda uma posição do Ministério Público francês.
O Poder Judiciário francês teve, recentemente, a oportunidade de se manifestar sobre a eutanásia no julgamento de Christine Malevre, enfermeira que, entre os anos de 1997 e 1998, provocou a morte de 06 pacientes terminais.
Em primeira instância, Christine havia sido condenada a uma pena de 10 anos de prisão; pena esta que foi agravada para 12 anos pelo Tribunal do Crime de Paris. 3
Embora a prática da eutanásia seja ilegal na França, a opinião pública, no Caso Vincent Humbert, tem se posicionado favoravelmente a atitude de Maria Humbert, acreditando ter a mesma agido corretamente ao provocar a morte de seu filho.
Pesquisas de opinião pública revelam que, após o ocorrido, mais de 80 % dos franceses entendem necessária uma mudança na lei contra a eutanásia voluntária. 4
Merecem destaque, ainda, as declarações do médico Frederic Chaussoy, diretor do setor de terapia intensiva do hospital em que Vincent encontrava-se internado, no sentido de que a equipe médica não teria, diante das condições clínicas, evolução e desejos expressos do paciente, feito todos os esforços no sentido de salvar a vida do jovem 5, ressaltando que a decisão de desligar o respirador artificial que mantinha o paciente vivo teria sido a mais coerente com o desejo de respeitar a sua vontade. 6
3. A Abordagem Positivista
Conforme mencionado anteriormente, a legislação francesa proíbe a prática da eutanásia 7, o que nos conduz à necessidade de analisar a questão sob a ótica do paradigma da escola positivista, cujo maior representante foi Hans Kelsen.
H. Kelsen buscou, através de sua teoria, elevar o direito ao grau de ciência, buscando estabelecê-lo, entretanto, de forma pura, isto é, alheio a qualquer influência social, política ou, principalmente, moral, aproximando o direito, assim, das chamadas ciências duras. 8
Importa ressaltar que, ao contrário do que se possa conceber, a doutrina positivista não prega o completo distanciamento entre o direito e a moral. Na verdade, o próprio H. Kelsen afirma que, a exemplo do direito, também a moral se consubstancia em um conjunto de normas de caráter social, destinando-se, portanto, à regulação da conduta humana. 9
Ocorre que, conforme ressaltado, a idéia de uma teoria pura do direito, na concepção kelseniana, implica um ordenamento jurídico que se abstenha de sofrer qualquer interferência de fatores externos a lei, e indiferente, portanto, a quaisquer considerações acerca da moralidade ou imoralidade, da justiça ou injustiça de uma determinada disposição legal. 10
Nesse sentido manifesta-se H. Kelsen:
Se bem que a ciência jurídica tenha por objeto normas jurídicas e, portanto, os valores jurídicos através delas constituídos, as suas proposições são, no entanto – tal como as leis naturais da ciência da natureza – uma descrição de seu objeto alheia aos valores (wertfreie). Quer dizer: esta descrição realiza-se sem qualquer referência a um valor metajurídico e sem qualquer aprovação ou desaprovação emocional. Quem, do ponto de vista da ciência jurídica, afirma, na sua descrição de uma ordem jurídica positiva, que, sob um pressuposto nessa ordem jurídica determinado, deve ser posto um ato de coação pela mesma ordem jurídica fixado, exprime isto mesmo, ainda que tenha por injustiça e desaprove a imputação do ato coercivo ou seu pressuposto. 11
Dessa forma, embora seja possível vislumbrar uma relação entre direito e moral 12, a elevação do direito ao status de ciência jurídica dependeria da dissociação de ambas, e, talvez mais importante que esta dissociação, da distinção entre direito e justiça. 13
Na medida em que a escola positivista admite a existência de uma ordem jurídica fundada em conceitos distantes da moral, ou seja, na medida em que é possível, na doutrina positivista, a concepção de um ordenamento jurídico que se afaste do justo, a eutanásia praticada por Marie Humbert em seu filho, Vincent, e as conseqüências advindas do fato, se aproximariam, portanto, do campo da moral, aqui concebida com a noção de justiça, implicando, dessa forma, a necessidade de definir qual dos bens tutelados, a vida ou a dignidade da pessoa humana, seria de maior importância, isto é, a necessidade de ponderação. 14
Ocorre que, para a doutrina positivista, a idéia de ponderação de valores não se baseia em critérios racionais, científicos, sendo:
(...) pura e simplesmente impossível decidir de modo racional-científico entre os dois juízos de valor em que se fundamentam essas concepções contraditórias. Em última análise, é nosso sentimento, nossa vontade e não nossa razão, é o elemento emocional e não o racional de nossa atividade consciente que soluciona o conflito. 15
Sendo assim, a resposta à necessidade de ponderação decorreria do arbítrio, de critérios subjetivos válidos "somente para o sujeito que julga" 16, razão pela qual estará sujeita a variações de acordo com as convicções da pessoa responsável por seu julgamento, tendo esta resposta, portanto, "sempre um caráter de juízo de valor subjetivo e, portanto, relativo". 17
Uma vez que a concepção de justiça moral 18 não se apresenta como um critério cientificamente suficiente para a solução de tais questões 19, as mesmas poderão ser elucidadas, numa ótica positivista, afastando-se da noção de justo ou injusto e aproximando-se da noção de lícito e ilícito, na medida em que determinada conduta seja reprovada ou não pela norma posta, impondo-se a tais práticas as conseqüências previstas nessa mesma norma.
Dentro desta perspectiva, havendo previsão expressa na legislação francesa no sentido de que é proibida a prática da eutanásia, e sendo certo que ao direito positivo é vedado tecer considerações de ordem moral, que, no caso em tela, se traduziriam em ponderações acerca da relatividade de tal norma diante de um princípio maior, a dignidade da pessoa humana, a norma posta conduziria à condenação de Marie Humbert pela morte de Vincent.
4. Da Necessidade de Ponderação
Conforme verificado, o positivismo jurídico, na concepção kelseniana, alheio a qualquer valoração de ordem moral, não mais se justifica, revelando a sua insuficiência para a solução de casos difíceis, como o Caso Vincent Humbert. 20
Com efeito, a análise do caso em apreço sem qualquer consideração de ordem moral, isto é, sem qualquer preocupação com a justiça do caso concreto, conduzirá, a nosso sentir de forma incorrigível, à proclamação de uma injustiça, razão pela qual o positivismo jurídico, na presente questão, não se justifica.
O Caso Vincent Humbert se apresenta como um desafio ao jurista, pondo em choque a regra posta, que condena a prática da eutanásia em nome do direito à vida, e um princípio fundamental para o sistema jurídico, o da dignidade da pessoa humana, de forma que o Poder Judiciário francês, ao decidir a questão que se põe, não estará decidindo apenas se Marie Humbert deve ser culpada pela morte de seu filho, mas, também, se a norma jurídica emanada do Poder Legislativo deve ser cumprida independentemente de qualquer valoração, não importando as conseqüências que acarrete, inclusive com a perpetração de graves injustiças, ou se deve o jurista, na aplicação da norma, buscar a decisão que melhor reflita o direito naquela situação, ainda que para isso seja preciso apontar em direção diversa da apontada pela lei.
No caso em tela não nos resta dúvida de que a questão só poderá ser bem solucionada pela utilização do processo de ponderação, através do qual se efetivará o sopesamento do direito à vida, que aqui é representado pela norma jurídica segundo a qual a eutanásia é proibida e punida, e o princípio da dignidade humana, que no caso em tela está ligado à condição de vida em que se encontrava o jovem Vincent no momento de sua morte.
O processo de ponderação depende de uma diferenciação prévia entre os conceitos de regra e de princípio.
Segundo R. Dworkin: "as regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso nada contribui para a decisão". 21
Dessa forma, se uma determinada norma jurídica pune o ato de estacionar um veículo em local proibido, p. ex., só existem duas possibilidades envolvendo a sua aplicação: ou alguém estacionou um veículo em um local previamente estabelecido como proibido, e, nesse caso, será punido através da aplicação da norma competente; ou essa pessoa não estacionou seu veículo em local proibido, não podendo, nesta hipótese, ser punido pela aplicação de tal regra, uma vez que a mesma não se justifica.
