A origem da pena e a execução da lei penal

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Esse artigo teve a pretensão de refletir sobre as penas e a execução penal brasileira em contrapartida com o livro Vigiar e Punir. Como era a punição descrita por Foucault e como está atualmente. A punição criminal, havendo lesão social, é aplicada sempre

          

INTRODUÇÃO

Descrever as penas é laborar um assunto de constante entrave entre os indivíduos, pois o que se percebe é uma grande parcela da sociedade, amedrontada pelo elevado índice de criminalidade, induz-se com discursos políticos cujo pensamento retrata ideais em tom de clamor da "defesa da sociedade" a qualquer custo. E com isso presencia-se ideias sobre a implantação da pena de morte no país, ou outras espécies de penas tais como a perpétua, traduzindo um retrocesso aos tempos remotos da aplicação dos esquartejamentos e mutilações como legítima sanção penal.

1. PENA E PUNIÇÃO

                        A origem da pena é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto a História da Humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situá-la em suas origens. (BITENCOURT: 2009, p. 469)

Para Foucault (2009, p. 14) a pena na França, por exemplo, foi até 1831, ela foi finalmente abolida em abril de 1848. Isso para não mais fazer do suplicado um objeto de piedade e de admiração. Torna-se pouco glorioso punir. A execução da pena vai-se tornando um setor autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça, que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena.

A vida social exige que se disciplinem as ações de seus partícipes, buscando-se manter a convivência entre eles através da ordem jurídica, onde reconhecem-se direitos, mas também impõem-se obrigações.

Esse “reformatório” integral prescreve uma recodificação da existência bem diferente da pura privação jurídica de liberdade e bem diferente também da simples mecânica de representação com que sonhavam os reformadores na época da Ideologia. (Foucault: 2009, p. 222)

A punição criminal, havendo lesão social, é aplicada sempre, com finalidade social, visando à pacificação (equilíbrio social), sempre, também, quando o exigir o interesse e a finalidade sociais. A pena, dessa forma, tem um fundamento político, que é a garantia da paz social. (BITENCOURT: 2009)

Pena é a perda de bens jurídicos – da vida, da liberdade e do patrimônio – imposta pelo órgão da Justiça a quem comete crime, sanção essa de essência retributiva, pois opera causando um mal ao transgressor, e somente a ele, atendendo-se ao princípio da personalidade (CF 5º, XLV). (Luz: 2000, p 44)

Calcular uma pena em função não do crime, mas de sua possível repetição. Visar não à ofensa passada, mas à desordem futura. Fazer de tal modo que o malfeitor não possa ter vontade de recomeçar, nem possibilidades de ter imitadores. Punir será então uma arte dos efeitos; mais que opor a enormidade da pena à enormidade da falta, é preciso ajustar uma à outra as duas séries que seguem o crime: seus próprios efeitos e os da pena. (FOUCAULT: 2009, p.78)

           

1.1 Teorias Absolutas

Também chamadas retribucionistas ou da retribuição, as teorias absolutas consideram que a pena tem finalidade absoluta de realização da Justiça.

Mesmo que a pena alcance outros objetivos – como o de punir com justiça o infrator, de afastar dessa idéia, outros membros da sociedade e de servir também para que o infrator se emende – isso não import. O que é importante é retribuir o mal praticado com o mal.

1.2 Teorias relativas

A teoria relativa preconiza a pena como uma medida prática a fim de impedir a prática delituosa. Descarte, pode-se dividir essa teoria em duas, cada qual considerando um dos aspectos da prevenção ao crime. A teoria da prevenção geral estabelece que o principal efeito, assim como o principal fim da pena , é a inibição que esta causa sobre a generalidade dos cidadãos. A pena, então, deve intimidar e incutir o medo nas pessoas. (Luz: 2000, p. 52)

Outro aspecto da teoria relativa é a prevenção especial através da pena. Em relação à prevenção geral, visa a impedir a ação criminosa mediante uma atuação dirigida ao apenado. Tal escopo é perseguido pela intimidação do delinquente ocasional, reeducação do criminoso habitual corrigível, ou tornando inofensivo aquele que demonstra ser incorrigível.

