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Jus postulandi e honorários advocatícios na Justiça do Trabalho

11/08/2004 às 00:00
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O jus postulandi não afasta o direito do advogado que atua na defesa do trabalhador sem credencial sindical nos autos da ação trabalhista de receber os respectivos honorários.

Sempre me intrigou, porque não me convence, o argumento de que, prevalecendo, na Justiça do Trabalho, o jus postulandi, afastado é princípio da sucumbência por incompatibilidade entre os institutos e, então, o advogado do reclamante que não detiver credencial sindical nos autos da ação trabalhista não tem direito a receber honorários advocatícios.

A Justiça do Trabalho é, seguramente, a mais próxima do povo. O instituto da justiça gratuita garante o amplo acesso do trabalhador ao Poder Judiciário. Na Justiça do Trabalho, a Justiça Gratuita da Lei 1060/50 ("JG") foi especializada para a Assistência Judiciária Gratuita ("AJG"), regulada na Lei 5584/70, e ambos os institutos não se excluem, nem mesmo dentro da ação trabalhista. A "AJG", embora diferente da Justiça Gratuita da Lei 1060/50, nela tem sua origem. E a gênese das duas aponta para o cumprimento do princípio constitucional do amplo acesso de qualquer pessoa ao Poder Judiciário, no caso, do trabalhador à Justiça do Trabalho.

A Lei 5584/70, por regular o processo do trabalho e o instituto da "AJG", regras concernentes a direitos trabalhistas, nos artigos 14 a 16 dita o caminho de acesso ao trabalhador: antes de tudo ele deve buscar o sindicato da sua categoria, para dele receber orientações – geralmente por intermédio de um departamento jurídico –, compreender suas angústias trabalhistas ou mesmo buscar os seus direitos na Justiça. É um caminho natural, pois evidente que o legislador pretendeu o fortalecimento dos sindicatos, especialmente o dos trabalhadores, determinando-lhes o dever de prestar assistência jurídica aos seus associados e também às categorias que representam. Para cumprir esse papel, o sindicato dá uma carta que credencia seus advogados irem à Justiça do Trabalho, manejar a ação em defesa do trabalhador, que, se vencedor ou mesmo parcialmente vencedor da causa, garante o pagamento dos honorários advocatícios, não superiores a 15% do valor obtido na ação e que necessariamente devem ir para o caixa do sindicato.

No caso do trabalhador passar procuração a advogado não vinculado ao seu sindicato, este não deterá a credencial sindical. Pela ausência do mencionado documento no processo, segundo entendimento jurisprudencial dominante, a regra é que o patrono não receberá honorários se ganhar a causa. Portanto, quem deverá pagá-lo é quem o contratou, afinal, advogado também é um trabalhador. Nessa esteira, de antemão afirmo as idéias que adiante explicitarei que, mais uma vez, o trabalhador é premido pelas condições do mercado. Por outro lado, forma-se uma via quase que obrigatória dentro do mercado da advocacia privada, premiando-se aos advogados que atuam com a carta conferida pelo sindicato uma fatia privilegiada do mercado, já que estarão aptos a receberem honorários advocatícios.

Veja-se, a questão é complexa e vai fazer saltar faíscas para todos os lados. Contudo, já é tempo de se tocar no assunto, pois há muito arrefeceu saudável controvérsia, com o advento do entendimento sumulado no Enunciado 329 do TST, ratificado, aqui na 4ª Região, pelo Enunciado 20, com o seguinte teor: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. Na Justiça do Trabalho, somente a assistência judiciária prestada pelo sindicato representante da categoria a que pertence o trabalhador necessitado enseja o direito à percepção de honorários advocatícios, nos termos da Lei 5584/70, artigos 14 a 16, no percentual nunca superior a 15%". E com base nesse respeitável entendimento, os advogados cansaram de pedir o que lhes é devido por direito.

Primeiro de tudo: o amplo acesso ao Poder Judiciário pelo hipossuficiente social, o trabalhador, está fora de qualquer ataque. É assim e deve ser mantido assim por intermédio de ação positiva, que é a gratuidade de acesso e de manejo do processo, pelo instituto da Justiça Gratuita. Todo aquele que declarar não possuir condições econômicas de demandar em juízo sem prejuízo do seu sustento ou do sustento de sua família tem o direito de submeter sua ação ao Poder Judiciário e de obter essa prestação jurisdicional, tanto quanto alguém que tem condições econômicas para pagar. Estamos a falar de pessoas físicas e não jurídicas. E, evidente, um trabalhador que tem no salário sua fonte de subsistência não pode dispor de dinheiro para recolher custas prévias, calculadas com base no valor estimado da causa para, então, poder receber do Juiz a prestação jurisdicional, ainda mais porque, quando acessa a Justiça do Trabalho, de regra, o contrato já está rompido... muitas vezes o trabalhador sequer recebeu as parcelas da rescisão contratual, está buscando o pagamento de direitos de natureza alimentícia. Qualificado está o trabalhador como ‘necessitado’, quesito lançado no entendimento sumulado antes apontado. O direito de ação é direito individual subjetivo e é dever do Estado concedê-lo da mais ampla forma a todo o cidadão brasileiro, especialmente aqueles que, numa relação de poder (capital x trabalho) são os que dizem ‘amém’. Portanto, o instituto da gratuidade da justiça é a base para o acesso ao Poder Judiciário.

