O direito de defesa é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal. No âmbito penal se configura como princípio fundamental, com base constitucional e garantidor de um processo penal justo.
O art. 5º, inc. LV da CF estabelece a necessidade de ampla defesa, sinalizando que mais do que defesa formal, restrita, é necessário que sejam apresentados argumentos jurídicos favoráveis ao réu e seja assegurado, na maior amplitude possível, o exercício da defesa técnica, feita por profissional habilitado, e da autodefesa, efetivada pelo próprio acusado.
A CF também dispõe, em seu art. 5º, inc. LXIII que: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que vige em nosso ordenamento jurídico com status supralegal, assegura em seu art. 8º, inc. II, alínea “g”, que toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.
Por fim, o Código de Processo Penal também preconiza:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
Verifica-se que em nosso ordenamento jurídico, a autodefesa é facultativa, sendo permitido que o réu opte pelo silêncio e invoque o princípio nemo tenetur se detegere (ninguém tem o dever de se descobrir), ou seja, não é obrigado a se autoincriminar.
É importante observar que quando o acusado opta por exercê-la, a autodefesa não é ilimitada, até porque, a princípio, nenhum direito seria absoluto. Tanto é assim, que se assegura ao réu o direito de calar e eventualmente até falsear os fatos em seu interrogatório, mas será responsabilizado caso impute falsamente o crime a pessoa inocente. Da mesma forma, não poderá injustificamente fugir e deixar de prestar socorro às vítimas após causar acidente de trânsito, invocando o privilégio contra a autoincriminação.
Nesse sentido, especificamente em relação à autodefesa, que pode ser feita ao longo de toda a persecução penal, há certa celeuma na doutrina e jurisprudência em relação à situação do acusado que pratica conduta criminosa sob o escopo de estar exercendo legítimo direito de defesa.
A seguir, passamos a analisar as condutas mais usuais na esfera criminal e os entendimentos acerca do assunto.
Falsa identidade
É possível que o autor de crime, ao ser autuado em flagrante ou abordado por autoridade com mandado de prisão, tente ludibriar o cumprimento da ordem ou ocultar maus antecedentes, fornecendo identidade diversa da verdadeira. A conduta, em tese, pode encontrar enquadramento no art. 307 do CP:
Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
A questão é polêmica exatamente por conta do imputado não ser obrigado a produzir prova contra si próprio, o que poderia legitimar sua conduta de fornecer falsa identidade.
Sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça - STJ entendia:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ART. 307 DO CP. ATIPICIDADE. (...)
3. A atribuição de falsa identidade, perante a autoridade policial, pelo preso em flagrante, com o objetivo de ocultar-lhe seus antecedentes penais, não configura o crime tipificado no art. 307 do Código Penal, por constituir hipótese de autodefesa, amparado pelo art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Precedentes do STJ. (EDcl no HC 139.843/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado 02/08/2011) (grifei)
HABEAS CORPUS. ART. 307 DO CÓDIGO PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. CONDUTA ATÍPICA. "PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO: GARANTIA BÁSICA QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO (PARLAMENTAR, POLICIAL OU JUDICIAL) NÃO SE DESPOJA DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS" (STF, HC 94.082-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). PRINCÍPIO "NEMO TENETUR SE DETEGERE". ... OCASIÃO EM QUE SE RECONHECEU O DIREITO QUE TEM QUALQUER INVESTIGADO DE NÃO PRODUZIR QUAISQUER PROVAS CONTRA SI MESMO PERANTE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, POLICIAL OU JUDICIÁRIA.
1. O direito do investigado ou do acusado de não produzir prova contra si foi positivado pela Constituição da República no rol petrificado dos direitos e garantias individuais (art. 5.º, inc. LXIII). É essa a norma que garante status constitucional ao princípio do "Nemo tenetur se detegere" (STF, HC 80.949/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1.ª Turma, DJ de 14/12/2001), segundo o qual, repita-se, ninguém é obrigado a produzir quaisquer provas contra si.
2. A propósito, o Constituinte Originário, ao editar tal regra, "nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, que compõe o "Bill of Rights" norte-americano" (STF, HC 94.082-MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008).
3. "Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado - ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 -RTJ 176/805-806) -, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria" (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
4. Nos termos do art. 5.º, inc. LXIII, da Carta Magna "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado". Tal regra, conforme jurisprudência dos Tribunais pátrios, deve ser interpretada de forma extensiva, e engloba cláusulas a serem expressamente comunicadas a quaisquer investigados ou acusados, quais sejam: o direito ao silêncio, o direito de não confessar, o direito de não produzir provas materiais ou de ceder seu corpo para produção de prova etc.
5. É atípica a conduta de se atribuir falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de ocultar antecedentes criminais, pois se trata de hipótese de autodefesa, consagrada no art. 5.º, inc. LXIII, da Constituição Federal, que não configura o crime descrito no art. 307 do Código Penal. Precedentes.
6. Habeas corpus concedido, para absolver o Paciente do crime de falsa identidade. (HC 171.389/ES, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado 03/05/2011) (grifei)
Entretanto, em 14/10/2011, em julgamento com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal - STF fixou o entendimento de que o princípio constitucional da autodefesa não alcança o acusado que se identifica falsamente, sendo típica a conduta praticada pelo agente. Vejamos:
CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇAO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇAO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INC. LXIII , DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSAO GERAL. CONFIRMAÇAO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inc. LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes. (...)(RE 640139 DF, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 13/10/2011) (grifei)
Tal precedente terminou por alterar a posição do STJ, firmando o entendimento de que a referida conduta não constitui extensão da garantia à ampla defesa, visto tratar-se de conduta típica, por ofensa à fé pública e possivelmente até prejudicial a eventual terceiro cujo nome seja utilizado falsamente.
Destacou o Ministro Marco Aurélio Bellizze que a compreensão firmada pelos membros da Suprema Corte não merece reparos, visto que não se pode negar que a atribuição a si próprio de falsa identidade com o intuito de ocultar antecedentes criminais não encontra amparo na garantia constitucional de permanecer calado, tendo em vista que esta abrange tão somente o direito de mentir ou omitir sobre os fatos que lhe são imputados e não quanto à sua identificação. (HC 168.671, julgado 30/10/2012) (grifei)
Pacificando a questão no âmbito da jurisprudência, em 06/04/2015, o STJ aprovou a Súmula 522: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.
Assim, atualmente há consenso de que o direito ao silêncio se limita aos fatos criminosos, não incluindo a autoatribuição de falsa identidade.
Essa é a posição defendida por Rogério Greco:
O agente pode até mesmo dificultar a ação da Justiça Penal no sentido de não revelar situações que seriam indispensáveis à elucidação dos fatos. No entanto, não poderá eximir-se de se identificar. É um direito do Estado saber em face de quem propõe a aão penal e uma obrigação do indiciado-acusado revelar sua identidade. Essa autoatribuição falsa de identidade nada tem a ver com o direito de autodefesa, ou de, pelo menos, não fazer prova contra si mesmo, de não autoincriminar-se. São situações, segundo nosso raciocínio, inconfundíveis. (Código Penal Comentado, p.908.) (grifei)
Registre-se que a mera negativa de identificação perante autoridade é contravenção penal, nos termos do Decreto-Lei no. 3.688/41:
Art. 68. Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Particularmente, entendemos como mais adequada a antiga posição do STJ pela atipicidade da conduta, posto que é natural e justificável que o imputado, ao ser abordado, seja em situação de flagrância, seja por conta de uma ordem de prisão, queira manter sua liberdade e, para tanto, utilize-se do subterfúgio de falsear ou negar sua real identidade, exercendo o único meio de defesa disponível no momento. Nesse contexto, é perfeitamente sustentável eventual justificação da conduta (excludente de ilicitude) ou inexigibilidade de conduta diversa (exclusão de culpabilidade).
Ainda em relação à identificação, um desdobramento é a hipótese do acusado apresentar documento falso, incidindo no crime do art.304, CP.
A esse respeito, posição pacífica do STJ:
(...) 1. O uso de documento falso com a finalidade de evitar que o réu seja novamente recolhido à prisão não pode ser considerado como exercício de autodefesa. 2. A utilização de documento público em benefício do agente e em detrimento do Estado, configura ofensa à fé pública e não se confunde com a figura típica prevista no art. 307 do Código Penal. HC 197447 SP, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 9/11/2011.
(...) 3. A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, firmou a compreensão de que tanto a conduta de utilizar documento falso como a de atribuir-se falsa identidade, para ocultar a condição de foragido ou eximir-se de responsabilidade, caracterizam, respectivamente, o crime do art. 304 e do art. 307 do Código Penal, sendo inaplicável a tese de autodefesa. HC 156087 SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 05/09/2012. (grifei)
Quanto ao uso de documento falso, é forçoso reconhecer que há uma conduta criminosa pretérita totalmente independente do exercício do direito de defesa. Tenha sido o próprio acusado autor da falsificação ou adquirido o documento falso para utilizá-lo posteriormente, não há como excluir o crime sob alegação de que agiu acobertado pelo exercício da autodefesa.
Fraude processual
É comum, logo após a prática criminosa, o autor do fato alterar o local do crime, utilizando artifícios que falseiem a prova, no intuito de não ser identificada a autoria ou as reais circunstâncias do delito e consequentemente provocar equívocos no julgamento. O acusado pode modificar a posição de algum objeto, eliminar vestígios de sangue, colocar a arma perto da vítima de homicídio para simular suicídio, apagar digitais, aparentar ter perturbação mental etc.
Tais práticas podem corresponder ao tipo penal descrito no CP como fraude processual:
Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:
Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.
Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.
Em relação à essa conduta, os Tribunais Superiores tem entendido que o privilégio contra a autoincriminação não permite que o autor do fato altere a cena do crime:
HABEAS CORPUS PREVENTIVO. IMPUTAÇÃO DE HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO E FRAUDE PROCESSUAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO QUANTO AO SEGUNDO DELITO. (...)
5. O direito à não auto-incriminação não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena do crime, inovando o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, para, criando artificiosamente outra realidade, levar peritos ou o próprio Juiz a erro de avaliação relevante.
6. Embora se postule neste HC a irresponsabilidade penal quanto à fraude processual, a coerência jurídica aponta que a pretensão final é relativa ao crime de homicídio; assim, acaso vinguem os prognósticos da defesa (e nesse estágio não há de se desiludi-la), nenhum empecilho sobrará à investigação da fraude processual e de seus autores.
7. Somente se poderia afastar o crime de fraude processual imputado aos réus, se a sua conduta fosse manifestamente atípica ou se inexistente qualquer indicio de prova de autoria; na decisão de pronúncia (art. 314 do CPP), o Juiz expressou a sua fundada e justa convicção quanto à necessidade de submeter os acusados ao Tribunal do Júri Popular, competente para julgar os crimes dolosos contra a vida e os que lhes estejam eventualmente conexos. Precedentes.
8. Ordem denegada, não obstante o parecer ministerial em sentido contrário. (STJ. HC 137.206/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado 01/12/2009) (grifei)
1. .AÇÃO PENAL. Crime de fraude processual. Homicídio doloso praticado dentro de clínica médica. Limpeza do local para eliminação de vestígios de sangue. Artifício que tenderia a induzir em erro o juiz de ação penal. Fato típico em tese. (...) 2. AÇÃO PENAL. Crime de fraude processual penal. Não caracterização. Delito de caráter subsidiário. Homicídio doloso praticado dentro de clínica médica. Limpeza do local para eliminação de vestígios de sangue. Ato de execução que, inserindo-se no iter do delito mais grave de ocultação de cadáver (art. 211 do CP), é por este absorvido. Imputação de ambos os delitos em concurso. Inadmissibilidade. Bis in idem. Exclusão da acusação de fraude na pronúncia. HC concedido, por empate na votação, para esse fim. Interpretação conjugada dos arts. 211 e 347, § único, do CP. O suposto homicida que, para ocultar o cadáver, apaga ou elimina vestígios de sangue, não pode ser denunciado pela prática, em concurso, dos crimes de fraude processual penal e ocultação de cadáver, senão apenas deste, do qual aquele constitui mero ato executório. (STF. HC 88733, Rel. Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, julgado em 17/10/2006) (grifei)
No acórdão acima, o STF reconheceu a ilicitude da conduta do agente, que limpou os vestígios de sangue do local do delito, mas, no caso específico, entendeu que a fraude processual foi absorvida pelo crime de ocultação de cadáver.
Discordando do entendimento jurisprudencial, Rogério Greco sustenta que a conduta faz parte do direito de defesa:
Se o réu, por exemplo, com a finalidade de se defender, vier a inovar artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou de pessoa com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito, entendemos que o fato deverá ser entendido como fazendo parte do seu direito à autodefesa, não podendo ser responsabilizado pela infração penal em exame. (Código Penal Comentado, p.1052)
Concordamos com a posição de que a conduta do imputado é atípica, sendo impossível exigir na situação concreta que o autor de um delito aja de forma diferente: seja se livrando do instrumento do crime, seja limpando o local ou até mesmo trocando de roupa. A conduta afoita - e natural – de querer livrar-se dos vestígios ou arma compele o agente a alterar o lugar, objetos e até sua aparência física, o que a princípio até corresponde à descrição prevista no tipo penal, mas na verdade são atos toleráveis, muitas vezes irrefletidos, fruto do desespero ou calor do momento, plenamente justificáveis e praticados em legítimo exercício da autodefesa.
Desobediência
Uma vez na condição de indiciado ou réu, é comum que a autoridade, policial ou judiciária, determine a prática de atos que não sejam do interesse do imputado, levando ao seu descumprimento. Nesses casos, poder-se-ia sustentar o enquadramento no crime de desobediência:
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Entre os atos determinados pelas autoridades responsáveis pela persecução penal, podemos identificar no CPP:
Art. 7o Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.
Art. 174. No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á o seguinte: (...)
IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os exibidos, a autoridade mandará que a pessoa escreva o que Ihe for ditado. Se estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em que se consignarão as palavras que a pessoa será intimada a escrever.
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. (grifei)
Em relação à reconstituição simulada do crime, afirma Fernando da Costa Tourinho Filho:
E se o indiciado a tanto se opuser? Não comete nenhuma infração. Se ele não é obrigado a acusar a si próprio (nemo tenetur se detegere), se ele tem o direito constitucional de permanecer calado, não teria, como não tem sentido, ser eventualmente processado por desobediência pelo simples fato de se recusar a contribuir para a descoberta de “alguma prova” contra ele... Embora o suposto autor do delito não possa ser compelido a fazer parte da reconstituição, em face do privilégio contra a autoincriminação, se ele quiser participar, sua presença não pode ser recusada. ... Não se pode dizer tenha sido ele desobediente. Se a Magna Carta lhe confere o direito ao silêncio, se ele não é obrigado a fazer prova contra si próprio, não está obrigado a participar da diligência. Nesse sentido já se pronunciou o STF (RT. 697-385; RTJ, 142-855). (Processo Penal, v.1, p.297-8) (grifei)
Em observância ao privilégio contra a autoincriminação, é possível negar a participação em reconstituição do crime, fornecer padrões de próprio punho para fins de exame grafotécnico, bem como deixar de comparecer perante a autoridade em clara demonstração de que pretende invocar o direito ao silêncio.
É pacífica a posição do STF de que, por conta do princípio nemo tenetur se detegere, o acusado não é obrigado a fornecer padrão vocal ou de escrita para a realização de perícias que eventualmente possam prejudicá-lo. Esse mesmo raciocínio deverá ser aplicado para o fornecimento de material biológico previsto na Lei no. 12.654/2012. Vejamos:
1. O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável.
2. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia. (HC 83096, Rel. Min. ELLEN GRACIE, julgado 18/11/2003) (grifei)
HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inc. IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inc. IV do art. 174. Habeas corpus concedido. (HC 77135, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, julgado 08/09/1998) (grifei)
Rogério Grego sustenta que se o prejuízo é patente, não se pode responsabilizar criminalmente o agente pelo fato de não atender às ordens legais, afastando o delito de desobediência. E conclui: Da mesma forma, não importará em reconhecimento do delito de desobediência quando o agente deixa de comparecer ao seu interrogatório em juízo, ou mesmo a fim de prestar suas declarações perante a autoridade policial, haja vista não estar obrigado a qualquer tipo de manifestação, nos termos preconizados pelo inc. LXIII do art. 5º da Constituição Federal. (Código Penal Comentado, p.990)
Quanto à presença do imputado, Fernando da Costa Tourinho Filho questiona:
Certos atos processuais, além do interrogatório, não podem ser realizados sem a presença do imputado, tais como o reconhecimento, a acareação etc., e, por isso mesmo, o legislador, sabiamente, concedeu até à autoridade poderes para determinar a condução coercitiva do imputado à sua presença, conforme dispõe o art.260 do CPP. Mas, se ele tem o direito constitucional de permanecer calado, parece óbvio não estar obrigado a submeter-se à acareação. Por outro lado, em face desse direito, por que razão deverá o juiz determinar-lhe a condução coercitiva? Apenas para demonstrar autoridade? Suponha-se que o réu desatenda ao chamado para ser interrogado. O Juiz, então, cumpre a regra do art.260. O réu, coercitivamente, comparece. E daí? E se ele insistir no respeito ao seu direito ao silêncio? De que valeu a condução coercitiva? Todavia, se for necessária sua presença para a sua perfeita qualificação, p.ex., o art.260 tem inteira aplicação. Do contrário, não. (Processo Penal, v.2, p.552-3) (grifei)
Desse modo, não há que se falar em crime de desobediência na hipótese de o acusado não comparecer para ser interrogado quando notificado. Muito menos justifica-se sua condução coercitiva, posto que não pode ser crime a conduta de deixar de fornecer prova contra si.
Nesse sentido, precedente do STJ:
RESP. PROCESSUAL PENAL. ATOS PROCESSUAIS. PRESENÇA DO ACUSADO.
1. O comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, é um direito e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento. Nem mesmo ao interrogatório estará obrigado a comparecer, mesmo porque as respostas às perguntas formuladas fica ao seu alvedrio. (STJ. REsp 346.677/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, julgado 10/09/2002) (grifei)
Somente se justifica a condução coercitiva se houver alguma dúvida quanto à identidade do acusado e o juiz entender ser necessária a sua presença física no ato. Assim, a condução seria facultativa, nunca dever jurídico.
Nesse sentido, Eugenio Pacelli (p.41-2):
Desse modo, também a condução coercitiva prevista na primeira parte do art.260 do CPP, quando determinada para simples interrogatório – meio de defesa, no qual o acusado não é obrigado a prestar qualquer informação, nem tem qualquer compromisso com a verdade -, é de se ter por revogada, igualmente por manifesta incompatibilidade com a garantia do silêncio. (Curso de Processo Penal, p.41-2)
Percebe-se que a negativa do acusado em cumprir determinadas ordens, quando lhe forem flagrantemente prejudiciais e com possibilidade de autoincriminação, está acobertada pelo exercício da autodefesa e não caracteriza o crime de desobediência.
Falso testemunho
Em alguns países, o acusado que mentir durante seu interrogatório comete perjúrio. Assim, ainda que lhe seja garantido o direito ao silêncio e a não autoincriminação, caso decida responder as perguntas, não poderá faltar com a verdade, sob pena de cometer crime.
No Brasil, não há esse tipo penal, o que implica que o réu, quando opta por responder as perguntas, não será penalizado caso minta, exceto se imputar falsamente o crime a si próprio ou a terceira pessoa inocente, hipóteses em que poderá ser responsabilizado por autoacusação falsa ou denunciação caluniosa (arts. 341 e 339, CP).
Isto posto, pela atipicidade do perjúrio e por não ser testemunha, o acusado não responde pelo crime de falso testemunho:
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Fernando da Costa Tourinho Filho comenta:
... mesmo sendo mendazes as palavras do imputado, nem por isso se estará violando o disposto no art.342 do CP... Todavia semelhante liberdade de dizer o que quiser e de não responder a todas ou a algumas perguntas não vai ao extremo de se lhe permitir, impunemente, fazer uma autoacusação falsa. Poderá negar a prática do crime, mesmo havendo muitas provas contra ele. Mas o que se lhe não permite é atribuir a si a autoria de um crime que realmente não tenha cometido. (Processo Penal, v.3, p.305) (grifei)
Em relação a esse tema, cabe observar dois pontos importantes:
Primeiro, a testemunha também é acobertada pelo direito ao silêncio e o princípio nemo tenetur se detegere em relação à fatos que possam lhe autoincriminar:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO. INOCORRÊNCIA. LEI 1.579/52, ART. 4º, II (CP, ART. 342). COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. TESTEMUNHA. PRISÃO EM FLAGRANTE. CPP, ART. 307. I. - Não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la. (STF. HC 73.035/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 19/12/96).
RECURSO ESPECIAL. PENAL. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO DA ORDEM. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALSO TESTEMUNHO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DEPOENTE DESOBRIGADO DE PRESTAR DECLARAÇÕES QUE POSSAM INCRIMINÁ-LO. 1. In casu, não há como reconhecer a prática do crime de falso testemunho, porquanto é atípica a conduta do depoente que em suas declarações se exime de auto-incriminar-se. Precedentes do STJ e do STF. 2. