O vazamento nos acordos de colaboração premiada na Lava Jato

17/01/2017 às 01:20
Leia nesta página:

A questão da nulidade nos vazamentos efetivados na lava jato.

 

Conceito e base jurídica:

 

De início, registre-se que a delação premiada é um meio de obtenção de prova, por meio do qual o investigado "delata", ou seja, indica a existência do outro coautor ou partícipe envolvido na organização criminosa. É espécie do gênero " colaboração premiada" ( terminologia usada pela Lei n.º 12.850/2013),  e tem por finalidade indicar a  localização, qualificação completa, e os detalhes do envolvimento do respectivo partícipe ou coautor até então desconhecido na investigação ( artigo 4º da referida  Lei que rege as organizações criminosas).

 

É um negócio jurídico processual personalíssimo, efetivado entre o Membro do Ministério Público e o investigado ou réu (acompanhado de defensor), e tem por finalidade obter a redução de pena por parte do colaborador, não podendo ser questionado pelo delatado, em razão da ausência de sua legitimidade, tendo a lei conferido legitimidade apenas aos envolvidos no acordo (Ministério Público e colaborador), nos termos do entendimento do STJ.

 

Com efeito, quando um investigado se dispõe a colaborar, a expectativa é a de que sejam identificados os respectivos comparsas da organização criminosa, elucidando-se a tarefa de cada um e a hierarquia da estrutura criminosa. Para gozar dos benefícios legais, o agente colaborador deve revelar detalhes de como, quando e onde os fatos incidiram, e o modus operandi relacionado à forma como os criminosos ocultaram o produto dos crimes.

 

No intuito de permitir que o Ministério Público investigue os dados trazidos pelo colaborador e recupere o produto dos crimes, a Lei prevê que o acordo (e a sua homologação) pelo juiz serão sigilosos, devendo ser preservada a integridade física (incluindo a vida) dos que se dispõe a ajudar a Justiça no esclarecimento dos crimes, tudo com base no interesse público relacionado à necessidade de identificação da autoria e dos detalhes da organização criminosa.

 

Pela lei, o acordo de colaboração premiada só deixará de ser sigiloso após o recebimento da denúncia. Além disso, uma sentença condenatória não poderá ser proferida com fundamento exclusivamente nas declarações do agente colaborador, sendo imprescindível o cotejo com as provas produzidas judicialmente, haja vista os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

 

Destarte, percebe-se que os vazamentos parciais ou totais de colaborações em fase de negociação não interessam ao Ministério Público e aos demais órgãos de investigação.

 

A uma, porquanto expõem o agente colaborador, já que o intuito é preservar a identidade (sigilo) da fonte, envolvendo o detalhamento de toda a empreitada criminosa.

 

A duas, porque, uma vez tornados públicos os dados fornecidos, o Ministério Público terá dificuldades para angariar provas obtidas judicialmente, inviabilizando a formação de meio probatório necessário à prolação de sentença condenatória (a tendência será a destruição e a obstrução das provas necessárias ao convencimento judicial).

 

Por fim, em virtude de a organização criminosa (revelada) ter a oportunidade de alterar a estratégia e o modus operandi de sua atuação, introduzindo novas e diferentes técnicas de efetivação da conduta criminosa.

 

Ademais, não é razoável imaginar que o "presentante" do Parquet se submeta ao risco de ser processado administrativa e criminalmente, maculando todo um trabalho que, não raro, demora anos para ser concluído.

 

 Como se nota, a divulgação premeditada de dados investigativos deve ser combatida e investigada, sendo os seus responsáveis punidos com rigor, não se podendo, contudo, atribuir a autoria ao representante do Ministério Público, sem que haja comprovação efetiva do referido ato.

 

Discute-se, porém, se a divulgação do conteúdo do acordo, antes do recebimento da denúncia tornaria nula a delação. Nesse ponto, em que pese o entendimento em sentido contrário (O Ministro Gilmar Mendes recentemente levantou a hipótese de o STF discutir a referida questão, em entrevista à imprensa), não há que se falar em nulidade pelo fato de não ter havido um vício substancial na formalização do acordo (disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-12/gilmar-mendes-diz-que-supremo-tem-que-discutir-vazamento-de-delacoes).

 

No mesmo sentido, o Ministro da Transparência Torquato Jardim, em artigo publicado no CONJUR, afirmou que a divulgação indevida seria causa de nulidade absoluta ( disponível em http://www.conjur.com.br/2017-fev-22/ministro-cgu-critica-prisoes-longas-vazamentos-lava-jato).

 

Contudo, apenas se o acordo for efetivado mediante tortura (prova ilícita), ou por meio de coação física irresistível, poder-se-á argumentar pela incidência de ato que nulifique a avença, maculando-a em sua origem, em razão de um defeito substancial do próprio ato em si.

 

Dessarte, inexistindo vício substancial no negócio jurídico, e a manifestação da vontade tendo sido livremente externada, o conteúdo revelado indevidamente configurará causa de descumprimento, rompimento, ou "distrato"  do pacto , e não nulidade.

Conclusão

 

A divulgação dos dados configura uma quebra de cláusula contratual, devendo ensejar o rompimento, distrato, rescisão, mas jamais sua nulidade, por não haver um vício original do ato, e por ausência de previsão legal.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

 

Nesse ponto, poderá haver a apuração e punição do agente que efetivou a divulgação criminosa dos dados, por incidir nas penas do art. 325 do CPB c/c art. 18 da Lei 12.850/13, ou do crime previsto no art. 10 da Lei 9296/96, quando for a hipótese de"vazamento" de conversas oriundas de monitoramento resultante de interceptação telefônica.

 

 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos