2. CONFLITOS E OS MEIOS DE RESOLUÇÃO
2.1 Conflitos
O conflito faz parte do cotidiano das pessoas.
Em regra, aborda-se o conflito como um fenômeno negativo nas relações interpessoais, que sempre proporciona perdas para uma das partes.
No entanto, o conflito deve ser interpretado como algo necessário para o aprimoramento das relações sociais e intersubjetivas.
Neste sentido são as lições de Azevedo (2012, p.29)
A possibilidade de se perceber o conflito de forma positiva consiste em uma das principais alterações da chamada moderna teoria do conflito.
Isso porque a partir do momento em que se percebe o conflito como um fenômeno natural na relação de quaisquer seres vivos é que é possível se perceber o conflito de forma positiva.
De acordo com o dicionário Aurélio10 conflito significa altercação, desordem, pendência, choque, embate, luta, oposição, disputa.
Na acepção jurídica o conflito é conceituado como “[...] um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses ou objetivos [...] incompatíveis” (AZEVEDO, 2012, p. 27).
O termo conflito é utilizado, muitas vezes, como sinônimo de disputa e lide.
Ocorre que é possível observar diferenças importantes entre essas expressões: i) o conflito é uma crise nas relações entre os seres humanos, têm um sentido amplo; ii) a disputa é uma situação pontual e específica, remete a uma unidade controvertida (TARTUCE, 2015).
Já a expressão lide, segundo a concepção clássica de Carnelutti é “o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida” (apud Daniel Assumpção Neves, 2016, p. 108).
De outra parte, para entender o conflito é importante conhecer as suas causas.
São vários os fatores que ocasionam os conflitos, entre eles pode-se destacar a insatisfação pessoal, a escassez de recursos, as necessidades ilimitadas, os interesses opostos, o desrespeito ao próximo, a intolerância etc.
Neste sentido, sabendo que o conflito é inerente as relações sociais e que são diversas as suas causas, se faz importante a seguinte indagação: quais são os mecanismos utilizados para compor os conflitos que surgem nas relações interpessoais? Como veremos no decorrer deste capítulo, são diversos os meios e institutos presentes no Direito Processual Civil para compor os conflitos ocorridos na vida em sociedade.
Sales e Rabelo (2009, p. 75) sobre o tema discorrem
[...] é importante desapegar-se da visão de que só é possível a resolução de um conflito por um caminho exclusivo ou quando houver intervenção estatal e passar a construir a ideia de que um sistema de resolução de conflitos é suficiente quando conta com instituições e procedimentos que procuram prevenir e resolver as controvérsias a partir das necessidades e dos interesses das partes.
Desta forma, já pode-se chegar à seguinte conclusão: a Jurisdição não é o único meio de composição dos conflitos ocorridos na vida em sociedade, apesar de ser o mais utilizado11.
Além da Jurisdição, há a autotutela, a negociação, a conciliação, a arbitragem e a mediação, é o que veremos a seguir.
2.2 Meios de Resolução dos Conflitos
Por muitos anos o conflito foi visto como algo negativo para o ser humano, devendo, desde logo, ser eliminado, sancionado ou abortado.
Ocorre que, como já mencionado acima, o conflito deve ser entendido como uma crise natural e necessária às relações interpessoais, pois possibilita a reflexão e, consequentemente, a evolução do ser humano.
Não obstante, para que o conflito seja valorizado pelos seus aspectos positivos, se faz necessário resolvê-lo de forma adequada e eficaz.
Assim, dispõe Fernanda Tartuce (2015, p. 15) “importa-nos, portanto, a noção de conflito como possível objeto de transformação, mudança e, quiçá, evolução do ser humano, razão pela qual a sua abordagem deve se dar da forma mais adequada possível”.
Já em 2013, menos de dez anos depois, o volume de processos no país alcançou 95 milhões 14.
Ademais, em razão das peculiaridades que cada conflito apresenta, mecanismos diferentes devem ser utilizados para possibilitar a sua resolução, e, sempre que possível, a sua transformação, reestabelecendo as relações interpessoais abaladas pelas situações conflituosas.
Os meios de solução dos conflitos são classificados em três modalidades: autotutela, autocomposição e heterocomposição.
Como veremos a seguir, cada mecanismo tem uma forma diferente de solucionar o conflito, seja por meio da força (autotutela), seja por meio do diálogo (autocomposição), ou mesmo por meio da imposição de uma solução por um terceiro imparcial (heterocomposição).
2.2.1 Autotutela
A autotutela é uma das formas mais antigas de resolução dos conflitos, na qual um dos conflitantes impõe a sua vontade, com o sacrifício do interesse do outro.
A autotutela era muito utilizada nas fases primitivas da civilização.
Neste período o Estado não era forte o suficiente para impor a aplicação do direito acima da vontade dos particulares (DINAMARCO, CINTRA e PELLEGRINO; 2012).
Ocorre que, aos poucos, os indivíduos foram percebendo os males existentes na resolução dos conflitos por meio da autotutela, pois ao garantir apenas a vitória do mais forte, este mecanismo mostrava-se perigoso e insuficiente para alcançar a justiça.
Com o fortalecimento do Estado, a aplicação da autotutela fora ficando cada vez mais restrita.
O Estado trouxe para si o monopólio da jurisdição, que consiste na aplicação do direito ao caso concreto, reestabelecendo a paz social.
Nos dias atuais, a autotutela não é mais prestigiada, pois este meio de composição dos conflitos remete às sociedades menos desenvolvidas, onde a força prevalecia sobre o direito objetivo.
Por ser uma prática repudiada, a autotutela é conduta tipificada no Código Penal Brasileiro como crime, previsto nos artigos 345 e 346 (uso arbitrário das próprias razões) e no artigo 350 (exercício arbitrário e abuso de poder), a depender de quem praticar a conduta criminosa, o particular ou o Estado, respectivamente.
No entanto, apesar da autotutela não ser o meio de resolução de conflitos mais adequado para solucionar as controvérsias, o ordenamento jurídico brasileiro permite a sua utilização em situações excepcionais.
São exemplos de autotutela permitida:
legítima defesa (artigo 188, I, do Código Civil);
o estado de necessidade;
autodefesa possessória (artigo 1.210, §1º, do Código Civil);
autotutela nas obrigações de fazer e não fazer (artigos 249 e 215, do Código de Processo Civil);
o direito de cortar raízes e ramos de árvores limítrofes que o ultrapassam a estrema do prédio (artigo 1.283, do Código Civil);
o direito de retenção (artigos 578 e 644, do Código Civil);
direito de greve;
a guerra etc.
O que justifica o ordenamento jurídico permitir, excepcionalmente, a utilização da autotutela é o fato de que o Estado não pode estar presente sempre que um direito esteja sendo violado.
Segundo Neves (2015, p. 5)
[...] A justificativa é de que o Estado não é onipresente, sendo impossível estar em todo o lugar e a todo momento para solucionar violações ou ameaças ao direito objetivo, de forma que em algumas situações excepcionais é mais interessante ao sistema jurídico, diante da ausência do Estado naquele momento, a solução pelo exercício da força de um dos envolvidos no conflito.