A prevenção geral negativa sustenta o efeito dissuasório ou intimidativo da pena em relação ao infrator potencial, isto é, a pena, só pela sua existência, já intimidaria as pessoas, já constituiria uma ameaça preventiva. Esta teoria não conta com bases empíricas irrefutáveis e é muito criticada.

A teoria funcionalista da prevenção geral positiva (chamada também teoria da prevenção-integração) vê na pena a atualização da vigência e a confirmação das normas e dos valores do ordenamento jurídico; crê, ademais que a norma penal pode motivar as pessoas a atuarem de acordo como direito, na medida em que depositam confiança no funcionamento do sistema. (Luz: 2000, p. 53)

1.3 Teorias Mistas

Para as teorias mistas, a pena tem duas razões: a retribuição, manifestada através de castigo, e a prevenção, como instrumento de defesa da sociedade.

O fim principal da pena não poderia ser outro senão a retribuição como reação contra o delito, expressada através da expiação ou da vingança, ressaltando, no entanto, que a pena tinha um fim secundário, acessório, que consistia na prevenção especial, de impedir que o réu voltasse a delinquir.

Em realidade, a pena, só se justifica, se tiver por objetivo evitar o cometimento de novos crimes, ressocializando o criminoso. O punir por punir em obediência cega a um dogmatismo ético não tem mais sentido. O castigar porque errou, o retribuir o mal pelo mal, num disfarçado talião moderno, não passa de sentimento inato de vingança que ainda se esconde na parte mais recôndita da entranha dos homens. (Luz: 2000, p. 54)

A detenção penal deve ter por função essencial a transformação do comportamento do indivíduo, a recuperação do condenado como objetivo principal da pena é um princípio sagrado cuja aparição formal no campo da ciência e principalmente no da legislação é bem recente, a pena privativa de liberdade tem como objetivo principal a recuperação e a reclassificação social do condenado. (Foucault: 2009, p. 255)

O que acontece com a prisão do indivíduo, geralmente, é a desestruturação familiar, o desamparo econômico que conduz, frequentemente, a esposa (ou companheira) e filhos a iniciarem uma vida criminosa, as inúmeras e dispensáveis humilhações por que passam as visitas, constituem situações dolorosas para a família.

Esse isolamento dos presos do mundo exterior, naturalmente, põe os laços familiares e as amizades sob pressão e favorece, assim, a perda de contato e a ruptura de relacionamentos. Além do efeito adverso que esse isolamento exerce sobre o bem-estar psicológico dos detentos, também prejudica na futura readaptação ao convívio em sociedade.

Desde o primeiro momento da prisão, o detento é submetido a um tratamento em que vai perdendo, gradativamente, sua individualidade.

A ruptura de laços familiares e outros vínculos humanos, a convivência promíscua e anormal da prisão, o homossexualismo não escolhido, mas forçado, são fatores que em nada ajudam a integração do ser. Por isso o que se observa, em toda parte, é que a prisão exerce um efeito devastador sobre a personalidade, reforça valores negativos, cria e agrava distúrbios de conduta. O isolamento forçado, o controle total da pessoa do preso não podem constituir treinamento para a vida livre posterior ao cárcere. (Luz: 2000, p. 104)

2.  EXECUÇÃO DA LEI PENAL

De acordo com Foucault (2009, p. 206) de uma maneira global, pode-se dizer que as disciplinas asseguram a ordenação das multiplicidades humanas e tentam definir em relação a elas uma tática de poder que responde a três critérios: tornar o exercício do poder menos custoso, fazer com que os efeitos desse poder seja levado ao seu máximo e ligar esse crescimento econômico do poder com esse maior rendimento. Enfim, fazer crescer a docilidade e utilidade de todos os elementos do sistema das disciplinas. Esse triplo objetivo apenas responde à grande explosão demográfica do século XVIII e ao crescimento do aparelho de produção.

Dispõe o artigo 1º da Lei 7.210 que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (SILVA; BOSCHI: p. 20)

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A LEP buscou objetivar, dicotomicamente, a execução da pena, segundo as disposições da sentença criminal, e a ressocialização do condenado e do internado, proporcionando-lhes os meios necessários e indispensáveis.

O primeiro dispositivo da Lei de Execução Penal reside no tratamento penitenciário, ou seja, quer o legislador a correta aplicação dos mandamentos contidos nas sentenças e decisões criminais, ofertando aos apenados e internos os meios necessários a uma futura participação construtiva na comunidade social. Tais meios defluem de um tratamento penitenciário especializado, que decorrem de uma organização penitenciária eficiente, especialmente com a participação de servidores com formação dirigida à consecução da reeducação e reintegração social do preso ou interno. (SILVA; BOSCHI: p. 20)

Ao condenado e ao interno serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela Lei (art. 3º, da Lei de Execução Penal). Afastados o direito à liberdade, cerceado pela sentença ou despacho criminal, os direitos políticos, também suspensos pelo ato decisório, todos os demais estão garantidos pela lei.

O encarceramento que a realiza sempre comportou um projeto técnico. Retornando ao tema do suplício, aos exemplos de execuções feitas na França.Análise da necessidade de romper com esses ritos públicos, de transpor a condenação ao âmbito do pudor administrativo. [...] Ora, o que foi adotado, em julho de 1837, para substituir a cadeia, não foi a simples carroça coberta de que se falara um momento, mas uma máquina bem cuidadosamente elaborada. Uma carruagem concebida como prisão ambulante. Um equivalente móvel do Panóptico. (Foucault: 2009, p. 246-249)

           

Em obediência aos direitos fundamentais do ser humano e diante do princípio da isonomia, parte da nossa tradição, a lei proíbe qualquer distinção entre os presos por questões de natureza racial, social, religiosa ou política (parágrafo único do art. 3º da LEP).

Art. 3º - Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único - Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. (Brasil)

O Estado, por mais aparelhado que se o pudesse imaginar, não teria condições de concretizar um programa destinado ao enfrentamento de problemas referentes ao delito, ao delinquente e à pena, sem a participação indispensável da comunidade.

Art. 4º - O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

AS penas e punição são temas debatido com frequência entre aqueles que laboram no sistema penitenciário, desde o mais humilde funcionário da justiça criminal até a mais alta autoridade.

O fundamental não é a construção de mais presídios, mas sim a de usar a prisão ou a pena privativa de liberdade com mais racionalidade, ou seja, como ultima ratio das medidas repressivas estatais.

O objetivo é buscar uma pena de prisão que passa a cumprir um papel secundário, servindo de pano de fundo, de ameaça, de intimidação para o futuro infrator, ou para aqueles que estão submetidos a uma pena alternativa, ensejando a expectativa da verdadeira ressocialização do delinquente, na medida em que ele pode responsavelmente participar da escolha da melhor resposta ao delito.

Entende-se que muitas prisões não são boas e úteis para a reabilitação do apenado. No entanto, tendo em vista que a abolição da instituição prisional é uma utopia e longe de se apresentar efetivamente como melhor solução para a problemática, deve-se atentar realmente para a adoção de uma séria política de redução drástica da aplicação da pena de prisão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

FOULCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

LUZ, ORANDIR TEIXEIRA. Aplicação de penas alternativas, Goiânia: AB, 2000.

SILVA, Odir Odilon Pinto da; BOSCHI, José Antonio Paganella. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: AIDE, 1986.

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Sobre a autora
Bruna Karoline Resende Ricardo

Estudante de Direito Pós Graduanda em Direito Penal e Processo Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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