CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção do pensamento sobre liberdade em um trabalho tão resumido demonstrou-se trabalho extremamente difícil. Primeiro, devido às limitações do seu construtor. Segundo, devido à riqueza e diversidade de pensamentos em torno do tema em diversos escritores. E por último, à complexidade própria de um tema intrínseco à essência do homem, entendido como indivíduo.
Todavia, é possível abstrair algumas considerações importantes a respeito do trabalho ora produzido. A primeira delas diz respeito à noção do homem sobre si mesmo, à compreensão de seu ser em essência, à valoração da sua existência. Exigir que a liberdade precedesse a isso nos parece uma incoerência; pois, em princípio, não há como entender o objeto sem entender seu detentor. A história demonstrou que, antes da liberdade receber a valoração tal qual a conhecemos hodiernamente, o homem passou por estágios de compreensão sobre si mesmo dentro e fora do grupo ao qual se associara.
Outro ponto parte dessa mesma associação humana. Dela surgem os que lideram e os que são liderados, os que governam e os que são governados, os oprimidos e os opressores, os heróis, os guerreiros, os libertadores. E, em oposição a todos, a figura do indivíduo caminha entre a necessidade de associar-se e a exigência de obedecer à vontade do grupo. Esta vontade deve(ria) representar a vontade de todos, ou pelo menos da maioria. A democracia torna-se o meio pelo qual se conciliam indivíduo e estado, tendo como principal ferramenta a lei.
A democracia ateniense, contudo, não foi capaz de libertar a todos. A liberdade ainda não possuía a extensão necessária de modo a atingir o homem assim compreendido. É no cristianismo que esse pensamento evolui consideravelmente. O homem, como soberano de sua vontade, detentor de suas decisões, preceptor de suas escolhas. Entretanto, veja-se que o cristianismo inaugurou o pensamento, não a prática. O reconhecimento dessa liberdade humana não se deu de imediato. Várias foram as barreiras até que se chegasse a tal reconhecimento.
Havia barreiras materiais, pois a maioria não possuía qualquer propriedade além do seu corpo; e intelectuais, não sabiam ler ou escrever, nem detinham qualquer conhecimento, senão apenas seu trabalho braçal. O cristianismo nesse sentido inaugurou uma nova concepção da liberdade humana, qual seja a de que todos são livres para fazerem suas escolhas. Embora sem efeitos imediatos para a maioria miserável, esse pensamento desencadeou, à medida que os indivíduos foram compreendendo sua real extensão, diversas lutas entre as classes dominantes e populares. Dessas lutas resultaram leis que declarassem os direitos do homem.
Desenha-se, nesse céu ainda nebuloso, o Estado Democrático de Direito. Contudo, ainda era necessário limitar a ação do Estado frente ao indivíduo. A força sempre foi instrumento de dominação sobre os fracos. Os modelos de regimes políticos procuraram conciliar a vontade da maioria e as necessidades das minorias; fato nem sempre bem conduzido. A maioria sempre trouxe inconvenientes à minoria, que com o correr dos anos deixou de ser minoria, ou fez com que sua voz se multiplicasse. A liberdade era vez ou outra atingida cruelmente pela vontade da maioria, manipulada muitas vezes pela sua ignorância.
Com o tempo, os pensadores perceberam que a lei era insuficiente para produzir a liberdade individual de maneira plena. Não pode ser livre aquele que não sabe se conduzir livremente, tanto quanto aquele que não detém posses o suficiente para tal. Eis a necessidade de um Estado que, além de declarar e garantir as liberdades, deve propiciar meios para que o indivíduo alcance sua completa realização. Não é livre o operário que trabalha mais por menos. Não é livre o homem sem acesso à educação. Não é livre o consumidor que se vê obrigado a pagar mais por um produto inferior.
Como se vê, a liberdade se realiza no homem, na lei e no Estado. No homem porque o homem só é capaz de constatar a real extensão de sua liberdade na medida em que compreende sua condição humana. Na lei porque serve como parâmetro nas relações humanas. E no Estado porque a ele incumbe a função de agir em defesa da lei.
