Controle de convencionalidade no crime de desacato

24/02/2017 às 16:02
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Em julgado de 15/12/2016 a 5ª Turma do STJ entendeu pela incompatibilidade do crime de desacato com o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica, utilizando o mecanismo de controle de convencionalidade.

Em julgado de 15/12/2016 a 5ª Turma do STJ entendeu pela incompatibilidade do crime de desacato com o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica, considerando a criminalização desta conduta como fator contributivo para exacerbação da desigualdade entre funcionários públicos e particulares.

O crime de desacato, que consiste em ofender a dignidade de funcionário público no exercício da função ou em razão dela mediante atitude desrespeitosa, é previsto no artigo 331 do Código Penal:

Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Considerando o caráter supralegal dos tratados de Direitos Humanos signados, o Pacto de São José da Costa Rica incorporou ao nosso ordenamento jurídico previsões que visam a liberdade de pensamento e expressão das pessoas.

Assim, conforme entendimento do STJ:

“No plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade” (STJ REsp 914.253/SP)

No atual contexto de insatisfação da sociedade em relação a maioria dos serviços públicos prestados, a previsão legal do crime de desacato carrega uma incompatibilidade com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, na medida que a aplicação do tipo penal traz insegurança ao permitir que manifestações de descontentamento sejam interpretadas como ofensas a dignidade de determinado funcionário como representante da administração pública.

Destarte, a decisão pela incompatibilidade do dispositivo com a convenção supracitada trata-se de controle de convencionalidade, sem relação com controle de constitucionalidade.

No que tange ao controle de convencionalidade, a Emenda Constitucional no 45/04, autorizou que tratados internacionais de direitos humanos fizessem parte do nosso ordenamento jurídico na condição de norma supralegal mediante a aprovação destes com quorum qualificado, tornando-os equivalentes às emendas constitucionais.

Assim, aprovação qualificada de tratados internacionais de direitos humanos, percebe-se a necessidade de avaliação da compatibilidade vertical do direito pátrio em relação aos tratados supracitados.

Desta feita, as leis devem passar por um duplo crivo, qual seja, a sua compatibilidade com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos.

A norma tida como certa em relação a Constituição, mas tida como contrária a tratado ratificado, será considerada vigente, mas, no entanto, inválida, por não preencher os limites verticais impostos pelo plano interno.

Recordando a ideia clássica de Kelsen, vigência se confundia com validade da norma jurídica, o que foi superado pelo contexto moderno de Direito Humanista que reconhece o caráter de complexidade do conceito de legalidade atinente ao constitucionalismo moderno.

Assim, um sistema normativo adequado, devidamente vigente, deve trazer no seu escopo mecanismos de interpretação conjunta que possibilite uma aplicação coerente e adequada as condutas sociais de um dado momento histórico.

Por fim, clarividente a incompatibilidade da previsão legal do crime desacato, espera-se que a invalidade do dispositivo em questão seja reconhecida também pelo Supremo Tribunal Federal, reiterando a decisão acertada do Superior Tribunal de Justiça.

Referências

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL, Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Inconvencionalidade do crime de desacato.

<http://www.dizerodireito.com.br/2017/01/inconvencionalidade-do-crime-de-desacato.html> Acesso em: 24 fev. 2017.

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