Via processual típica adequada para a defesa dos sócios frente à desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução por título extrajudicial

17/02/2017 às 18:47
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O presente artigo debruça-se em apontar qual o meio mais adequado para defesa dos sócios após desconsideração da personalidade jurídica, em processo de execução por título extrajudicial.

INTRODUÇÃO

 

O Novo Código de Processo Civil trouxe o incidente de desconsideração da personalidade jurídica como mecanismo apto para punir sócios infratores que se utilizam de pessoas jurídicas para a prática de atos fraudulentos, buscando proteção na limitação de responsabilidade de seus integrantes.

Por outro lado, o Novo Código de Ritos deixou de ressaltar a forma processual para a defesa dos sócios, nos fólios do processo de execução após ser desconsiderada a personalidade jurídica. Dessa forma, cria-se dúvida razoável no mundo jurídico acerca de qual seja a guisa mais adequada para defesa dos sócios.

Parte da doutrina defende que os sócios possuem responsabilidade secundária e, por não serem parte no processo, devem apresentar embargos de terceiro. Doutra banda, a quem advogue que após a desconsideração da personalidade jurídica, forma-se um litisconsórcio passivo ulterior, devendo, portanto, os sócios apresentarem embargos à execução.

Insta salientar que este artigo não possui um condão extensivo, tratando-se apenas de um estudo aprofundado e de certa maneira simplificado para uma melhor absolvição do conteúdo. Tem-se, pois, a finalidade de contribuir para a segurança jurídica e melhoria da prática forense.

 

I - PESSOA JURÍDICA

 

O homem por natureza é um ser social que busca, na formação de agrupamentos, força para atingir seus propósitos, pelo fato de ser muito difícil alcança-los sozinho.

Porém, o homem viu a necessidade de imprimir capacidade jurídica própria para essas agremiações dando personificação a esses entes abstratos, com vontades, interesses, direitos e deveres próprios. Contudo, não bastava apenas a manifestação de vontade de um só membro, mas de todos. Como ensina o doutrinador Sílvio de Salvo Venosa (2016, p. 244):

 

“[...] não basta a simples aglomeração ou união de pessoas para que surja uma pessoa desvinculada da vontade e da autonomia de seus próprios membros. É imprescindível a vinculação psíquica entre os que constituem a pessoa jurídica para que esta assim seja considerada. É essa vinculação jurídica entre as pessoas, entre seus membros, que imprime unidade orgânica ao ente criado.”

 

O antigo Direito Romano permitia livremente a criação de pessoa jurídica. Atualmente, a simples manifestação de vontade dos membros do ente coletivo não basta para a sua constituição, pois se faz necessária a junção de três requisitos cumulativos indispensáveis, quais sejam a reunião de pessoas ou bens, a legalidade de propósitos ou fins, e a capacidade jurídica ser reconhecida por lei. Conforme expõe a professora Maria Helena Diniz (2012, p. 264), “Três são os requisitos: organização de pessoas ou de bens; liceidade de propósitos ou fins; e capacidade jurídica reconhecida por norma.”.

Ademais, é importante trazer à baila que no nosso ordenamento pessoa jurídica só se torna apta a ser sujeita de direitos e deveres com a aquisição da personalidade após sua inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (Art. 45 e Art. 1.150, do Código Civil), vejamos:

 

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, percebida, quando necessário, de autorização ou aprovação do poder executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

 

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

Esquadrinha-se ainda que, a personificação do ente coletivo o torna não só sujeito de direitos e deveres, mas participante do ordenamento jurídico, com autonomia e responsabilidade própria, de acordo com o art. 795, caput do Código de Processo Civil: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.”.

Perquire-se então que o seu efeito principal é a autonomia patrimonial, pois proporciona aos seus membros maior segurança patrimonial para suas empreitadas. No mesmo sentido, Fabio Ulhoa Coelho (2010. p. 16) demonstra: “Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário.”.

 

II - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

Sabe-se que após a personificação do ente abstrato coletivo, a divisão patrimonial se torna obrigatória, conforme preconiza o princípio da separação patrimonial. Todavia, esse privilégio foi e é gozado por muitos como uma forma de praticar atos fraudulentos, sem ser responsabilizado pessoalmente.

Fabio Ulhoa Coelho (2010, p. 34) também ressalta tal possibilidade: “Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra credores ou mesmo abuso de direito.”.

À vista disso, o Direito Inglês levantou o postulado pela teoria da desconsideração, conforme constatamos na obra de Fabio Ulhoa Coelho (2010, pág.50) “O direito inglês foi o primeiro a ostentar norma jurídica cujo comando corresponde ao postulado pela teoria da desconsideração.”. Mas, o seu objetivo era excluir o privilégio da limitação da responsabilidade, como constata Fredie Didie Jr. (2015, p. 516):

 

Assim, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não surgiu por conta do "mau uso" da pessoa jurídica; ela emergiu como um instrumento destinado a suprimir o privilégio da limitação da responsabilidade em determinados contextos.

