O cargo de confiança e as horas extras

02/02/2017 às 22:06
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Referido artigo pretende estabelecer de forma sintética os principais conflitos existentes sobre o cargo de confiança de modo a facilitar a sua instituição, bem como seus principais requisitos.

Em que pese esse tema seja um dos mais discutidos no Judiciário trabalhista, verifica-se que as empresas ainda persistem em criar cargos de confiança sem a devida observação de seus requisitos legais, ensejando, assim, Reclamações Trabalhistas e desgaste para ambos os lados.

Desta forma, referido artigo pretende estabelecer de forma sintética os principais conflitos existentes sobre este tema para facilitar o entendimento dos empresários sobre o que pode ser feito, bem como dos empregados, caso estejam sendo prejudicados no seu trabalho (atual ou anterior).

De acordo com a Constituição Federal, em especial o art. 7º, inciso XIII, são direitos dos trabalhadores a duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais.

Referida jornada pode ser reduzida (como nos casos dos Bancários) ou compensada (como no caso dos Bancos de horas), desde que exista acordo ou convenção coletiva neste sentido.

Além destas 8 (oito) horas diárias, o trabalhador/empregado poderá trabalhar mais 2 (duas) horas por dia, em caráter suplementar, o que se denomina de horas extras, mas que não poderá exceder o limite diário de 10 (dez) horas diárias.

A própria Constituição Federal determina, no inciso XVI do artigo 7º que o valor dessa hora extra nunca poderá ser inferior ao valor da hora normal, acrescido de 50% (cinquenta por cento).

Portanto, a título exemplificativo se o empregado recebe o equivalente a R$ 100,00 (cem reais por hora), sua hora extra nunca poderá ser inferior a R$ 150,00 (cento e cinquenta reais).

Referida previsão, visa compensar o empregado que já exerceu a sua jornada diária e ainda precisa cumprir com as horas extras determinadas pelo empregador, sobrecarregando o seu vigor físico e mental, especialmente se há uma habitualidade nessas horas extras, que deveriam ser realizadas em caráter excepcional.

Neste sentido, a jurisprudência e doutrina já se consolidaram no sentido de que, uma vez habitual a hora extra, o valor destinado a essa hora deverá integrar as demais verbas trabalhistas, como gratificações, férias, 13º salário, descanso semanal remunerado, aviso prévio e FGTS).

Ocorre que a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, possui duas exceções à regra acima quais sejam: (i) os empregados que exercem atividade externa e; (ii) os gerentes, assim entendidos àqueles que possuem cargo de confiança.

De acordo com as exceções acima, não haverá o pagamento de horas extras nestes casos.

Isso porque, no primeiro caso, tratando-se de empregados externos, não haveria fiscalização e controle pelo empregador do horário da jornada sendo impossível verificar se o tempo dedicado seria exclusivo à empresa.

No segundo caso, o afastamento do controle de jornada se daria em razão do cargo exercido pelo empregado, pois se imagina que àquele que possui um cargo de gestão e de confiança não poderia ter os mesmos controle de jornada do que os demais empregados sob seu comando.

Entretanto, existem requisitos a serem observados para a configuração deste cargo de confiança sob pena desta exceção ser posteriormente afastada pela justiça do trabalho, com a consequente condenação do empregador ao pagamento das horas extras como se fosse um empregado regular.

Ainda assim, rotineiramente se verifica que as empresas não atendem esses requisitos, o que importa em verdadeira “burla” a legislação trabalhista, visando evitar o pagamento de horas extras.

Em outras palavras, é comum que as empresas promovam seus funcionários para cargos “chiques” como Gerente Comercial, Gerente Administrativo, Gerente de R.H., Gerente Financeiro, Coordenador de Equipe, dentre tantos outros, visando apenas lhe exigir maior responsabilidade, mas sem a devida compensação financeira exigida em lei, pois ainda que existente, está abaixo do mínimo estabelecido.

De acordo com a CLT, para que se considere a existência do cargo de confiança, o empregador precisa cumprir dois requisitos, obrigatórios e independentes quais sejam: (i) exercer um cargo de gestão e (ii) perceber salário igual ou superior a 40% (quarenta por cento) do salário efetivo, compreendendo a gratificação.

Com relação ao primeiro inciso, não há uma regra para a nomeação do cargo dado pela empresa (se gerente, diretor, coordenador, gestor, etc.), mas apura-se o exercício do cargo pelo empregado. O Importante para a caracterização do cargo de gestão é a autonomia nas decisões importantes a serem tomadas, poder este em que o empregado se substitui ao empregador.

Ocorre que nem sempre é fácil essa definição, em razão das diferentes realidades de cada empresa e da subjetividade intrínseca do termo “cargo de confiança”.

Por esta razão, a jurisprudência tem definido o cargo de confiança como sendo àquele em que o empregado possui autonomia plena, não é subordinado no exercício de sua função e possui poder de mando e gestão (podendo contratar e demitir).

Neste sentido, se uma grande empresa possui vários gerentes de um mesmo departamento ou seção, que prestam contas a um outro gerente titular, terá este o cargo de confiança, vez que é seu o poder de mando e gestão enquanto aqueles são empregados mas sem cargos de gestão plena, portanto, suas horas extras são devidas, conforme pode-se perceber de alguns julgados extraídos dos Tribunais Regionais do Trabalho, abaixo:

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Cargo de Confiança. Horas Extras. O poder de mando, na forma expressa do art. 62 da CLT, com a redação dada pela Lei 8966/94 continua relacionado aos cargos de confiança dos gerentes ou chefes de departamento ou filial. Há, portanto, previsão legal dos requisitos a serem observados para a denotação do cargo de confiança: o exercício de elevada função na empresa, com atribuições de gestão e o padrão salarial auferido, no caso diferença salarial em favor do cargo de confiança não inferior a 40% do salário do cargo efetivo. O fato de o empregado coordenar equipe de trabalho não delimita o exercício de um cargo de confiança, pois não implica comando do próprio empreendimento. Horas extras devidas.

(TRT – 1ª Região – Rel. Des. Marcelo Antero de Carvalho. Processo nº. 0001622-52.2012.5.01.0031 – RTO – 10ª Turma. DJ. 02.04.14).

O fato de ser responsável por um setor, coordenando o trabalho de outros colegas, por si só, não é suficiente para afastar o direito às horas extras. Ademais, a simples denominação do cargo não é suficiente para tipificá-lo como de confiança, até porque todo o contrato de trabalho tem base fiduciária. A prova oral colhida revela que o autor não possuía autonomia e somente o gerente ou diretor da loja tinham poderes para aplicar advertência ou punições aos empregados (...).

(TRT – 4ª Região. Des. Rel. Clóvis Fernando Schuch Santos. Processo nº. 0000031-31.2012.5.04.0012 RO – 5ª Turma. 13.12.12).

A norma do artigo 62 inciso II da Consolidação das Leis do Trabalho não é aplicável no caso em tela, haja vista que funções exercidas pelo reclamante não eram revestidas de qualquer fidúcia capaz de ensejar seu enquadramento nas exceções previstas no artigo supramencionado. A existência de cargo de confiança, como insiste a reclamada, e o sistema de compensação de horas, são incompatíveis entre si. Considerando que a recorrente possui mais de 10 empregados, era obrigação da reclamada efetuar o controle de jornada do reclamante. Como a reclamada não juntou aos autos os cartões de ponto do reclamante para comprovar sua alegação de inexistência do labor em horário extraordinário além daquele remunerado, não haveria sequer possibilidade de elidir a presunção de veracidade da jornada alegada na inicial, por conta do desrespeito a lei.

(TRT – 2ª Região. Rel. Des. Marcelo Freire Gonçalves. Processo nº. 0001747-08.2012.5.02.0026. 12ª Turma. DJ 03.12.15).

O segundo requisito é mais objetivo, se o empregado percebia o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) mensais, aqui definido como o salário efetivo, ao ser promovido para o cargo de gerente, precisa ganhar pelo menos R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais).

Entretanto, ainda assim as empresas realizam essas promoções com aumentos de 15%, 20%, o que concede uma motivação ao empregado, mas viola a legislação trabalhista que exige um mínimo de 40% (quarenta por cento).

Caso isso aconteça (não seja atendido o requisito da diferença salarial), esse empregado fará jus as horas extras caso sua jornada ultrapasse o limite de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais.

Portanto, nas empresas grandes (que existem diversos cargos de gerência), se determinado gerente não ganha um salário (lato sensu) 40% (quarenta por cento) superior ao de seu subordinado, este empregado não está isento das horas extras e essas deverão ser pagas pelo empregador.

Por isso que esse tema é um dos mais recorrentes na Justiça do Trabalho, pois uma vez ocorrendo o desligamento do empregado de sua empresa, este possui o prazo de 2 (dois) anos para ingressar com a Reclamação Trabalhista visando o recebimento de suas verbas trabalhistas indevidamente não pagas pelo empregador.

Essa corrida contra a justiça ocorre porque além do prazo de 2 (dois) anos para o ingresso da ação sob pena de perecimento do direito, o empregado só poderá cobrar essa diferença dos últimos 5 (cinco) anos (contados da data da distribuição da ação).

Uma vez distribuída a Ação, caso se constate a indevida nomeação do cargo de confiança, vez que não houve o cumprimento cumulativo de ambos os seus requisitos, o empregado terá direito ao pagamento de todas as horas extras trabalhadas para a empresa, com o reflexo dessas horas em todas as verbas trabalhistas.

Importante observar ainda, que as empresas que possuem acima de 10 (dez) funcionários tem o dever de controle do horário da jornada (controle de ponto), de modo que sendo comprovada a ausência do cargo de gestão ou do aumento financeiro, caberá a empresa provar a inexistência das horas extras pelo cartão de ponto que, se não for apresentado, importará em confissão ficta do empregador.

Desta forma, pretende este artigo chamar a atenção dos empregadores e dos empregados de referidos cargos, para que verifiquem o efetivo cumprimento da legislação trabalhista, visando evitar a ocorrência de Reclamações Trabalhistas ou para que postulem judicialmente a regular compensação das horas extras indevidamente suprimidas. 

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Sobre o autor
Bruno Molina Meles

Advogado e Contador. Titular do escritório Bruno Molina Sociedade Individual de Advocacia. Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Pós Graduado em Direito Digital.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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