Segundo aspecto: ações afirmativas. De recente denominação na doutrina constitucional, as ações afirmativas são aquelas que buscam fazer a diferença para os diferentes. Antes mesmo da ordem constitucional em vigor (Carta de 1988), o Direito do Trabalho já intuía a necessidade de afirmar seus princípios por institutos positivos, sendo um deles, a gratuidade de acesso à jurisdição, pelo trabalhador. Ao trabalhador-autor de processo trabalhista e que ao abrigo da justiça gratuita não se atribui o pagamento de custas, honorários, seja de advogado, seja de perito ou de contador, e emolumentos. A idéia fundante é a proteção em virtude da sua evidente hipossuficiência econômica. Note-se, o trabalhador está numa condição de desequilíbrio tal na relação de poder que não apenas se encontra vulnerável, mas totalmente submisso ao poder do capital. Então, evidente que o ordenamento jurídico de caráter protetivo receba a inconformidade dos pequenos de forma ampla e assim crie institutos que facilitem o acesso aos órgãos da Justiça, retirando-lhe os ônus das custas, emolumentos, encargos de perícias e diligências e honorários advocatícios.

Terceiro aspecto: De tudo é importante se perceber que o sistema, mesmo que relacionado à Justiça, está inserido num mercado de orientação capitalista. O próprio Estado se amolda aos comandos do mercado, os brasileiros vivemos isso todo o dia; é lamentável, porque deveria ser o contrário, mas... a Justiça do Trabalho, porque órgão do Estado que atende a conflitos de um dos fenômenos sociais mais relevantes, a luta entre o capital e o trabalho, também interage com o mercado. O modelo da Especializada não é apenas um ideário de Justiça social, firmador de paz social, mas também um ideário de um mercado capitalista. Para ele confluem interesses econômicos do mais fraco, do mais forte, do mediano, enfim, de todo grau de tamanho de sujeitos trabalhadores e empreendedores de atividade econômica. E ao redor disso estão os operadores do direito: os advogados, os servidores e os Juízes, com uma relevante diferença: os que são agentes do Estado – os Magistrados e os Servidores –, estão a prestar serviço público, cujo objetivo é apenas a prestação de serviço público eficiente. Os advogados são integrantes da área privada, desenvolvem sua atividade também como trabalhadores do sistema, e a par de desempenharem importante papel na defesa da cidadania, visam lucro.

Este mesmo mercado, onde se arriscam a empreender vários agentes, está privilegiando a alguns advogados, por seu próprio sistema jurisdicional como montado, o direito aos honorários, e, vedando, aos advogados que não detém credencial sindical, a percepção dos mesmos honorários. Para isso utiliza a fórmula do jus postulandi: ‘se o trabalhador não buscar o sindicato de sua categoria, vamos aceitar discutir com ele seus direitos se ele comparecer sozinho perante a Justiça do Trabalho’, eis o mercado ditando regras. Como ficará o trabalhador desassistido, sozinho perante seu ex-empregador, desacompanhado de advogado? Simplesmente sozinho. E reduzido a pó, sem qualquer poder de barganha. O servidor que o atenderá quando ele vier exercer seu jus postulandi apenas poderá redigir sua reclamação como ele assim disser, não poderá "construir" teses jurídicas e dali tirar pedidos em razão dos fatos que esse mesmo trabalhador relata. O Juiz, muito menos, é a parte imparcial e acima das partes, jamais orientaria qualquer postulação. O Ministério Público do Trabalho é fiscal da lei, atua no interesse de menores e entes públicos, não poderia substituir o nosso amigo trabalhador numa reclamação individual.

Mesmo que afirmado pelo Supremo Tribunal Federal que o jus postulandi prevalece em vigor após a Constituição de 1988, dele não se extrai qualquer operabilidade na jurisdição trabalhista. É da natureza do Direito, enquanto ciência, se materializar na vida, acontecer no plano da realidade, operar, agir, se manifestar, produzir efeitos. Direito que não se executa – já dizia Jhering – "é como chama que não aquece, como luz que não ilumina". Assim, o jus postulandi na esfera de jurisdição trabalhista, só existe no papel, não se realiza na prática. Pode, um trabalhador, premido por sua situação econômica, sem conhecimento das práxis legais, "operar" o direito? Temos visto que não. Então o trabalhador que quer reclamar seus direitos sozinho efetivamente estará sozinho, a menos que vá buscar o sindicato de sua categoria e se submeta a "contratar" com os advogados do seu departamento jurídico. Mas pode ser que ele não seja sindicalizado, pode ser que ele não queira, pode ser que tenha de esperar algum tempo nas filas do sindicato e tenha pressa, pode ser que tenha confiança num determinado advogado que não pertence ao sindicato... em nome da sua liberdade individual – expressão do valor maior da dignidade humana –, o trabalhador tem todo o direito de contratar por sua livre e espontânea vontade com o advogado que quiser.