Por fim, é importante mencionar que a solução alternativa do conflito por meio da autotutela é passível de revisão ampla pelo Poder Judiciário, não recebendo, portanto, o atributo da definitividade.
2.2.2 Autocomposição
É um meio de resolução dos conflitos pelo qual as partes isoladamente (submissão ou renúncia) ou em conjunto (transação) decidem a melhor forma de dirimir o impasse, sem que haja a imposição da solução por um terceiro.
Segundo os ensinamentos de DIDIER JR. (2015, p. 165) a autocomposição é “considerada, atualmente, como legítimo meio alternativo de pacificação social.
Avança-se no sentido de acabar com o dogma da exclusividade estatal para a solução dos conflitos de interesses”.
A autocomposição12 é um gênero, sendo as suas espécies:
a) transação: realiza-se pelas concessões mútuas feitas pelas partes para que o conflito seja solucionado.
É necessário que haja a concordância de todas as pessoas envolvidas no conflito, sob pena de não ser realizada a transação;
b) renúncia: como o próprio nome já indica, ocorre quando uma das partes abre mão do direito que lhe pertencia.
É um ato unilateral.
Pode-se citar como exemplo a remissão da dívida pelo credor;
c) submissão: ocorre quando uma das partes se submete à pretensão da outra.
Também é um ato unilateral.
A submissão, quando realizada durante um processo judicial, recebe o nome de reconhecimento jurídico do pedido.
Exemplo de submissão realizada nos autos do processo é o reconhecimento voluntário da paternidade em uma ação de investigação de paternidade.
As espécies de autocomposição mencionadas alhures podem ser observadas antes ou durante um processo judicial (autocomposição extrajudicial ou judicial).
Quando verificada a autocomposição judicial, e desde que presentes os requisitos objetivos e subjetivos13, o juiz homologará, por meio de sentença, a vontade manifestada pelas partes, e, consequentemente, esta sentença será revestida pelo “manto” da coisa julgada.
Assim dispõe o artigo 487, do Novo Código de Processo Civil, in verbis
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
[...]
III - homologar:
a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;
b) a transação;
c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.
[...]
Sobre a coisa julgada preveem os artigos 502 e 503, do mesmo diploma processual civil
Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
A autocomposição não pode ser utilizada quando o impasse versar sobre direitos personalíssimos indisponíveis, os quais se referem, principalmente, à matéria penal e aos direitos da personalidade, tais como a vida, a liberdade, a honra e a intimidade.
Também não podem realizar a autocomposição os incapazes e, na maioria das vezes, as pessoas jurídicas de direito público.
No entanto, é preciso atentar-se para o fato de que, apesar de indisponível, pode ser que o direito tenha aspectos quantitativos negociáveis.
Pode-se citar como exemplo o direito a alimentos, que apesar de ser indisponível é transacionável no que concerne ao seu valor.
Segundo leciona Tartuce (2015, p. 29)
[...] em ações de estado (como o divórcio) e nas causas relativas a interesses de incapazes (como a guarda de filhos) é possível que as partes se conscientizem sobre direitos e obrigações recíprocas e celebrem acordos válidos.
Exemplo disso é que o pai pode reconhecer voluntariamente o vínculo de filiação em ato de autocomposição unilateral.
Percebe-se, assim, que também o Direito de Família é possível conceber a autocomposição, seja ela unilateral por reconhecimento jurídico do pedido ou renúncia (em certos casos), ou seja bilateral pela realização de acordos.
O novo sistema processual civil, inaugurado no dia 16 de março de 2016, pela Lei 13.105/2015, está estruturado com o objetivo de estimular a autocomposição.
Neste sentido, prescrevem os §§ 2º e 3º, do artigo 3º
[...] § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Ademais, são exemplos de solução do conflito por autocomposição a negociação, a conciliação e a mediação, temas que serão analisados em momento oportuno.
2.2.3 Heterocomposição
Na Heterocomposição, também denominada heterotutela, um terceiro imparcial substitui a vontade dos conflitantes e resolve o problema posto à sua análise, impondo uma decisão que deverá ser observada por ambas as partes.
A heterocomposição pode se apresentar de duas formas distintas, que são:
a) jurisdição: atividade exercida pelo Estado-Juiz que consiste na aplicação do direito ao caso concreto; e
b) arbitragem: mecanismo extrajudicial de solução dos conflitos, no qual as partes escolhem um terceiro, denominado árbitro, que tem o poder de decidir o impasse.
Tendo em vista a importância destes mecanismos na solução dos conflitos intersubjetivos, será feita a análise de cada um em tópicos separados, destacando o conceito e as suas peculiaridades.
2.2.3.1 Jurisdição
A jurisdição é um meio de resolução de conflitos por heterocomposição.
Consiste na atuação do Estado com o objetivo de aplicar o direito objetivo ao caso concreto, resolvendo de forma definitiva e impositiva as controvérsias submetidas à sua análise, atingindo, assim, a pacificação social.
Dinamarco e Lopes (2016, p. 77), conceituam a jurisdição sob três aspectos distintos, quais sejam, “poder, função e atividade”.
Estes autores, no entanto, fazem uma retificação da assertiva acima apresentada, pois, segundo eles, não é correto falar em poder, mas em expressão do poder estatal, o poder é uno e o que pode ser variado é o seu exercício.
A jurisdição é considerada expressão do poder estatal, pois intervém na esfera jurídica das partes para aplicar o direito ao caso concreto, de maneira inevitável e inafastável.
Como função, a jurisdição é uma atribuição conferida pela Constituição Federal de 1988, em regra, ao Poder Judiciário.
A função jurisdicional, excepcionalmente, é atribuída a outras pessoas, como por exemplo a função atípica atribuída ao Poder Legislativo, por meio do Senado, de julgar o Presidente da República por crimes de responsabilidade (artigo 52, I, da CRFB/88).
Por fim, como atividade, a jurisdição é o conjunto de atos praticados pelo juiz investido na função jurisdicional.
Outro importante conceito de jurisdição foi o criado pelo doutrinador Fredie Didier (2015).
O conceito apresentado por ele é o que mais se coaduna com a realidade, pois além de dar ênfase à atividade criativa desenvolvida pelos Tribunais ao solucionar uma situação concreta, incorpora as principais características da jurisdição em um único parágrafo.
Vejamos (2015, p. 153)
A jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial (a) de realizar o Direito de modo imperativo (b) e criativo (reconstrutivo) (c) reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas (d) concretamente deduzidas (e), em decisão insusceptível de controle externo (f) e com aptidão para torna-se indiscutível (g). (Grifo nosso).
Por este conceito pode-se extrair que as principais características da jurisdição são: substitutividade, imparcialidade, imperatividade, inevitabilidade, criatividade, ausência de controle externo e indiscutibilidade por meio da coisa julgada14.
A jurisdição é de extrema importância para a sociedade, pois a partir do momento em que ocorreu a organização política dos povos, o Estado, que impediu em regra o uso da autotutela, avocou o poder e o dever de proteger os diretos dos cidadãos, resolvendo os conflitos existentes, submetidos à sua atividade, com o objetivo de obter a harmonia social.