Já os princípios, segundo o mesmo R. Dworkin, "não apresentam conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas" 22, podendo, prossegue o filósofo:
(...) haver outros princípios ou outras políticas que argumentem em outra direção (...). Se assim for, nosso princípio pode não prevalecer, mas isso não significa que não se trate de um princípio de nosso sistema jurídico, pois em outro caso, quando essas considerações em contrário estiverem ausentes ou tiverem menor força, o princípio poderá ser decisivo. Tudo o que pretendemos dizer, ao afirmarmos que um princípio particular é um princípio do nosso direito, é que ele, se for relevante, deve ser levado em conta pelas autoridades públicas, como [se fosse] uma razão que inclina numa ou noutra direção. 23
Um princípio pode, portanto, ter sua aplicação restringida por outro princípio, sem que isso acarrete, entretanto, a sua exclusão do ordenamento jurídico. Um bom exemplo dessa dinâmica se encontra na ponderação entre o direito da liberdade de expressão e informação e o direito à privacidade: com efeito, existem hipóteses em que a violação ao direito de privacidade em nome da livre informação não se justifica, razão pela qual, nesses casos, aquele prevalecerá em relação a este. Entretanto, em outras situações, pode ocorrer uma inversão de fatores, vislumbrando-se que a proteção do direito à privacidade em detrimento ao da livre informação não encontra fundamento, hipótese em que se privilegiará este, afastando-se a incidência daquele.
A partir desta primeira diferenciação, R. Dworkin nos apresenta uma segunda diferença envolvendo princípios e regras:
(...) Os princípios apresentam uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra freqüentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é. 24
A afirmação acima exposta deixa clara a diferença fundamental entre princípios e regras: a possibilidade de ponderação. 25
Certo é que, conforme já mencionado anteriormente, o processo de ponderação recebe críticas por parte dos adeptos do positivismo, na medida em que os mesmos consideram a ponderação um critério desprovido de métodos racionais e científicos, sujeitando-se, dessa forma, ao arbítrio, a critérios subjetivos válidos exclusivamente para aquele julgador sob cuja responsabilidade ficou a decisão de determinada questão.
Tal crítica não nos parece procedente, na medida em que, sendo o Direito argumentativo 26, as opiniões e convicções pessoais do julgador serão inseridas em um complexo debate, que envolverá, inclusive, convicções opostas às suas, a fim de que se alcance a decisão que melhor reflita a hipótese submetida ao julgador.
Como afirma R. Dworkin:
(...) o julgamento político que ele deve fazer é em si mesmo complexo e, às vezes, vai opor uma parte de sua moral política a outra: sua decisão vai refletir não apenas suas opiniões sobre a justiça e a eqüidade, mas suas convicções de ordem superior sobre a possibilidade de acordo entre esses ideais quando competem entre si. 27
Verifica-se assim que o processo de ponderação, ao contrário do que se possa acreditar, não se caracteriza como um procedimento meramente discricionário, uma vez que, consideradas e sopesadas todas as nuances que envolvem aquela determinada questão, o julgador optará pela solução que melhor atenda às necessidades daquele caso concreto, encontrando o seu campo de decisão limitado por critérios de proporcionalidade e razoabilidade. 28
A ponderação de princípios se rege, portanto, pela lógica do razoável. 29
A questão que o Caso Vincent Humbert nos coloca é: como solucionar o conflito entre uma regra e um princípio, na medida em que as regras, ao contrário dos princípios, não se submetem ao processo de ponderação?