Por fim, a liberdade projeta-se como o embrião de todos os direitos do homem, senão como gerador deles, pelo menos como razão de sua existência.
NOTAS
[1] Zoon Politikon (Animal Político) é uma expressão utilizada pelo filósofo grego Aristóteles de Estagira (384 a.C – 322 a.C), discípulo de a Platão, para descrever a natureza do homem – um animal racional que fala e pensa (zoon logikon) – em sua interação necessária na cidade-Estado (pólis). O animal político aristotélico é um dos conceitos mais exaustivamente estudados na filosofaa política e um dos argumentos fundamentais para a organização social e política.
[2] Platão, A República. Col. Mestres Pensadores, São Paulo, Escala, 2008.
[3] ARMSTRONG, A. H., Introducción a la filosofia antigua. Buenos Aires:, Eudeba, 2010. p. 14, 48 e 56.
[4] ARMSTRONG, 2010. p.72.
[5] ARISTÓTELES. A Política. Col. Mestres Pensadores, São Paulo, Escala, 2008.
[6] Essa descrição do homem é encontrada especificamente em “Política”, cap. I, Livro Primeiro.
[7] Estagira é uma antiga cidade da Macedônia, situada hoje na Grécia, na região da Calcídica, no golfo do rio Estrimão.
[8] O termo palavra para o filósofo se traduz em retórica e argumentação, diferentemente do sofismo, cujo centeio é a oratória, muitas vezes por meio de falácias.
[9] Segundo Armstrong, há uma semelhança entre Platão e Aristótoles nesse pensamento: “A semejanza de Platón, Aristóteles no se siente nunca satisfecho com el solo conocer cómo uma cosa ocurre; también necesita conocer el porqué, y está convencido de que la generalidad de las cosas ocurren para algún fin.” Armstrong, p. 137.
[10] Nas palavras de Armstrong: “(...) resulta dificil afirmar que con anterioridad a Santo Tomás de Aquino haya existido una veradera filosofia cristiana.” p. 254. Nesse mesmo sentido: “Sua grandeza reside justamente em ter respondido às questões de sua época em consonância com as modificações da sociedade e dando sequência às reflexões de seus antecessores. O doutor Angélico é, sem dúvida, um marco teórico do sistema medieval” (OLIVEIRA, T. A realeza em Tomás de Aquino. Acta Sci. Human Soc. Sci., Maringá, v. 25, n. 2, p. 277-282, 2003, p. 278).
[11] TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. São Paulo, Loyola, 2002, p. 362-363.
[12] Segundo Lauand: “Tomás até admite uma iluminação divina, mas essa iluminação foi dada de uma vez por todas, dotando o homem da “luz natural da razão”, aliás, dependente das coisas mais sensíveis e materiais” LAUAND, L.J. Introdução. In: TOMÁS DE AQUINO. Sobre o ensino (De magistro): os sete pecados capitais. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 7.
[13] Para Vaz, Santo Agostinho atingiu tal amplitude e profundidade que fizeram com que sua reflexão antropológica se tornasse um marco na história da cultura Ocidental:
“A antropologia agostiniana representa uma transposição genial da tradição platônica nas linhas temáticas fundamentais da tradição bíblica e da tradição cristã da patrística anterior. Ela será a matriz da concepção medieval do homem [...] até o século XII. [...] O aristotelismo se imporá a partir do século XIII. [...] a antropologia medieval, em se apogeu, mostrará uma tensão permanente entre aristotelismo e agostinismo, cujo equilíbrio é assegurado pela tradição bíblico-cristã. A originalidade desse equilíbrio manifesta-se nos traços fundamentais da antropologia cristão-medieval” (Vaz, 2004, p. 58-60).