Segundo Baracho (1995, p. 34)
O direito à tutela jurisdicional implica que toda pessoa, sempre que pretenda algo e encontre resistência, possa exigir que se faça justiça, devendo sua pretensão ser atendida por um órgão judicial que atue em um processo que disponha das garantias mínimas.
Por outro lado, tanto o antigo Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973) quanto o novo Código de Processo Civil (Lei 13.015/2015), distinguem a jurisdição voluntária da jurisdição contenciosa.
Essa distinção também é feita pela doutrina.
A jurisdição contenciosa é marcada pela litigiosidade de seu objeto, além disso, a jurisdição contenciosa caracteriza-se pela existência de sujeitos em contraditório (partes) e pela possibilidade da decisão imposta pelo juiz produzir coisa julgada.14
As principais características da jurisdição são:
substutividade: o Estado-Juiz substitui a vontade das partes na solução dos litígios, possibilitando uma solução imparcial;
-
imparcialidade: o juiz é um terceiro imparcial que está entre as partes, mas não pode beneficiar ou prejudicar quaisquer uma delas.
O seu objetivo é aplicar o direito ao caso concreto; imperatividade: as decisões judiciais têm força coativa e obrigam os litigantes.
Possuindo o Estado de meios adequados de coerção, para fazer valer as suas decisões; inevitabilidade – a sentença imposta pelo Estado-Juiz é inevitável, devendo as partes cumprila; criatividade – a atividade desenvolvida pelo juiz no exercício da sua função jurisdicional é amplamente criativa.
O juiz não é um braço mecânico da lei, a sua função não é robotizada, ao contrário, ele recria ao decidir as questões que são postas à sua análise; ausência de controle externo – a função jurisdição produz a última decisão sobre a situação concreta, não podendo esta decisão se submeter ao controle de outro poder.
De outro lado, a jurisdição voluntária consiste na administração pública dos interesses privados.
Nesta espécie de jurisdição, o juiz não vai decidir um conflito aplicando o direito ao caso concreto, mas a sua função é fiscalizar e reconhecer situações que são relevantes para o Estado.
Na jurisdição voluntária, ante a ausência de conflitos, não há partes, mas interessados.
De acordo com Alexandre Câmara Freitas (2015, p. 33)
Chama-se jurisdição voluntária à atividade de natureza jurisdicional exercida em processos cujo objeto seja uma pretensão à integração de um negócio jurídico.
Explique-se: há negócios jurídicos cujas validade e eficácia dependem de um ato judicial que o complemente, aperfeiçoando-o.
É o que se dá, por exemplo, no caso de um divórcio consensual de um casal que tenha filhos incapazes.
Neste caso (diferentemente do que se dá quando o casal não tem filhos incapazes, hipótese em que o negócio jurídico por eles celebrado, observados os requisitos formais estabelecidos em lei, é válido e eficaz independentemente de participação do Estado-Juiz) o negócio jurídico só é válido e eficaz se provado judicialmente.
É preciso, então, que em casos assim se instaure um processo em que se veiculará pedido de integração (isto é, de complementação) do negócio jurídico.
A atividade jurisdicional desenvolvida em casos assim é conhecida como jurisdição voluntária.
E continua o autor
Já a assim chamada jurisdição contenciosa é, na verdade, a "jurisdição não voluntária”.
O que se quer dizer com isso é que, qualquer outra que seja a pretensão veiculada, o processo a ser instaurado será contencioso, e não voluntário.
Dito de outro modo: formulado qualquer pedido que não seja de mera integração de negócio jurídico, instaurar-se-á um processo de jurisdição contenciosa.
Em conclusão, enquanto a jurisdição contenciosa é utilizada para solucionar os conflitos de interesses atuais, a jurisdição voluntária visa fiscalizar situações que envolvem interesse que merece especial proteção do Estado, como a interdição e a homologação de divórcio consensual.
2.2.3.2 Arbitragem
A arbitragem é um meio de solução de conflitos pelo qual as partes escolhem uma terceira pessoa, de sua confiança, para decidir a controvérsia de forma impositiva e imparcial.
A terceira pessoa escolhida para solucionar o conflito é o árbitro.
No Brasil a arbitragem é regulamentada pela Lei 9.307/1996, recentemente reformada pela Lei 13.129/2015.
Nos termos do artigo 1º desta Lei, o objeto da controvérsia submetida à arbitragem deve corresponder a direitos patrimoniais disponíveis.
O árbitro escolhido pelas partes é o juiz de fato e de direito do conflito, não estando a sua decisão submetida a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário.
Assim dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/1996: “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
A arbitragem, nos termos do artigo 3º da Lei 9.307/1996, é constituída por meio da convenção de arbitragem, que compreende a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Entende-se por cláusula compromissória o acordo em que as partes decidem, de forma prévia, que futuras divergências decorridas daquele negócio jurídico serão solucionadas pela arbitragem.
Já o compromisso arbitral consiste no acordo em que as partes decidem submeter um conflito já existente ao Juízo arbitral, dispensando a intervenção do Estado por meio do Poder Judiciário.
Conforme leciona Neves (2015, p. 39)
[...] a arbitragem não afronta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF.
O Supremo Tribunal Federal corretamente entendeu que a escolha entre a arbitragem e a jurisdição é absolutamente constitucional, afirmando que a aplicação da garantia constitucional da inafastabilidade é naturalmente condicionada à vontade das partes.
Se o próprio direito de ação é disponível, dependendo da vontade do interessado para se concretizar por meio da propositura da demanda judicial, também o será o exercício da jurisdição na solução do conflito de interesse.
(Grifo do autor).
Confirmando o entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal, mencionado por Neves no trecho acima transcrito, o Novo CPC previu expressamente a utilização da arbitragem na forma da lei.
Vejamos
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
[...] Este meio de resolução de conflitos tem como características:
c) a escolha do árbitro é feita pelas partes, assim como a escolha do direito material que será utilizado para resolver o impasse;
d) não há necessidade de o Poder Judiciário homologar a decisão arbitral, que produz os seus efeitos imediatamente;
e) a decisão proferida pelo árbitro, após o trânsito em julgado, se transforma em título executivo judicial.
Ademais, questão interessante a ser tratada é sobre a natureza jurídica da arbitragem.
Para grande parte da doutrina processualista civil, a exemplo de Carlos Alberto Carmona (1993), Fredie Didier Jr. (2015) e Dinamarco (2016), a arbitragem tem natureza de jurisdição privada.
Os fundamentos mencionados por esses autores para defender a natureza jurisdicional da arbitragem são os seguintes:
f) o controle jurisdicional da decisão proferida pelo árbitro só pode feito em relação à sua validade.
O juiz não pode analisar o mérito da decisão arbitral, apenas poderá proceder à sua anulação em caso de vícios formais;
g) a jurisdição não é função exclusiva dos órgãos do Poder Judiciário.
Exemplo desta afirmação é o julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade que é realizado pelo Senado Federal (art. 52, I, da CF);
h) os árbitros são juízes de direito e de fato, e para efeitos penais equiparam-se aos servidores públicos;
i) a sentença arbitral produz imediatamente os seus efeitos, não necessitando da homologação judicial;
k) a sentença arbitral condenatória é título executivo judicial (artigo 31, da Lei 9.307/1996 e artigo 515, inciso VII, do novo CPC).
De outro lado, existem aqueles doutrinadores que defendem ser a arbitragem um meio alternativo de resolução de conflitos.
Entre eles, Daniel Assumpção Neves (2015, p. 20), argumenta que
“[...] não há como confundir o juiz com o árbitro. O primeiro, agente estatal, concursado, preocupado [...], enquanto o segundo, particular contratado pelas partes, preocupado exclusivamente em resolver os conflitos [...]”.
Já para Daniel Mitidiero (2005, p. 88) “a arbitragem não é jurisdição, pois a validade de suas decisões pode ser controlada pelo Poder Judiciário”.
No entanto, esta discussão doutrinária ainda não foi pacificada pelos Tribunais Superiores, que ora se referem à arbitragem como jurisdição privada e ora como meio alternativo de resolução de conflitos15.
2.3 Soluções Alternativas de Controvérsias
Como já discorrido na subseção 2.2, os conflitos podem ser resolvidos, por meio da autotutela, excepcionalmente, ou, por meio da autocomposição (renúncia, submissão ou transação) e por meio da heterocomposição.
Ocorre que, atualmente, tem crescido a busca pelos meios alternativos de resolução de conflitos.
Isso acontece em razão do formalismo existente nos processos judiciais, que muitas vezes são indispensáveis para a garantia da imparcialidade e do devido processo legal, mas que geram a demora na solução dos conflitos e o aumento da angústia pelas partes.
Além disso, não se pode esquecer que as custas processuais e os honorários advocatícios encarecem consideravelmente o processo judicial, o que dificulta o acesso à justiça e a pacificação social por meio da jurisdição.
Conforme professam Dinamarco, Cintra e Pellegrino (2012, p. 33-34)
Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades de soluções dos conflitos, tratados como meios alternativos de pacificação social.
Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes.
Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil [...].
Por sua vez, os meios consensuais de resolução de conflitos têm como características o rompimento do formalismo processual, o que gera a celeridade dos procedimentos, e a gratuidade dos seus procedimentos, ou pelo menos, preços mais acessíveis.
De outro ponto, os meios alternativos de solução de conflitos estimulam a facilitação do diálogo entre as pessoas, o que tem como consequência a realização de acordos mais adequados à realidade de cada um.
Segundo as lições de Sales e Rabelo (2009, p. 77)
[...] Nos mecanismos consensuais, há uma apropriação pelos envolvidos do poder de gerir os conflitos, caracterizando-se pela proximidade, oralidade, diminuição de custos e maior possibilidade de discussão de todos os aspectos inerentes ao conflito (não se restringindo apenas àqueles dados descritos nas peças processuais).
[...] O Novo Código de Processual Civil, como uma forma de incentivar a solução consensual dos conflitos, dispensa o pagamento das custas processuais em caso de transação antes da sentença (artigo 90, § 3º) e permite que no acordo judicial seja incluído matéria estranha ao objeto do processo (artigo 515, § 2º).
Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.
[...] § 3º Se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes, se houver.
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
[...] § 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.
Os principais exemplos de soluções alternativas de controvérsias são negociação, conciliação e mediação, como veremos a seguir.
A arbitragem foi trabalhada na subseção 2.2.3.2.
A opção em trabalhar o tema da arbitragem neste subitem se deu em razão deste meio de resolução de conflito ser uma espécie de heterocomposição e, também, em razão da discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da natureza jurídica deste instituto.
2.3.1 Negociação
A negociação pode ser entendida em dois sentidos, o amplo e o restrito.
No sentido amplo, a negociação abarca todos os meios de resolução de conflitos que precisam do diálogo entre as partes para se concretizar, e, no sentido restrito, a negociação apresenta-se como meio de solução de conflito em que não há a intervenção de um terceiro, pois as partes, diretamente, solucionam a controvérsia.
Segundo as lições de Caetano (apud Sales e Rabelo, 2009, p. 78), pode-se entender como negociação “o ajuste entre duas (ou mais) partes, diretamente entre si, para um acerto, ou mesmo para a resolução de interesses controvertidos, satisfazendo-se mutuamente”.
A vantagem da negociação restrita é que as partes, diretamente, encontram uma resposta para a solução do conflito e, por ser um ato personalíssimo, aumentam as chances de o acordo ser cumprido, pois, a solução foi encontrada por elas mesmas.
A negociação pode ser informal, onde as partes não ficam obrigadas a assinar quaisquer documentos, o acordo é meramente verbal.
E pode ser uma negociação formal, hipótese em que as partes ficam obrigadas a assinar um documento que contém os termos estabelecidos por elas.
Por sua vez, para que haja a negociação é preciso que as partes possuam condições para o diálogo, já que neste meio de resolução consensual de conflitos não há a intervenção de terceiros.
Além disso, a negociação deve ser baseada nos princípios da moralidade e da boa-fé, para que haja a efetividade do acordo.
2.3.2 Conciliação
A conciliação é um meio consensual de resolução de conflitos administrado por um conciliador escolhido ou aceito pelas partes.
O conciliador é um profissional imparcial que deverá aproximar as partes, auxiliando-as na celebração do acordo, podendo, inclusive, sugerir propostas e apontar as vantagens e desvantagens da solução consensual da controvérsia por meio da conciliação.
O objetivo do conciliador é sempre alcançar um acordo e, consequentemente, a extinção do conflito.
No entanto, para alcançar este objetivo, o conciliador não poderá constranger as partes à realização de acordos indesejados, o respeito à vontade das partes é absolutamente fundamental.
O instituto da conciliação está previsto em vários dispositivos do Ordenamento Jurídico Brasileiro, que, nos dias atuais, tem estimulado a sua utilização.
O Novo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (Resolução nº 02/2015 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil) dispõe no seu artigo 2º, parágrafo único, inciso VI que:
Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
[...]
VI – estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
Por sua vez, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95), incentiva, nos seus artigos 2º, 21 e 22, a utilização da conciliação na resolução dos conflitos de sua competência:
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as consequências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta Lei.
Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.
Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo.
No Novo Código de Processo Civil a promoção da solução dos conflitos por meio da autocomposição está entre as suas normas fundamentais (NCPC - §§ 2º e 3º, do artigo 3º).
Além disso, a nova Lei processual civil dedica um capítulo completo para regular a conciliação e a mediação (artigo 165 ao 175) e dispõe que a audiência de conciliação ou mediação é o primeiro ato a ser realizado no processo, antecedendo, inclusive, o oferecimento da resposta pelo réu (artigos 334 e 695).
A conciliação pode ocorrer judicialmente, quando houver processo em curso, ou extrajudicialmente.
Na conciliação judicial, o conciliador é escolhido pelo Poder Judiciário, sendo considerado auxiliar da justiça, aplicando-se a ele, portanto, as normas relativas ao impedimento e à suspeição.
Já na conciliação extrajudicial, as partes escolhem um terceiro para a condução do conflito.
É importante ressaltar que a conciliação é um procedimento bastante célere, e que muitas vezes se restringe a uma única sessão entre as partes e o conciliador.
Desta forma, a conciliação é um mecanismo indicado aos conflitos menos complexos, em que não há vínculos anteriores e contínuos entre os conflitantes.
2.3.3 Mediação
A mediação é um meio consensual de resolução de conflitos, pelo qual um terceiro imparcial e devidamente capacitado (mediador), busca restabelecer a comunicação entre as partes para que elas, a partir da restauração do diálogo, encontrem uma forma adequada de lidar com as controvérsias.
Ao mediador, diferentemente do que ocorre na Jurisdição e na Arbitragem, não cabe resolver o conflito, o seu papel é facilitar a comunicação entre os conflitantes para que eles cheguem a uma solução satisfatória do impasse.
Segundo Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015, p. 230)
Mediação.Consiste na inclusão de um terceiro imparcial para auxiliar na negociação das partes. Sua finalidade é colaborar para que as partes cheguem, por sua própria iniciativa, a um acordo. O mediador não deve, em regra, sugerir soluções para o problema das partes, mas auxiliá-las a encontrar, sozinhas, tais soluções. Para tanto, deve ajudar a restabelecer o diálogo entre as partes, para que elas possam encontrar os pontos de divergência e consigam resolver sua controvérsia.
Na mediação as partes são incentivadas a administrar de forma pacífica os seus próprios conflitos, deixando de ser meras expectadoras e passando à posição de protagonistas.
Com o incentivo feito pelo mediador para que as partes reflitam sobre as verdadeiras causas do conflito e passem, a partir deste ponto, a compreender os direitos um do outro, ocorre o fenômeno da despolarização, que consiste no ato de não perceber o conflito como se existissem duas partes antagônicas ou um certo e outro errado, mas sujeitos que têm interesses equivalentes (AZEVEDO, 2012).
A mediação, assim como a conciliação, pode ocorrer judicialmente, quando houver um processo em curso, ou extrajudicialmente.
No sentir de Didier (2015, p. 276)
A mediação e a conciliação podem ocorrer extrajudicialmente ou judicialmente, quando já existente o processo jurisdicional. Neste último caso, o mediador e o conciliador são auxiliares da justiça.
Esta qualificação é importante, pois a eles devem ser aplicadas as regras relativas a esse tipo de sujeito processual, inclusive em relação ao impedimento e à suspeição (arts. 148, II, 170 e 173, II, CPC).
Por outro lado, é comum que haja a confusão entre os institutos da mediação e da conciliação, já que ambos são meios de resolução consensual dos conflitos.
No entanto, mesmo sendo sutis as diferenças entre estes dois institutos, a doutrina os consideram como técnicas distintas de obtenção da autocomposição.
O conciliador participa mais ativamente da negociação entre as partes, podendo, até mesmo, sugerir soluções para a controvérsia.
A conciliação é indicada à resolução dos conflitos pontuais, menos complexos, em que não há vínculos anteriores e contínuos entre os conflitantes.
Já o papel do mediador é diferente.
O mediador não propõe soluções aos mediandos16, ele os auxilia a compreender os interesses em conflito, de modo que
A mediação deve ser utilizada nos casos em que há relações continuadas.
Conforme dispõe Lília Maia de Morais Sales (2003, p. 38)
A diferença fundamental entre a mediação e a conciliação reside no conteúdo de cada instituto.
Na conciliação, o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar um processo judicial.
Na mediação as partes não devem ser entendidas como adversárias e o acordo é a consequência da real comunicação entre as partes.
Na conciliação o conciliador sugere, interfere, aconselha.
Na mediação, o mediador facilita a comunicação, sem induzir as partes ao acordo.
O Novo Código de Processo Civil, nos §§ 2º e 3º, do artigo 165, ratifica essa diferenciação:
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
A mediação é um importante instrumento para o tratamento adequado dos conflitos, pois, além de restaurar a comunicação e facilitar o diálogo, possibilita a prevenção da má administração dos conflitos, a inclusão social e a paz social.
Segundo Eliana de Jesus Mota (2010, p. 30)
A mediação pode ser entendida como uma forma de negociação cooperativa de conflitos, que busca identificar de forma criteriosa o problema real para só então avaliar as possíveis alternativas de solução, a fim de assegurar um resultado justo, duradouro e equitativo.
Esta atuação vislumbra a continuidade do relacionamento saudável entre as partes, pois preserva o respeito e a cooperação na abordagem das diferenças individuais, e coloca cada envolvido como participe ativo no processo de solução.
Assim, a inclusão social, que acontece por meio da utilização da mediação, ocorre na medida em que as partes participam efetivamente do procedimento de mediação e se tornam corresponsáveis pela construção de uma solução adequada para a controvérsia.
De outro lado, a pacificação social é atingida na mediação, pois ao utilizar este procedimento as partes aprendem a administrar seus conflitos por meio do diálogo, substituindo a cultura adversarial do perde-ganha pela cultura cooperativa do ganha-ganha.
No que concerne ao procedimento de mediação, é importante esclarecer que ele não segue um rito universal.
O procedimento de mediação pode ser modificado tendo em vista o tipo e a complexidade do conflito posto à análise do mediador.
Adolfo Braga Neto (apud Sales e Rabelo; 2009, p. 86) “sugere uma dinâmica bem estruturada a ser seguida pelo mediador, que se desdobra em: pré-mediação, investigação, criação de opções e acordo”.
Seguindo as orientações deste autor, podemos classificar o procedimento de mediação da seguinte forma:
a) pré-mediação: nesta fase acontece o primeiro contato dos conflitantes com o instituto da mediação.
Aqui, o mediador vai apresentar às partes como se desenvolve o processo de mediação, qual o objetivo deste instituto, os princípios adotados, a necessidade do diálogo, a sua imparcialidade, a confidencialidade das informações que serão prestadas nas sessões etc.
É um momento importante, pois a partir das informações prestadas surge a confiança das partes no procedimento;
b) investigação: esta fase do processo de mediação é de extrema importância para entender o conflito e as suas peculiaridades, assim como, as verdadeiras causas que desencadearam o impasse entre as partes.
Aqui o mediador utilizará a técnica da escuta ativa17.
Pela escuta ativa, o mediador não só ouvirá, mas observará atentamente as mensagens reveladas pelo comportamento das partes, ou seja, a mensagem não verbal.
Após a exposição dos fatos pelas partes, o mediador resumirá tudo o que foi colocado, com o objetivo de acrescentar, ou até mesmo corrigir, um ponto que ele tenha entendido de maneira equivocada;
c) criação de opções: neste momento, as partes estudarão os caminhos que podem ou não ser seguidos.
Como já houve o restabelecimento do diálogo, em razão da atividade de incentivo à reflexão realizado pelo mediador, as partes irão opinar sobre os pontos que podem ser solucionados por meio da mediação e, consequentemente, propor soluções;
d) escolha de opções: neste momento as partes irão escolher qual proposta, entre as diversas opções trazidas à mesa, atende aos anseios de ambas, de forma que o conflito seja solucionado de maneira satisfatória e eficaz.
O mediador pode auxiliar os mediandos a fazerem a melhor escolha, no entanto, não cabe a ele fazer sugestão de soluções, sob pena de comprometer os princípios da imparcialidade e da autonomia da vontade das partes;
e) avaliação: nesta etapa, os mediandos, conjuntamente, irão avaliar as consequências da escolha de determinada opção, fazendo uma projeção para o futuro.
Isso significa que as partes avaliarão quais os prós e os contras de possível acordo que possa ser realizado, assim como, se a opção escolhida será suficiente para satisfazer aos anseios de ambas as partes, e se é possível a execução do acordo por elas;
f) acordo: o acordo consiste no consenso que foi alcançado pelas partes no decorrer das sessões de mediação e que significa que elas encontraram uma solução satisfatória para resolver a controvérsia.
O acordo pode ou não ser reduzido à termo, isso dependerá da manifestação da vontade das partes, em razão do princípio da autonomia da vontade, que é um dos pilares do processo de mediação.
Neste ponto, é importante fazer um adendo, pois o objetivo desta pesquisa não é fazer uma análise minuciosa das fases adotadas e seguidas no procedimento de mediação.
A menção a estas fases, feita acima, tem o escopo único de possibilitar que os leitores visualizem melhor o instituto da mediação e atuação do mediador.
2.3.3.1 O mediador
O mediador é um terceiro imparcial que intervirá no conflito intersubjetivo com o propósito de restabelecer a comunicação entre as partes.
Ele é um verdadeiro facilitador do diálogo.
No entanto, para exercer esta atividade, o mediador precisa ser apto a trabalhar com resistências pessoais e obstáculos decorrentes do antagonismo de posições, para, desta forma, atingir o seu principal objetivo, que é a restauração do diálogo entre os mediandos.
Segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2016, p. 299-300)
O papel do mediador não é formular sugestões ou propostas, que possam ser acatadas pelos envolvidos, porque se parte do princípio de que isso talvez possa solucionar um embaraço pontual, mas não o conflito.
Mais do que uma solução consensual, o mediador deverá buscar, dentro do possível, uma reconciliação, ou uma pacificação ou apaziguamento, para que a relação, que tem caráter permanente ou prolongado, possa ser retomada sem obstáculos ou embaraços.
É por meio da compreensão dos interesses em conflito e do restabelecimento da comunicação entre os envolvidos que o mediador poderá tentar fazer prevalecer e permanecer o vínculo.
O exercício da atividade de mediador exige um treinamento especial, para que a aplicação deste instituto seja eficiente no tratamento consensual das controvérsias, principalmente se levarmos em conta à cultura contenciosa que existe no direto brasileiro.
Os mediadores podem atuar extrajudicialmente, nas câmaras privadas de mediação e nos escritórios de advocacia, ou judicialmente.
No caso de mediadores judiciais, atuarão aqueles que estiverem inscritos em cadastro nacional e em cadastro do Tribunal de Justiça, conforme dispõe o artigo 167 do NCPC (Lei 13.105/2015) e artigo 12 da Lei de Mediação (13.140/2015), in verbis:
Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.
§ 1º Preenchendo o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal.
§ 2º Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista, a ser observada na distribuição alternada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional.
§ 3º Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de processos de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal julgar relevantes.
§ 4º Os dados colhidos na forma do § 3º serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e para fins estatísticos e de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.
§ 5º Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções.
§ 6º O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo.
Art. 12. Os tribunais criarão e manterão cadastros atualizados dos mediadores habilitados e autorizados a atuar em mediação judicial.
§ 1º A inscrição no cadastro de mediadores judiciais será requerida pelo interessado ao tribunal com jurisdição na área em que pretenda exercer a mediação.
§ 2º Os tribunais regulamentarão o processo de inscrição e desligamento de seus mediadores.
Art. 13. A remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelos tribunais e custeada pelas partes, observado o disposto no § 2º do art. 4º desta Lei.
Ademais, conforme reza o § 6º, do artigo 167 do NCPC, o Tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, sendo uma exigência para a inscrição no concurso que o candidato possua certificado de curso de capacitação para mediador, emitido por entidade reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça e Ministério da Justiça.
Não há exigência, nem no Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e nem na Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), de que o mediador seja advogado.
No entanto, o artigo 11 da Lei de Mediação faz a exigência de que os mediadores judiciais sejam graduados há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação.
Conforme dispõe o artigo 11 da Lei 13.140/2015
Art. 11. Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça.
Sendo advogado, o mediador estará impedido de exercer a advocacia nas Comarcas em que exerça as suas funções.
Por outro lado, em parecida intelecção, o artigo 172 do Novo Código de Processo Civil dispõe que o mediador fica impedido, pelo prazo de um ano, contado do término da última audiência em que atuou, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes.
O objetivo deste artigo é, justamente, evitar o aliciamento de cliente (NEVES, 2016).
2.3.3.2 Princípios informadores do procedimento de mediação
A mediação conta com princípios próprios que são extremamente necessários para a sua correta aplicação.
A observância dos princípios da mediação é fundamental para que este instituto seja realizado de forma adequada em proveito das partes em conflito.
Os princípios aplicados ao procedimento de mediação têm sido reconhecidos no plano normativo.
Exemplo desta afirmação é o Código de Processual Civil de 2015, que no seu artigo 166, afirma que são princípios que regem a mediação e a conciliação, em juízo, a independência, a imparcialidade, a autonomia da vontade, a confidencialidade, a oralidade, a informalidade e a decisão informada.
No mesmo sentido dispõe o artigo 2º da Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação), segundo o qual a mediação será orientada pelos seguintes princípios: i) imparcialidade do mediador; ii) isonomia entre as partes; iii) oralidade; iv) informalidade; v) autonomia da vontade das partes; vi) busca do consenso; vii) confidencialidade; viii) boa-fé.
Assim, pode-se classificar os princípios informadores da mediação da seguinte forma:
g) princípio da autonomia da vontade: este princípio deve orientar o procedimento de mediação, pois ele é o corolário da liberdade.
Segundo o princípio da autonomia da vontade, deve-se garantir às partes a liberdade de escolher o procedimento de mediação, assim como, conscientizá-las sobre a total autonomia na tomada de decisão, tanto durante quanto no final do processo.
Segundo Tartuce (2015, p. 188)
A autonomia da vontade, também é entendida como autodeterminação, é um valor essencial.
A mediação permite que o indivíduo decida os rumos da controvérsia e protagonize uma saída consensual para o conflito: ao incluir o sujeito como importante ator na abordagem da crise, valoriza-se sua percepção e considera-se seu senso de justiça.
Como facilmente se percebe, a autonomia da vontade está ligada à dignidade e à liberdade.
Respeitar a vontade das partes é importante, pois, na mediação, tudo é pensado para que as partes encontrem a melhor solução para solucionar a controvérsia.
Importante salientar, que o mediador, em razão do princípio da autonomia da vontade, não pode constranger os mediandos a realizarem a autocomposição.
h) princípio da decisão informada: segundo este princípio, aqueles que participarem das sessões de mediação deverão ser plenamente informados a respeito dos seus direitos e a realidade fática na qual se encontram.
Conforme os ensinamentos de Neves (2015, p. 15)
[...] o princípio da decisão informada cria o dever [...] ao mediador de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido.
Ainda que as formas consensuais independam do direito material real ou imaginado de cada parte envolvida, devem elas ter a exata dimensão a respeito dos aspectos fáticos e jurídicos do conflito em que estão envolvidas.
[...] Dessa forma, é fundamental que as partes estejam bem informadas, pois a escolha da solução do conflito por meio da mediação só deve ser feita após a correta compreensão do impasse e das possíveis consequências desta escolha.
A informação qualificada permite um diálogo mais eficaz entre as partes.
i) princípio do empoderamento das partes: o empoderamento das partes consiste no dever de estimular os interessados a aprenderem, por meio da experiência vivenciada na mediação, a melhor maneira de resolverem os seus conflitos futuros.
Segundo as lições de Azevedo (2012, p. 233)
[...] o princípio do empoderamento estabelece a necessidade de haver um componente educativo no desenvolvimento do processo autocompositivo que possa ser utilizado pelas partes em suas relações futuras.
Considerando que o mediador estabelece uma relação com as partes de modo a estimular a comunicação, espera-se em razão do princípio do empoderamento que, após uma adequada autocomposição, as partes tenham aprendido, ainda que parcialmente, algum conjunto de técnicas de negociação e aperfeiçoado as suas formas de comunicação tornando-se mais eficiente inclusive em outros contextos.
Assim, o princípio em comento, além de ter um caráter educativo, na medida em que a sua utilização ajuda as partes na resolução adequada de conflitos futuros, também estimula os interessados a perceberem-se reciprocamente como seres humanos, titulares de direitos e obrigações.
j) princípio da independência: de acordo com este princípio, o mediador atua com liberdade, não podendo sofrer pressões internas ou externas, sendo possível, inclusive, recusar, suspender ou interromper a sessão de mediação, se for constatado que a sua independência está prejudicada.
Segundo o inciso V, do artigo 1º, do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais – Anexo III da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, o princípio da independência atribui ao mediador o
[...] dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível.
Desta forma, a atuação do mediador deve ocorrer com autonomia e liberdade, sem sofrer interferências capazes de reduzir a sua atuação perante os mediandos.
k) princípio da imparcialidade: o mediador dever ser imparcial, isso significa que ele não pode beneficiar ou prejudicar qualquer das partes, não pode agir baseado em favoritismo, preferência ou preconceito.
O mediador não aceitar das partes qualquer espécie de favor ou presente.
Conforme professam Sales e Rabelo (2009, p. 85)
É de grande importância a imparcialidade do mediador.
Este deve procurar compreender a realidade dos mediados, sem que seus preconceitos ou valores pessoais interfiram na condução do processo.
Deve ainda buscar o equilíbrio no procedimento, procurando abster-se de qualquer conduta, seja verbal ou não, que denote preferência entre as partes.
A imparcialidade também objetiva que o mediador se comporte de forma a garantir a igualdade de tratamento entre os mediandos, possibilitando, assim, uma participação adequada no processo de restauração do diálogo.
A função precípua do mediador não é buscar que as partes realizem um acordo, mas sim, que o diálogo entre elas seja restabelecido de forma proveitosa e eficiente.
l) princípio da confidencialidade: o mediador, e aqueles que participarem de alguma forma do procedimento de mediação, não poderão divulgar fatos relatados nas sessões de mediação, estando impedidos, também, de serem testemunhas em processos que envolvam os fatos objetos destas sessões.
Segundo o §1º, do artigo 30, da Lei nº 13.140/2015
Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação.
§ 1º O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação, alcançando:
I - declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de entendimento para o conflito;
II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação;
III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador;
IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.
Caso o mediador viole o seu dever de confidencialidade, a consequência prevista pelo artigo 173, do Novo Código de Processo Civil, é a exclusão do cadastro. Vejamos:
Art. 173. Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que:
I - agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade ou violar qualquer dos deveres decorrentes do art. 166, §§ 1º e 2º; (Grifo nosso)
II - atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou suspeito.
No entanto, apesar da regra ser a confidencialidade, a própria Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), nos §§ 3º e 4º, do artigo 30, excepcionam essa regra em razão dos interesses de ordem pública.
§ 3º Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública.
§ 4º A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198. da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
Por fim, o sigilo profissional dos mediadores também poderá ser afastado por vontade expressa das partes ou quando a divulgação for exigida por lei ou para cumprimento de acordo obtido na mediação.
m) princípio da informalidade: a mediação não tem regras fixas, pois não há uma forma determinada para a condução de um procedimento de mediação.
Este meio consensual de resolução de conflitos se desenvolve por meio da conversa entre as partes com a contribuição do mediador.
Neste sentido é o entendimento de Sales (2003, p. 51):
“A informalidade na conversa pode favorecer a comunicação tanto entre as partes como entre estas e o mediador; afinal, havendo maior descontração e tranquilidade, facilita-se o encontro de uma composição favorável a ambas as partes”.
Ademais, a informalidade possibilita que as partes se sintam mais relaxadas e tranquilas, colaborando no restabelecimento do diálogo, já que estarão com os espíritos desarmados, e otimizando as chances de uma solução satisfatória do conflito.
n) princípio da oralidade: roga este princípio que a mediação se desenvolve por meio de conversa entre as partes e o mediador.
A exposição oral dos fatos é necessária para que cada mediando tenha oportunidade de expor as suas experiências e, também, para que possa se sentir escutado.
Como bem pontua José Luís Bolzan de Morais (1999, p. 148)
A mediação como procedimento informal em que as partes possuem o poder decisório, apenas auxiliadas pelo mediador, funciona através do diálogo, da conversação, constituindo como outro atributo a oralidade.
Um dos grandes objetivos da mediação é a retomada do diálogo, valorizando a relação existente entre as partes.
A oralidade constitui o fator contributivo para que as partes voltem a ter um relacionamento saudável e amigável após o procedimento da mediação.
O princípio da oralidade, juntamente com o princípio da informalidade, atribui à mediação mais leveza, sem que haja o ritual e a simbologia característicos da atuação jurisdicional.
2.4 A Regulamentação da Mediação
Atualmente, o tema mediação apresenta uma dupla face no que diz respeito a normatização, por isso é necessário compreender o cenário da mediação antes e depois de 2015.
Até o ano de 2010, não havia, no ordenamento jurídico brasileiro, uma norma específica sobre a mediação.
A atuação dos mediadores, portanto, não era regulamentada.
As experiências com a mediação no Brasil aconteciam por meio dos programas de acesso à justiça desenvolvidos pelos Tribunais, por meio das câmaras de mediação e arbitragem e por meio dos mediadores privados independentes.
Havia no ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, menções à palavra mediação em leis esparsas.
Estas menções à palavra mediação estavam concentradas, basicamente, nas leis trabalhistas.
Exemplo disso temos o Decreto nº 1.572/95, que no seu artigo 2º prevê que: “frustrada a negociação direta, na respectiva data-base anual, as partes poderão escolher, de comum acordo, mediador para composição do conflito”.
A primeira iniciativa legislativa a contemplar a mediação ocorreu em 1998 com o Projeto de Lei nº 4.827/98.
Este projeto não tinha como escopo regulamentar a mediação minuciosamente, mas estabelecer as suas principais diretrizes.
Além disso, o seu objetivo era transformar o conflito por meio da mediação.
O segundo projeto de lei a tratar da mediação foi apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e pela Associação dos Magistrados Brasileiros.
Este projeto buscava regulamentar o instituto da mediação de maneira mais detalhada.
Os dois projetos mencionados anteriormente foram reunidos e passaram a tramitar no Congresso Nacional de forma consensuada.
Conforme relato de Humberto Dalla Bernadina de Pinho (2013, p. 1-2)
Na Câmara dos Deputados, já em 2002, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e enviado ao Senado Federal, onde recebeu o número PLC 94, de 2002.
O Governo Federal, no entanto, como parte do Pacote Republicano, que se seguiu à Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004 (conhecida como “Reforma do Judiciário”), apresentou diversos Projetos de Lei modificando o Código de Processo Civil, o que levou à um novo relatório do PLC 94.
Foi aprovado o Substitutivo (Emenda nº 1-CCJ), ficando prejudicado o projeto inicial, tendo sido o substitutivo enviado à Câmara dos Deputados no dia 11 de julho.
Em 1° de agosto, o projeto foi encaminhado à CCJC, que o recebeu em 7 de agosto.
Desde então, dele não se teve mais notícia até meados de 2013 quando voltou a tramitar, provavelmente por inspiração dos projetos que já tramitavam no Senado.
Este movimento tendente a regulamentar a mediação judicial no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, acabou resultando na elaboração da Resolução 125 de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Este ato normativo dispõe sobre a política pública nacional de tratamento adequado dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário.
Os principais objetivos da Resolução 125/2010 do CNJ são: i) disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de serviços autocompositivos de qualidade (art. 2º); ii) incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas de agente apoiador da implantação de políticas públicas do CNJ (art. 3º).
Segundo professa Didier (2015, p. 274)
Esta resolução, por exemplo: a) institui a Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses (art. 1º); b) define o papel do Conselho Nacional de Justiça como organizador desta política pública no âmbito do Poder Judiciário (art. 4º); c) impõe a criação, pelos tribunais, dos centros de solução de conflitos e cidadania (art. 7º); d) regulamenta a atuação do mediador e do conciliador (art. 12), inclusive criando o seu Código de Ética (anexo da Resolução); e) imputa aos tribunais o dever de criar, manter e dar publicidade aos bancos de estatísticas de seus centros de solução de conflitos e cidadania (art. 13); f) define o currículo mínimo para o curso de capacitação dos mediadores e conciliadores.
Após a elaboração da Resolução nº 125 do CNJ, mais precisamente no ano de 2011, foi apresentado pelo senador Ricardo Ferraço o Projeto de Lei nº 517, que tinha como escopo regulamentar a mediação judicial e extrajudicial em consonância com o futuro CPC (promulgado em 16 de março de 2015) e com a mencionada resolução.
Ocorre que, este projeto de Lei, apesar de sua extrema importância, não foi aprovado pelo Senado Federal.
Antes de falar sobre a Lei de Mediação é necessário destacar a importância do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), para o reconhecimento dos meios autocompositivos de resolução dos conflitos.
Com o Novo Código de Processo Civil, promulgado em 16 de março de 2015, a mediação foi reconhecida expressamente no cenário jurídico brasileiro, são quase quarenta artigos ao longo do código que dispõem sobre a mediação.
A disposição destes artigos ao longo do código é variada, o que revela que a mediação pode ser utilizada em qualquer momento para solucionar as controvérsias, não apenas no começo da abordagem do conflito.
Na parte geral do Novo CPC, o estímulo à solução consensual dos conflitos foi elevado à posição de norma fundamental, conforme dispõe o artigo 3º, §3º, deste códex.
Além desta previsão, há uma seção dedicada aos conciliadores e mediadores judiciais e sobre a criação de câmaras de conciliação e mediação (artigo 165, caput).
Conforme ensinamentos de Daniel Assumpção Neves (2015, p. 8)
A valorização das formas alternativas de solução dos conflitos já é demonstrada no artigo 3º do Novo CPC.
Nos termos do § 2º, o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, enquanto o § 3º prevê que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
E continua o autor
O Novo Código de Processo Civil, entretanto, não trouxe apenas disposições principiológicas no que se refere às formas consensuais de solução de conflitos.
Há uma seção inteira de um capítulo destinada a regulamentar a atividade dos conciliadores e dos mediadores judiciais (arts. 165-175), inclusive fazendo expressamente a distinção entre conciliação [...] e mediação.
Ademais, o Novo CPC dedicou um capítulo inteiro à audiência inicial de conciliação e mediação, com diversas regras sobre a sessão consensual (artigo 334).
E na sua parte especial, a mediação é referenciada no capítulo destinado as ações de família e também no âmbito das ações possessórias.
Finalmente, em 29 de junho de 2015, após o trâmite de mais de dez anos no Congresso Nacional, fora publicada a Lei nº 13.140/2015, sendo considerada o marco legal da mediação no ordenamento jurídico brasileiro.
O parágrafo único, do artigo 1º, da Lei 13.140/2015 traz o conceito legal de mediação.
Segundo este dispositivo:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
(Grifo nosso).
A Lei de Mediação é composta por quarenta e oito artigos e está dividida em três capítulos.
O primeiro capítulo dispõe sobre a mediação e está dividido da seguinte forma:
seção I: disposições gerais;
seção II: dispõe sobre os mediadores judiciais e extrajudiciais;
seção III: dispõe sobre o procedimento de mediação – mediação extrajudicial, mediação judicial e da confidencialidade e suas exceções.
O segundo capítulo versa sobre a autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de Direito Público, e está dividido em duas seções.
A seção I versa sobre as disposições comuns e a seção II dispõe sobre os conflitos envolvendo a Administração Pública Federal Direta, suas Autarquias e Fundações.
Já o terceiro capítulo, que vai do artigo 41 ao 48, contempla as disposições finais.
Conforme dispõe o Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz (2015, s/n)
A primeira observação vai no sentido da importância de se estabelecer um marco regulatório para a mediação e a conciliação judicial e extrajudicial, enquanto movimento global que se converge para uma revolução paradigmática na forma de solucionar os conflitos sociais.
Trata-se de uma nova cultura cujo pressuposto é o deslocamento da justiça estatal para a autocomposição.
Outra chance, diante do insucesso da aposta no Estado como única e soberana instância, para o resgate da autonomia de pessoas físicas e jurídicas na solução dos seus conflitos e um remédio para a crise de funcionamento do aparato judicial.
A Lei de Mediação é uma lei especial e representa o marco legal regulatório sobre o tema no Brasil.
O que diferencia esta lei do Novo Código de Processo Civil é justamente a sua especialidade.
A importância da Lei de mediação para o tratamento adequado dos conflitos nos âmbitos judicial e extrajudicial é inenarrável.
Por este motivo, é necessário ficar bem claro que este trabalho não tem por objetivo esgotar todos os estudos a respeito da Lei de Mediação, nem abarcar todas as novidades que este instrumento normativo inaugurou no ordenamento jurídico brasileiro.
O objetivo deste trabalho, como veremos no próximo capítulo, é estudar a mediação como um mecanismo adequado para a resolução de conflitos familiares conjugais.