Tal situação não conduziria, a nosso ver, ao impedimento da utilização do referido processo, uma vez que, conforme afirmamos anteriormente, em nossa concepção, a regra da legislação francesa que pune a prática da eutanásia reflete, na verdade, uma manifestação do direito à vida. Dessa forma, estaríamos diante de um conflito entre o direito fundamental à vida e o direito fundamental ao tratamento digno, que, segundo a teoria dos princípios, é considerado como uma colisão de princípios. 30
Ainda que a teoria dos princípios não oferecesse a solução acima indicada, o momento pós-positivista vivido pelo Direito conduz ao reconhecimento da supremacia dos princípios em relação às regras, na medida em que estes, como bem observa Paulo Bonavides, foram "convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais". 31
Prossegue o renomado mestre:
São momentos culminantes de uma reviravolta na região da doutrina, de que resultam para a compreensão dos princípios jurídicos importantes mudanças e variações acerca do entendimento de sua natureza: admitidos definitivamente por normas, são normas-valores com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos; e por isso mesmo providos, nos sistemas jurídicos, do mais alto peso, por constituírem a norma de eficácia suprema. Essa norma não pode deixar de ser o princípio. 32
Sendo assim, na medida em que os princípios se revestem desse caráter fundamental, servindo de base e orientação na formação das regras, entendemos que a ponderação não poderia ser obstada pelo simples fato da colisão existente não se dar entre princípios, mas entre princípio e regra; até mesmo porque a colisão entre princípio e regra, na medida em que esta reflete aquele, é, ainda que indiretamente, colisão de princípios.
O Caso Vincent Humbert, como já afirmamos repetidas vezes, envolve a colisão do direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.
O ordenamento jurídico francês, ao punir a prática da eutanásia, busca a preservação do direito à vida, tido por todos como o maior bem juridicamente protegido.
Mas até que ponto esta disposição se justifica?
Vincent Humbert era um jovem que, após o acidente sofrido, havia ficado tetraplégico, mudo e cego, vivendo, contra a sua própria vontade, uma vida desprovida de critérios mínimos de qualidade, o que o levou a pedir publicamente pela sua morte, que, segundo ele mesmo, teria ocorrido, de fato, na data do acidente que o vitimou.
A interrupção de uma vida que havia se tornado um fardo para o próprio Vincent, incapaz de se locomover, incapaz de enxergar, incapaz de se expressar, a não ser através de um de seus dedos da mão, seria realmente um ato reprovável?
Se é correto que, conforme mencionado na já citada lição do mestre José Afonso da Silva, o valor dado à vida não nos permite privar o ser humano de um único momento de sua existência, parece-nos igualmente correto que o homem dá mais valor à dignidade do que a própria vida 33, razão pela qual se nos afigura completamente admissível a prática da eutanásia quando a manutenção da vida implicar em vilipêndio à dignidade da pessoa humana.
É que, assim como o professor Daniel Sarmento, a cuja lição aqui aderimos, concebemos a dignidade da pessoa humana como um princípio imponderável, razão pela qual o entendemos oponível até mesmo ao direito à vida.
Com efeito, assim se manifesta o festejado mestre:
Nesta ponderação, porém, a liberdade do operador do direito tem como norte e como limite a constelação de valores subjacentes à ordem constitucional, dentre os quais cintila com maior destaque o da dignidade da pessoa humana. Nenhuma ponderação poderá importar em desprestígio à dignidade do homem, já que a garantia e promoção desta dignidade representa o objetivo magno colimado pela Constituição e pelo Direito, ou, nas palavras de Teresa Negreiros, a própria ‘razão de ser’ do sistema jurídico-constitucional. 34
Concluindo mais adiante:
Assim, reiteramos o nosso entendimento de que nenhuma ponderação pode implicar em amesquinhamento da dignidade da pessoa humana, uma vez que o homem não é apenas um dos interesses que a ordem constitucional protege, mas a matriz axiológica e o fim último desta ordem. 35
Durante três anos, a regra do ordenamento jurídico francês que proíbe a eutanásia condenou o jovem Vincent Humbert a uma vida indigna.
Ao praticar a eutanásia em seu filho, Marie Humbert teve por objetivo maior a preservação da dignidade de Vincent.
Sua condenação representaria, a nosso sentir, uma dupla injustiça.