Figuras jurídicas introduzidas pela Lei da Reforma Administrativa

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O artigo apresentado tem como objetivo demonstrar toda a evolução jurídica estabelecida pela lei da Reforma Administrativa, instituída há algumas décadas que trouxe consigo mais celeridade e efetividade, dentre outras características.

 

1. INTRODUÇÃO

O ato administrativo é peça fundamental da Administração Pública, é através dele que serão executados os objetivos almejados pelo Estado, garantindo assim que os direitos da coletividade sejam devidamente tutelados. No entanto, é necessário observar as devidas características intrínsecas ao ato administrativo, não podendo a Administração exercer suas competências de modo arbitrário, o processo de criação e execução de um ato administrativo deve obedecer a diversos requisitos e pressupostos, podendo o ato ser considerado inválido ou até mesmo inexistente caso não siga à risca as direções criadas pela legislação.

Dentro dos diversos pressupostos necessários ao ato administrativo iremos encontrar todas as partes integrantes de tal instrumento da Administração, é necessário inicialmente que o ato administrativo vença os pressupostos de existência tendo um objeto material individualizável e observável no mundo exterior e sendo este ato realizado de fato pela Administração Pública. Superados os chamados pressupostos existenciais o ato administrativo passará por uma triagem que decidirá a sua validade, o ato deve ter: sujeito, motivo, causa e finalidade de modo que não seja viciado sob qualquer hipótese. Ocorre também que para ser válido o ato administrativo algumas vezes deve ser precedido de outros atos, sejam eles administrativos, jurídicos ou realizados por particulares, são os chamados requisitos procedimentais dos atos administrativos.

Ocorre dentre os vícios presentes no ato administrativo o chamado desvio de poder, que está ligado de modo intrínseco com o pressuposto de validade da finalidade, tal vício encontra-se presente não só no âmbito da Administração, mas em qualquer situação na qual ocorra a utilização de prerrogativas e atribuições para finalidade diversa daquela definida expressamente pela legislação.

2. EVOLUÇÃO DO SISTEMA ADMINISTRATIVO

É importante que mais que uma mera análise gramatical do que foi modificado, que se faça uma profunda interpretação filosófica para que se entenda os novos paradigmas introduzidos por essa reforma assim como a nova filosofia de administrar. No passado viveu-se o modelo patrimonialista, onde se confundia sempre o patrimônio público com o privado, prejudicando a boa e eficiente administração. A solução se fez presente na implementação de um modelo burocrático, que mesmo com a sua aparente rigidez se mostrava mais adequado.

    Passa agora então com a nova reforma a vigorar o modelo de administração gerencial, e não mais o fatídico modelo burocrático, estagnado nas próprias regras e portanto obsoleto, mas sim um modelo aberto a ideias, a adaptações e incomparavelmente mais eficiente que seus antecessores. O modelo gerencial considera o Estado, a sociedade como sendo multifacetada, onde imperam incertezas e sobretudo conflitos que anseiam por soluções, soluções estas que virão do Estado, que  irá não só respeitar como também concretizar as vontades e necessidades dos cidadãos

    Vale ressaltar que o referido modelo não é novidade da emenda constitucional citada, nem muito menos é próxima ao seu tempo. O modelo gerencial aqui no Brasil é oriundo da década de 60, mais precisamente 1967 com o Decreto-lei 200, muito focado na eficiência e descentralização. Entretanto, as mudanças ainda que significativas deste decreto trouxeram também a facilidade na contratação de servidores sem concurso público, o que abriu espaço para nepotismo e dentre outras práticas patrimonialistas, além de negligenciar na estruturação da administração direta, tudo isso culminou no fracasso de uma reforma ainda neste decreto.

    A reforma administrativa então não instituiu um modelo centralizador ou descentralizador como se fazia ciclicamente em épocas anteriores, mas se focou em fortalecer as competências administrativas bem como estimular uma maior autonomia de agências e organizações.

3. MUDANÇAS ELEMENTARES ORIUNDAS DA REFORMA

  • Estabilidade

    Na Constituição Federal, o art. 41, trata-se da estabilidade. Com a Emenda Constitucional nº19,a estabilidade passou a ser prerrogativa exclusiva de servidores com cargo efetivo, o tempo para adquirir a estabilidade passou a ser de três anos, antes então o servidor passaria por um estágio probatório. Após adquirir a estabilidade, o servidor poderá ser demitido se houver a apuração de suas faltas através de um devido processo.

  •     A principal inovação aqui está nas possibilidades de demissão do servidor, agora não mais demite-se por falta grave apurada em processo administrativo, mas também pela insuficiência de desempenho (art. 41, §4º), as avaliações de desempenho são feitas periodicamente e não se resumem apenas ao período de estágio probatório, o servidor será constantemente avaliado, evitando assim servidores irresponsáveis com seu trabalho; também poderá perder o cargo pelo excesso de despesas (art. 169, II, §§ 4º a 7º).

    Esta última merece maior atenção pois deixa margem para a Administração demitir servidores estáveis para cortar gastos, o que viabiliza muito mais a otimização de custos. Tal medida se justifica pela superioridade do interesse público que prevalece sobre o interesse individual do servidor. Esta demissão entretanto é como uma medida mais extrema, já que existe um trâmite e uma situação específica também delimitada em lei para que aconteça, entretanto a abertura desta possibilidade por parte do legislador foi conveniente já que evita que os gastos com pessoal sejam superiores ao que foi estipulado em lei.

  • Formas de remuneração

    Surge a figura do subsídio para substituir para algumas categorias os controversos termos “vencimento” e “remuneração”, que ocasionavam em discussões desnecessárias. O subsídio é definido como um valor pecuniário, irredutível e fixo pago pelo Estado em razão dos serviços prestados pelo agente político.

    Apesar disso, não quer dizer que o servidor remunerado por subsídio não receberá acréscimo de caráter pecuniário dos cofres públicos, já que existem outras situações como uma indenização por gastos com transporte, ou o recebimento de uma aposentadoria ou pensão, ou mesmo um prêmio oriundo de um concurso de monografias, dentre muitas outras incontáveis situações, que incorrerão em aumento do valor recebido pelo servidor em determinado mês. Desta forma, não se acrescenta ao subsídio parcelas em razão da função que o servidor exerce em seu cargo, outros acréscimos de naturezas diversas podem sim existir.

  • Instituição de teto remuneratório

    Por meio da nova reforma, um teto único foi estipulado para evitar que servidores ganhassem mais do que lhe é realmente devido. O teto passou a ser único para os três Poderes e para todos os entes federados, isto é, para o Executivo, Legislativo e o Judiciário, seja na União, no Estado, no Distrito Federal ou nos Municípios. Convencionou-se que o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal é este teto máximo de remuneração, onde nenhum agente público poderá receber mais, daí se incluem ,também, prefeitos, senadores, deputados e até o próprio presidente.     

  • Direito adquirido à remuneração

    Não há o que se falar também em direito adquirido à remuneração. Se acaso algum servidor recebia remuneração superior ao teto estipulado pela reforma, deve agora ter sua remuneração diminuída ao menos até o teto. Afasta-se aqui o princípio de irredutibilidade salarial, pois obedecer ao teto salarial é a medida mais aceita e justa, pois fornece ainda o mínimo de efetividade ao princípio com ele conflitante, assim não pode haver irredutibilidade salarial desde que o salário em questão esteja sob ou equiparado ao teto designado pela reforma, tal respaldo legal para o afirmado encontra-se no art. 17 da ADCT.

4. NOVA FORMA DE GESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO

    Não era mais novidade que a Administração Pública precisava de uma mudança drástica para que pudesse atender ao interesse coletivo. A ideia da centralização de todas as funções apenas no Estado estava falida, então daí partiu-se para a concepção do Estado como um agente regulador.

    Também não se pense daí a utópica ideia de Estado Mínimo, pois com o novo modelo o Estado busca parcerias com o setor privado de forma que pudesse atender melhor o interesse coletivo. Ainda tem a responsabilidade, por exemplo, de fornecer saúde e educação de qualidade aos cidadãos, mas não por isso estatizará o ensino ou deterá para si o domínio dos hospitais. Desta forma o Estado assumirá o papel de regulador e promotor de funções sociais básicas de forma a otimizar suas funções.

    O Estado passou a se firmar em 4 setores distintos para o melhor desempenhar suas funções:

  • Núcleo estratégico: setor pequeno originado nos três Poderes e no Ministério Público. No âmbito do Poder Executivo compreende o Presidente da República, os Ministros de Estado, além da cúpula dos ministérios, que são também aqueles que devem definir as políticas públicas.

  • Atividades exclusivas de Estado: são atividades por meio das quais o Estado exerce o seu poder de legislar e tributar. Podemos destacar de imediato a polícia e as forças armadas, muito embora os órgãos de regulamentação e fiscalização, além dos de transferência de dados como o SUS e dentre outros também façam parte dessas atividades exclusivas.

  • Serviços não-exclusivos: são aqueles que não fazem parte das prerrogativas exclusivas do Estado mas que necessitam que o Estado os realize ou subsidie em razão de seu grau de relevância para direitos humanos ou normalmente porque englobam economias externas. Como exemplo prático, dentre muitos outros, podemos citar as universidades e os hospitais

  • Produção de bens e serviços para o mercado

    Tendo isto em vista, foram introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro a figura das agências executivas e das organizações sociais, instituídas pelas leis 9.649/98 e 9.637/98 respectivamente, cada uma com um papel bem definido e importante para o novo modo de administrar no Brasil.

    4.1 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

    Mais precisamente as Organizações Sociais nascem mesmo no direito brasileiro com a Medida Provisória nº1.591, só depois se fundamenta na lei federal 9.637/98. Segundo Paulo Modesto, as Organizações Sociais são instituições do terceiro setor, isto é, pessoas privadas com fins públicos sem qualquer interesse lucrativo em suas atividades, constituídas de forma voluntária, e que ajudam o Estado a atingir seus objetivos sociais através de atividades. A Organização Social também contará com uma série de prerrogativas e de auxílios por parte da Administração, para isso é condicionado à Administração o firmamento de um “contrato de gestão”, figura nova também inserida na reforma administrativa, que legitimará e declarará o compromisso agora existente entre a Administração e a organização em questão em cumprir as atividades de relevante valor social

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    Segundo Maria Sylvia Zanella as características das organizações sociais são:

    a) é definida como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos;

    b) criada por particulares, deve habilitar-se perante a Administração Pública, para obter a qualificação de organização social; ela é declarada, pela medida provisória, como "entidade de interesse social e utilidade pública"

    c) ela pode atuar nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação no meio ambiente, cultura e saúde;

    d) seu órgão de deliberação superior tem que ter representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral;

    e) as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social são definidas por meio de contrato de gestão, que deve especificar o programa de trabalho proposto pela organização social, estipular as metas a serem atingidas, os receptivos prazos de execução, bem como critérios objetivos de avaliação de desempenho, inclusive mediante indicadores de qualidade e produtividade;

    f) a execução do contrato de gestão será supervisionada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente a atividade fomentada; o controle que sobre ela se exerce é de resultado;

    g) O fomento pelo poder público poderá abranger as seguintes medidas: destinação de recursos orçamentários e bens necessários ao cumprimento do contrato de gestão, mediante permissão de uso com ônus para a origem; dispensa de licitação; cessão especial de servidores públicos, com ônus para origem; dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Administração Pública e a organização social.

    h) A entidade poderá ser desqualificada como organização social quando descumprir as normas do contrato de gestão."

    4.2 AGÊNCIAS REGULADORAS

    São instituições de relevante importância para a Administração por regular e fiscalizar atividades essenciais ao Estado. A inovação presente nesta organização é a sua independência em relação ao Poder Executivo, conferindo-lhe maior liberdade, flexibilidade e, o mais importante, eficiência.

    As Agências Reguladoras contam então como algumas de suas características a independência administrativa, autonomia financeira, ausência de qualquer subordinação hierárquica, mandato fixo, estabilidade e vedação de demissão ad nutum dos seus dirigentes. Todas essas características viabilizam o bom exercício de suas funções. Dentre estas estão:

  • Confeccionar regras de cunho geral que regerão as atividades sob sua tutela

  • Controlar a execução de atividades mediante a investigação de denúncias e reclamações.

  • Aplicar corretamente as sanções previstas aos agentes sob sua responsabilidade, zelando pelo respeito a Constituição Federal, ao devido Processo Administrativo bem como qualquer outra lei específica.

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A reforma administrativa ocorrida pela EC nº19 foi uma de tantas outras reformas anteriores que cada vez mais trazem mudanças positivas e significativas para o nosso ordenamento. Novamente o Direito muda para se adequar à sociedade, para atender ao fim que motivou a sua criação, atender as necessidades do homem.

    A superação de modelos como o patrimonialista e o burocrático demonstraram apenas o começo de uma evolução que se iniciou na instauração de um modelo gerencial, que trouxe consigo figuras como as organizações sociais e as agências reguladoras que só otimizaram a máquina estatal. Entretanto, é importante que a importação de novos modelos, bem como o de novas figuras de outros ordenamentos não seja irresponsável, sempre se atentando principalmente para a necessidade prévia de uma adaptação ao sistema brasileiro.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

MAURANO, Adriana. A redefinição do papel do Estado e a introdução de novas figuras jurídicas no Direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 531, 20 dez. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6073. Acesso em: 26 out. 2014.

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Sobre os autores
Pedro Henrique Serrão Viégas

Estudante do último período do curso de direito.

Jefferson Allex

Aluno do curso de Direito, da UFMA

Mateus de Jesus

Aluno do curso de Direito, da UFMA

Joao Victor Padilha Ferreira

Aluno do curso de Direito, da UFMA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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