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Quarto ponto: não se diferencia a atividade do advogado que detém credencial sindical daquela feita por advogado que não detém a credencial sindical no manejo de uma ação trabalhista. Ambos detém as mesmas responsabilidades e prerrogativas profissionais, estando sujeitos ao mesmo Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94). Pode ser – e isso é fato, dado o caráter personalíssimo da prestação da atividade – que um atue com melhor qualidade técnica que o outro. No entanto, por certo não é a credencial sindical que vai conferir esse caráter de qualificação ao advogado do autor, a ponto de só por isso ser remunerado pelos seus préstimos profissionais como mandatário. Sob esse enfoque, o supra princípio da isonomia impediria qualquer diferenciação.

Na verdade, a Lei 5584/70 determina que os honorários assistenciais sejam revertidos em favor do sindicato que passou a credencial e não ao advogado nela inscrito que atuou na ação. Eis o grande diferencial. O caráter discriminatório do instituto reside num critério político, para o fortalecimento da atuação dos sindicatos dos trabalhadores, vindo a premiar o seu departamento jurídico, que atua na defesa do interesse dos trabalhadores. Mas também é certo que a Constituição da República proclama o princípio da liberdade de associação, tratando-o como direito fundamental. Então o trabalhador pode escolher se quer se associar a sindicato, ou não. Desse princípio emana, a contrario sensu, o dever de respeito àqueles que não querem se filiar ao sindicato. Veja-se, estamos diante de rota de colisão de princípios constitucionais, os quais não se excluem, antes, à luz do tema, me parece que a liberdade de expressão individual deve prevalecer, até porque é dela que nasce qualquer associação. Penso que conferir-se ao sindicato de classe, ainda que por vias transversas, o monopólio das ações trabalhistas afronta o princípio da liberdade individual de expressão e, conseqüentemente, transfere ao trabalhador que busca advogado fora do corpo jurídico sindical, ônus que não é razoável para um trabalhador que precisa acessar o Poder Judiciário, causando, também, desequilíbrio na ordem econômica por limitar parcela do mercado. Isso porque, se a ação vingar procedente, ainda que parcialmente, dos seus créditos é que terá que sair o dinheiro para pagamento do seu advogado contratado, ressalvadas outras formas de contratação. Mas se detivesse a credencial sindical nos autos do processo, os honorários assistenciais serviriam de base de incidência do percentual habitual de 15%, compondo a conta de liquidação a cargo do vencido na ação. Portanto, da comparação dessas duas situações é que emerge a incongruência do sistema: sendo ambos trabalhadores, ambos sujeitos mais fracos na relação de direito material, independente de qual advogado os assista, qual o motivo para "desigualar" no item dos honorários do assistenciais, se estamos a tratar de iguais??? A Constituição da República responde: não há motivo jurídico para tal distinção, artigos 5º e 133. E o critério político que penso seja o ponto da diferenciação, o de fortalecimento do sindicato, não seria atingido, nem mesmo excluído, na medida em que o advogado detentor de credencial sindical continuaria a perceber os honorários em nome do sindicato. O único motivo justificável que me parece razoável é o sutil comando do mercado capitalista, nesse filão de atividade econômica, privilegiando uns em detrimento de outros.

Resta saber se o Poder Judiciário, especialmente os Magistrados do Trabalho, manterão o que considero distorção, escudados na tese do "jus postulandi". Se há incompatibilidade no sistema esta se encontra no direito do advogado atuando na defesa do trabalhador sem a credencial sindical e o advogado atuando sob o manto da credencial sindical. O ‘advogado-sem-credencial’ também é um trabalhador, e que por isso tem o direito à remuneração pelos serviços prestados, tanto quanto o advogado do sindicato, incluindo-se seus honorários na conta de liquidação a cargo do vencido. O que quero focar com amplas luzes é o encargo que o sistema está transferindo ao trabalhador que, em nome da sua liberdade individual, busca defesa por intermédio de advogado da iniciativa privada.

Atrevo-me a oferecer duas opiniões alternativas: ou todos os sindicatos distribuem credenciais sindicais a todos os advogados que patrocinam a defesa dos trabalhadores, quer associados ao sindicato, que não associados, independente deste advogado estar vinculado ao seu corpo jurídico ou, então, que se admita que o jus postulandi é inoperante, instituto sem utilização prática e, assim, os Juízes do Trabalho possam invocar o princípio fundante da isonomia, corretor de desigualdades sociais para condenar, na sentença, em honorários advocatícios para todos os advogados na defesa dos trabalhadores, mantendo-se o percentual habitualmente utilizado na Especializada (até 15%).

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Sobre a autora
Gisela Andréia Silvestrin

servidora pública no TRT da 4ª Região (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVESTRIN, Gisela Andréia. Jus postulandi e honorários advocatícios na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 400, 11 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5581. Acesso em: 22 nov. 2024.

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