 

Porém, foi Rubens Requião que trouxe ao Brasil o instituto da Disregard Doctrine, quando ainda estava em vigor o Código Civil de 1916 e que, por sua vez, não tratava sobre tal fenômeno.

A partir daí a legislação pátria iniciou paulatina a construção da teoria em testilha, trazendo ao Código Civil de 2002 a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, conforme preconiza o artigo 50, vejamos:

 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

 

Insta ressaltar que o Enunciado nº. 51 da Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu vulto a desconsideração tratada no art. 50 do Código Civil, não excluindo as nuances trazidas pelos microssistemas legais, como observamos a seguir:

 

Art. 51: a Teoria da desconsideração da personalidade jurídica disregard doctrine fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

 

Cogente é trazer ao certame que a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica não é desconstituir o ente personificado, mas possibilitar a responsabilização dos sócios que incorram na malversação da pessoa jurídica, afastando a divisão patrimonial existente entre os sócios e o ente coletivo personificado. Obviamente, faz-se necessário comprovar de forma cabal que os sócios se utilizam do manto societário para praticar fraudes, agir desonestamente e abusar do direito.

Há de se frisar que a desconsideração da personalidade jurídica é uma medida que excepciona à regra, pois os entes coletivos personificados regem-se pelo princípio da separação patrimonial, para que não haja confusão patrimonial da pessoa jurídica e de seus membros. No entanto, se a autonomia patrimonial da sociedade não constituir obstáculo à responsabilização dos sócios, não há de se falar em desconsideração como ensina Fredie Didie Jr. (2015, p. 518):

 

Aplica-se a teoria da desconsideração, apenas, se a personalidade jurídica autônoma da sociedade empresária colocar-se como obstáculo à justa composição dos interesses; se a autonomia patrimonial da sociedade não impedir a imputação de responsabilidade ao sócio ou administrador, não existe desconsideração. Uma regra geral que atribua responsabilidade ao sócio, em certos ou em todos os casos, não é regra de desconsideração da personalidade jurídica.

 

Atualmente, a teoria em testilha se encontra prevista em alguns normativos, como o art. 28 da Lei nº 8.098/90 (Código de Defesa do Consumidor), Lei Antitruste (art.18 da Lei 8.884/94), Lei do Meio Ambiente (art. 4º da lei 8.078/90) etc., sendo sedimentada pelo Código Civil de 2002 conforme foi demonstrado acima.

 

III - INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL

 

Embora o ordenamento jurídico pátrio tenha normatizado a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, por longo tempo gerou-se uma problemática doutrinária acerca de qual seja a forma processual adequada a sua efetivação, vindo a ser pacificada somente com a vigência do Novo Código de Processo Civil que criou incidente próprio para tal finalidade.

O artigo 795, § 4º do Novo Código de Processo Civil estabelece a obrigatoriedade de observância do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no Código, dispensando tão somente o incidente se a desconsideração for requerida na petição inicial como preceitua o art. 134, § 2º, do CPC, hipótese essa que será citado o sócio ou a pessoa jurídica, como leciona Daniel Amorim Assumpção das Neves (2016, p. 316):

 

[...] a instauração do incidente será dispensada se o pedido de desconsideração da personalidade jurídica for requerido na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. Nesse caso, o Enunciado 248 do Fórum Permanente de processualistas civis (FPPC) indica que “incumbe ao sócio ou à pessoa jurídica na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos de causa.

 

O Código de Processo Civil prevê expressamente, no seu art. 133, caput, que a desconsideração da personalidade jurídica depende de pedido da parte ou do Ministério Público, não sendo admitido quando este atuar no processo como fiscal da ordem jurídica. Nesse diapasão se posiciona Daniel Amorim Assumpção das Neves (2016, p. 309): “A legitimidade do Ministério Público, apesar de o artigo ora mencionado sugerir ser ampla, não havendo sentido em se admitir tal pedido quando funciona no processo como fiscal da ordem jurídica.”.

A instauração do incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica deve conter fundamentação e pedido de desconsideração e penhora dos bens dos sócios, não sendo necessário apresentar prova pré-constituída, como explica Daniel Amorim Assumpção das Neves (2016, p. 310):

 

“[...] deve-se compreender o § 4º, do art. 134 do Novo CPC, que não foi feliz em prever que no requerimento cabe a parte demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais para a desconsideração, o que pode passar a equivocada impressão de que o requerente terá que apresentar prova pré-constituída e liminarmente demonstrar o cabimento da desconsideração.”.

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Após a instauração do incidente de desconsideração nos fólios do processo de execução por título extrajudicial, conforme preconiza do art. 134, do CPC, será imediatamente comunicado ao distribuidor para realizar as anotações devidas (art. 134, § 1º, do CPC), suspendendo o processo de execução.

 

IV –FORMA DE DEFESA DOS SÓCIOS NO PROCESSO DE EXECUÇÃO POR TÍTULO EXECUTIVO ESTRAJUDICIAL

           

O Novo Código de Processo Civil não trouxe de forma expressa qual seja o meio de defesa dos sócios após a desconsideração da personalidade jurídica, visto que este é uma problemática que enseja bastante celeuma na prática forense.

É cediço que diante do princípio da separação patrimonial os sócios possuem responsabilidade secundária e excepcional, recaindo, portanto, a responsabilidade principal na pessoa jurídica, conforme ensina o art. 795, caput do Novo CPC: “Art. 795. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei.”.

Nessa mesma linha se posiciona Humberto Theodoro Júnior (2016, p. 300), vejamos: 

 

A responsabilidade da sociedade é sempre principal; e a dos sócios, quando existente, é sempre subsidiária. Ainda que se trate do chamado sócio solidário, “em primeiro lugar deve ser executado quem contratou: a sociedade”. Só se a execução ficar frustrada é que caberá a excussão dos bens particulares dos sócios. (GRIFO NOSSO)

 

Desta forma, como os sócios não possuem responsabilidade principal não há de se argumentar que eles compõem o polo passivo da cobrança judicial, vez que a responsabilidade é excepcional.

Por outro lado, há quem argumente que após a citação dos sócios forma-se litisconsórcio passivo ulterior, sendo, consequentemente, legitimados para compor o passivo da demanda. Nessa mesma linha Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 313) se posiciona:

 

“[...] considero que todos os responsáveis patrimoniais secundários, ao terem bem de seu patrimônio constrito em processo alheio, automaticamente passam a ter legitimidade passiva, e, uma vez sendo citados ou integrando-se voluntariamente ao processo, formarão um litisconsórcio passivo ulterior com o devedor. [...]”. (GRIFO NOSSO).

 

Dessa forma, instala-se a problemática: qual a forma processual típica para a defesa dos sócios? Será embargos de terceiro ou embargos à execução? A resposta está no sócio que exerce poder de gerência ou que incorreram para a prática de ato irregular, como constata o Enunciado nº. 7 da Jornada de Direito Civil realizada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), adiante: “7. Art. 50. Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.”.

Perquire-se então que o sócio-gerente por ter o dever de vigilância não é parte legitima para propor embargos de terceiro, tampouco aqueles que tenha incorrido para as práticas irregulares, pois ocorre a formação de litisconsórcio passivo ulterior e, portanto, a forma mais adequada para a sua defesa típica é os embargos à execução.

Por outro lado, os sócios que não incorreram para a prática de atos irregulares e nem exercem poder de gerência devem propor embargos de terceiros, visto que os seus bens não respondem pelas dívidas da sociedade (art. 795, caput do Novo CPC) e muito menos há formação de litisconsórcio passivo ulterior para estes.

 

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Examinando cada uma das partes em que se dividiu este artigo, perquire-se que a pessoa jurídica é uma forma de o homem transcender suas limitações, buscando alcançar suas metas. Entretanto, não pode haver o desvio de sua finalidade e tampouco a pratica de atos que ferem o direito, pois poderá ser desconsiderada a personalidade e atingido o patrimônio dos sócios.

 Porém, para que se atinja esse objetivo no processo de execução por título extrajudicial, deve ser instaurado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como prevê o Código de Processo Civil, cabendo ao sócio, de acordo com o caso concreto, propor sua defesa adequadamente.

Já se no processo de Execução por título extrajudicial houver a citação do sócio-gerente ou daquele que incorreu para a pratica de atos irregulares, formar-se-á litisconsórcio passivo ulterior, cabendo-lhes propor para sua defesa embargos à execução.

Mas, por outro lado, se houver a citação do sócio que não possui poder de administrar a sociedade e nem incorreu para a pratica de atos irregulares, proporá embargos de terceiro, caso tenha seu patrimônio constrito, vez que sua responsabilidade é secundária, conforme defende a boa doutrina.

 

REFERÊNCIAS

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa: Sociedades. 14º edição. São Paulo: SARAIVA, 2010;

 

DIDIER JR., Fredie.Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento I Fredie Didier Jr. - 17. ed. - Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015;

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil / Maria Helena Diniz. – 29, Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012;

 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. III / Humberto Theodoro Júnior. 47. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016;

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. – 16. ed. rev. E atual. – São Paulo: Atlas, 2016. (coleção direito civil; v. 1);

Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. – 21. Ed. atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016. 

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