[14] Como pode ser visto na fala de Agostinho: “[...] porque doutro modo não se chamaria homem, porquanto o homem não é apenas alma nem apenas corpo, mas composto de alma e de corpo. É grande verdade não ser todo o homem a alma do homem, mas sua parte superior, nem seu corpo todo o homem, mas sua parte inferior. E também é que à união simultânea de ambos os elementos se dá o nome de homem”. AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. A cidade de Deus: contra os pagãos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 124
[15] Essa concepção é apresentada por Gustav RADBRUCH, em "o Homem e o Direito".
[16] Conforme explica Radbruch: “O iluminismo e o Direito Natural orientaram a ordem jurídica para o mesmo tipo humano do qual partira o Direito Romano: um indivíduo não só egoísta, mas também capaz de perseguir o que entendia como de seu interesse; um indivíduo liberado, por isso, de todos os laços sociológicos e sujeito apenas a vinculações jurídicas que assentam no que entende serem seus interesses individuais.” RADBRUCH , Gustav, O Homem No Direito.
[17] DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito. Revisão e Tradução: Márcio Pugliesi, São Paulo: Ícone, 1996. p.25-26.
[18] Segundo o autor: “A regra de direito é social pelo seu fundamento, no sentido de que só existe porque os homens vivem em sociedade”.
[19] DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos, 4ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p.62.
[20] Bonavides, 2009, p. 85.
[21] Benjamin Constant, De la liberte dês Anciens Comaparée à celle dês Modernes 1818, in Collection Complete dês Ouvrages, vol. 4, parte 7. Paris, Béchet Libraire, 1820, p. 253 (trad. It., in B. Constant, introdução e tradução de Umberto Cerroni, Roma, Samona e Savelli, 1965, p. 252)
[22] A. J. Festugiere, La libertad em la Grecia antigua. Barcelona: Edit Seix Barral, 1953, p. 7:
“Sin embargo, cuando el nombre y la Idea de libertad aparecen em la literatura griega, no se refieren primordialmente a la vida espiritual, sino a la vida política. Y son todavia resonancias políticas las que despiertan em nosotros la expresión de ‘libertad griega’”.
[23] “La alianza entre “libertad” y “democracia” implica pues, como se ve, dos privilegios: por um lado la libertad civil, em el sentido de que todo miembro de la ciudad, hijo de padres ciudadanos, se halla garantizado em su persona y em sus bienes mientras no infrinja niguna de las leyes civiles ni políticas del Estado, y por outro la libertad política, em cuanto el ciudadano, por el solo hecho de su nacimiento, y a reserva, evidentemente, de obedecer a las leyes, es apto para revestir todas las magistraturas públicas, ya sea que le correspondan por sorteo o que se le confíen por elección.” Festugiere, 1953, p. 12
[24] CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Tradução Loura Silveira. In: FILOSOFIA Política 2. Porto Alegre: LP&M Editores, 1985. p. 9-25. Constant, 1985, p. 11
[25] Festugiere, 1953, p.14
[26] Festugiere, 1953, p.14
[27] No ser esclavo de ningún hombre, ésta es la gloria del griego. Cuando el Otanes de Herodoto, que, aunque persa, expresa el ideal griego, ve rechazada su proposición de um régimen democrático y aceptada la monarquia, delcara que por su parte rechaza el poder: “pero a condición – dice – de que no estaré a las órdenes de ninguno de vosotros, ni yo ni ninguno de mis descendientes a perpetuidad” (III, 83)
Y el historiador concluye (III, 84): “ Y todavía hoy, la casa de Otanes es la única libre entre los persas (...).” ? Em qué consiste esa libertad? “Essa cas no está sometida (...) más que mientras quiera, en cuanto no infringe las leyes de los persas (....)”. Toda la diferencia está resumida em esas palabras. El griego no obedece a um hombre, pero obedece a la ley, ya que ésta es la expresión de la voluntad del pueblo, y el pueblo es él. Em efecto, él es quien, em el consejo y en la asamblea, ha preparado y redactado la ley; él es también quin la aplica em los distintos tribunales de la ciudad.
Festugiere, 1953 p. 17.
[28] Em “Prosopopéia das leis”, de Critón, 52, d 1 e ss.
[29] Festugiere, 1953, p. 30.
[30] Como se pode extrair de: “o uso do termo liberdade, entre os gregos, tem, portanto, uma conotação fortemente política e jurídica (liberdade/isonomia), sem ligação, porém, com as noções subjetivas de ato voluntário em oposição ao involuntário. Não que os gregos desconhecessem essa oposição, mas a ela não conferiram o atributo de liberdade.” FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: Reflexões sobre o Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito. São Paulo: Atlas, 2002. p. 77
[31] ARENDT, Hannah. Que é liberdade? In: ENTRE o Passado e o Futuro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 204
[32] HEGEL, G. Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften, § 482; ed. Nicolin-Pöggeler, p. 388.
[33] De Veritate, q. 26, a. 6 c.: “Potentia qua libere iudicamus non intelligitur illa qua iudicamus simpliciter, quod est rationis, sed quae facit libertatem in iudicando, quod est voluntatis. Unde liberum arbitrium est ipsa voluntas: nominat enim eam non absolute sed in ordine ad aliquem actum eius qui est eligere”.
[34] Um dos principais erros filosóficos sobre esse tema é a confusão entre a liberdade radical e o livre arbítrio. Carlos Cardona alertava contra esse perigo com as significativas palavras: “Es absolutamente falso concebir la
libertad como la facultad de elegir entre el bien y el mal, que le solicitarían de modo contradictorio: sería tanto como afirmar que Dios no es libre, y que el hombre deja de serlo justamente en el momento en que ejercita su libertad. La libertad consiste en la facultad de querer, en el sentido fuerte del término. De ahí que todo ser dotado de inteligencia y voluntad sea libre, y que su libertad no sea algo distinto de su inteligencia y de su voluntad. Una perfecta libertad se dará, pues, en donde la inteligencia sea perfecta y sea perfecta la voluntad: en donde la Verdad y el Bien se den en perfecta identidad con el conocer y el querer”. CARDONA, C. Libertad humana y fundamento. Consideraciones sobre el “ocaso de los valores” y la libertad de María Santísima, em «Scripta Theologica», 11 (1979), p. 1039.
[35] MILLÁN PUELLES, A. Economía y Libertad, conf. española de Cajas de Ahorro, Madrid 1974.
[36] Arendt, 1972, p. 193
[37] Ferraz Jr, 2002, p. 88
[38] GUARDINI, R. Persona e libertà. Saggi di fondazione della teoria pedagogica, Brescia: La Scuola, 1990, pp. 58-59: “La libertà è autoappartenenza. Mi esperisco libero quando provo di appartenermi; quando provo Che agendo dipendo da me stesso, che l’azione non transita attraverso di me e perciò spetta ad un’altra istanza, ma sorge in me, e quindi è mia in quel senso peculiare, ed in essa sono io”.
[39] DESCARTES, R. I principi della filosofia, Pars Prima, XLI, Torino: Bollati Boringhieri, 1992, p. 92.
[40] BERGSON, H. Essai sur les données immediates de la conscience, Édition du Centenaire, Paris: PUF, 1970, p. 145.
[41] KANT, I. Crítica della ragione pratica, Prefazione, Milano: Rusconi, 1993, p. 39.
[42]SCHOPENHAUER. Contestação ao livre-arbítrio. Porto: Rés-editora, 2002, p.75:
“Por conseguinte, esperar que um homem, sob influências idênticas aja, ora de uma maneira, ora de outra absolutamente oposta, é como se quiséssemos esperar que a própria árvore que, no verão passado, deu cerejas, dê no próximo verão peras. O livre-arbítrio implica, considerando-o de perto, uma existência sem essência, ou seja, qualquer coisa que é e que ao mesmo tempo não é nada; por conseqüência, que não é – daí uma contradição evidente.” (tradução minha)
[43] CARDOSO, Renato César. A ideia de justiça em Schopenhauer. Belo Horizonte: Argumentum, 2008, ponto 2. Liberdade e ação humana, 3º §.
[44] Agostinho, Coleção: Grandes Personagens da História Universal. Editora Abril Cultural, 1978, p. 145.: “A supremacia do intelecto, da razão e da inteligência, ordenando, escolhendo e determinando nossa vontade, cai por terra, melancólica e irremediavelmente, sob este novo prisma. Ao contrario, o cenário mostra-se agora de forma inversa, com a razão subjugada, posta a serviço desta vontade imperiosa e, pior, inexplicável. Estabelecendo um paralelo, diríamos que a vontade é metafísica; a inteligência, física. O intelecto é fenômeno; a vontade, a essência.”
[45] SCHOPENHAUER, Arthur, O Livre-Arbitrio. Belo Horizonte: Editora Novo Horizonte, s.d. (Coleção Os Grandes Clássicos da Literatura v. III) p. 160
[46] WELZEL, Hans. O Novo Sistema Juridico-Penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. Tradução do Espanhol por Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.2001, p. 28
[47] Alcorta se refere a Laboulaye que declara não bastar reconhecer tais direitos, mas também protegê-los. ALCORTA, Amancio, Las Garantias Constitucionales, pp. 6/7 e 35.
[48] BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional. São Paulo, Malheiros, 2004, p. 525 ss.
[49] SARLET, Ingo Wolfgand. A Eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
[50] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 179.
[51] Neste sentido, Norberto Bobbio afirma que: “Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Campus, 1992. p. 5.
[52] Inspirada nos pensamentos dos iluministas, bem como na Revolução Americana (1776), a Assembléia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou em 26 de agosto de 1789 e votou definitivamente a 2 de outubro a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizado em dezessete artigos e um preâmbulo dos ideais libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa (1789-1799).
[53] O art. 5º da Constituição do Brasil traz 78 incisos com declarações de direitos considerados individuais (e fundamentais).
[54] Como explica o jurista Norberto Bobbio em duas passagens de sua memorável obra Liberalismo e democracia (BOBBIO, Norberto, Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira, São Paulo, Brasiliense, 2000):
“Por Estado de direito entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que os regulam, salvo o direito do cidadão de recorrer a um juiz independente para fazer com que seja reconhecido e refutado o abuso ou excesso de poder.” p. 18.
Bobbio alega que o Estado de Direito remete à soberania das leis sobre os homens e à soberania do rei sobre estas: “Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos.” p. 19.
[55] BOBBIO, 2000. p. 20.
[56] DUTRA, Delamar José Volpato. A legalidade como forma de Estado de direito. Kriterion [online]. 2004, vol. 45, n. 109, pp. 57-80. ISSN 0100-512X..
[57] Segundo Dutra, o regime militar brasileiro, pós-1964, também pode ser considerado um exemplo de um Estado dentro da for-ma legal, mas não um Estado de direito no sentido mais forte. DUTRA, 2004.
[58] KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. [L. C. Borges: General Theory of Law and State]. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 559. (consultado no original)
[59] Dutra, 2004. pp. 57-80.
[60] KELSEN. Teoria pura do direito. p. 302
[61] ROBERT, Alexy, Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.
p 41 e 47.
[62] ROBERT, 1993. p. 45.
[63] Gavazzoni em sua extensa obra História do direito: dos sumérios até a nossa era admite a possibilidade de que em UR, cidade suméria, possa ter surgido o primeiro código de leis: “Graças à menção da cidade de UR na Bíblia, o arqueólogo Wooley, após anos de pesquisas arqueológicas na região, concluiu que um povo — os sumérios — habitou ali no vale dos rios Tigre e Eufrates há mais ou menos 3.000 a.C.” Gavazzoni, Aluisio, História do direito; dos sumérios até a nossa era. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 30 e ss.
[64] Gavazzoni, 2002, p. 33.
[65] Vejam-se trechos do código:
“116º - Se o detido na casa de detenção morre de pancadas ou maus tratamentos, o protetor do prisioneiro deverá convencer o seu negociante perante o tribunal; se ele era um nascido livre, se deverá matar o filho do negociante, se era um escravo, deverá pagar o negociante um terço de mina e perder tudo que deu.
196º - Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho.
199º - Se ele arranca um olho de um escravo alheio, ou quebra um osso ao escravo alheio, deverá pagar a metade de seu preço.” tradução disponível em <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi.htm>, acesso em 13/04/2014.
[66] Gavazzoni, 2002, p. 65.
[67] Aristóteles, em Política, compartilha de tal evidência: “quem recomenda o império da lei parece recomendar o império exclusivo da divindade e da razão, mas quem prefere que um homem governe, de certo modo também quer pôr uma fera no governo, pois as paixões são como feras e transformam os governantes, mesmo quando eles são os melhores homens. Portanto a lei é a inteligência sem paixões.”
[68] Nesse sentido, Fábio Konder Comparato, 2008.
[69] C. Schmitt, Cireadrechte und Grusdpflichtee. Berlín 1973, pág. 190.
[70] Após a Revolução Gloriosa, passou a vigorar definitivamente na Inglaterra o regime parlamentar, tal como hoje nós o conhecemos: com a figura do Rei como mero Chefe de Estado, cabendo a Chefia de Governo ao Primeiro-Ministro. O Bill of Rights foi um documento que sacramentou a perda do poder absoluto do Rei, que passou a dividir a tarefa de governar com o Parlamento. Na prática, instalou-se a partir daí a supremacia do Parlamento.
[71] Teoría de La Constitución. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1928.
[72] A Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos é parte da Carta dos Direitos dos Estados Unidos e institui garantias contra o abuso da autoridade estatal, tais como o julgamento pelo grande júri, o direito de permanecer calado e evitar assim a auto-incriminação, o direito de ser julgado apenas uma vez sobre mesmos fatos (vedação ao bis in idem), o direito a justa compensação por bens desapropriados. Além disso, a emenda traz a cláusula de devido processo legal, segundo a qual "ninguém pode ser privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal".
[73] A propósito da declaração de que todos os homens nascem livres, Jeremy Bentham exclama: “Absurda e miserável bobagem!” E explica: “Não existe nada de semelhante a direitos naturais, nada de semelhante a direitos anteriores às instituições de governo, nada de semelhante a direitos naturais opostos ou em contradição com os legais”. Jeremy Bentham, Anarchical Fallacies, in The Works, J. Bowring (org.), Edimburgo, William Tait, vol. 2, p. 500.
[74] BOBBIO, Norberto, Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira, São Paulo, Brasiliense, 2000. P. 13
[75] C. Schmitt, 1973, pág. 190.
[76] ROBERT, 1993, p. 63 e 64.
[77] Entenda-se a Constituição do Estados Unidos.
[78] OLIVER, Dawn. Constitucional reform in the UK. Nova York: Oxford University Press, 2003, p. 111.
[79] A Convenção Européia de Direitos Humanos foi ratificada pelo Reino Unido em 1951, vigorando internacionalmente em 1953.
[80] Em seu artigo 2, a carta enumera as liberdades fundamentais: “Fundamental freedoms: 2. Everyone has the following fundamental freedoms: (a) freedom of conscience and religion; (b) freedom of thought, belief, opinion and expression, including freedom of the press and other media of communication; (c) freedom of peaceful assembly; and (d) freedom of association.”
[81] A. J. Festugiere, La libertad em la Grecia antigua. Barcelona: Edit Seix Barral, 1953, p.10
[82] KANT, E. Critique de la raison pure. Tratuction française avec notes par A Tremesaygues et B. Pacaud. Préface de Ch. Serrus. Paris, P.U.F. , 1975. p. 1.
[83] KANT, 1975, p. 5-7.
[84] KANT, 1975, p. 33.
[85] KANT, E. Critique de la raison pratiques. Tratuction française de François Picavet. Introd. de Ferdinand Alquié. Paris, P.U.F. , 1949.
[86] Exclama Kant: “Portanto, o estado civil, considerado simplesmente como estado ju-rídico, funda-se a priori nos seguintes princípios: 1) A liberdade de cada membro da sociedade, enquanto homem. 2) A igualdade deste
com qualquer outro, enquanto súdito. 3) A independência de cada membro de uma comunidade, enquanto cidadão.” Kant, 1993, p. 27.
[87] Hegel afirma na nota ao § 57: “Mas para que o espírito objetivo, o conteúdo do direito deixem de ser concebidos através das correspondentes noções subjetivas, para que, por conseguinte, se deixe de conceber como um puro dever-ser isto de o homem em si e para si não estar destinado à escravatura, é preciso reconhecer-se que a idéia da liberdade só existe verdadeira-mente na realidade do Estado” Hegel, G. W. F, Princípios da ?losofía do direito.São Paulo: Martins Fontes, 1997.
[88] ROBERT, Alexy. 1993, p. 34.
[89] O raciocinio de Bahia está expresso em: “Os direitos fundamentais, nascidos na consagração de liberdade e igualdade, possuem, desde o nascedouro, um caráter de universalidade: baseados no caráter inclusivo da razão – pois que se todos os homens são racionais, logo há um critério certo para erigirmos um todos: “Todos os homens são iguais por natureza e diante da lei”, como proclama o artigo 3º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.” BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; NUNES, Dierle José Coelho, O potencial transformador dos direitos “privados” no constitucionalismo pós-88: igualdade, feminismo e risco. RT-882, Abril de 2009, 98º ANO, p. 46.
[90] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Madrid: Trotta, 2000. p. 355
[91] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado.
[92] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007
[93] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003
[94] CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2010
[95] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2007.
[96] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, p. 527. São Paulo: Saraiva, 2010
[97] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. pp. 5-19.
[98] Fr. Múller. Juristische Methodik. Berlín: 1976. págs. 24, 26 ss.
[99] ROBERT, 1993, p. 23.
[100] BOBBIO, 2000, p. 75.
[101] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 113.
[102] HABERMAS, 1998, p. 318.
[103] Neste sentido, é importante citar Bobbio: “(...) historicamente, o Estado Liberal nasce de uma contínua e progressiva erosão do poder absoluto do rei, e em períodos históricos de crise mais aguda, de uma ruptura revolucionária (exemplares os casos da Inglaterra do século XVII e da França do fim do século XVIII); racionalmente, o Estado liberal é justificado como o resultado de um acordo entre indivíduos inicialmente livres que convencionam estabelecer os vínculos estritamente necessários a uma convivência pacífica e duradoura.” BOBBIO, 2000. p. 14
[104] BAHIA, p. 57.
[105] BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional. São Paulo, Malheiros, 2004, p. 529.
[106] Como se extrai de: “Ora, foi basicamente por via doutrinária e forense que as garantias constitucionais, extraídas da Carta e da interpretação de seus princípios, entraram no idioma jurídico de nosso Estado liberal, tornando-se uma das expressões diletas de Rui Barbosa ao promover, escudado nos artigos da Constituição, a defesa da liberdade do cidadão contra abusos e as violências do Estado.” BONAVIDES, 2004, p. 529.
[107] BOBBIO, Norberto, Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira, São Paulo, Brasiliense, 2000. P. 7 e 12.
[108] BOBBIO, 2000, p. 17 e 21.
[109] Apud, BOBBIO, 2000. p. 21. Obra original: Thomas Paine, Common Sense (1776) (trad. It., in Thomas Paine, I Diritti dell´Uomo, T. Magri (org.), Editori Riuniti, 1978, p. 65.
[110] BOBBIO, 2000. p. 39
[111] BOBBIO, 2000. p. 44
[112] DUTRA, Delamar José Volpato. A legalidade como forma de Estado de direito. Kriterion [online]. 2004, vol. 45, n. 109, pp. 57-80. ISSN 0100-512X.
[113] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo; Saraiva, 2007. pp. 230 e 231
[114] A teoria de direitos não absolutos encontra respaldo na jurisprudência do STF:
“OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”. Jurisprudência: STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20
[115] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 256.
[116] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2007, p. 788.
[117] BOBBIO, 2000. p. 58
[118] BOBBIO, 2000. p. 20.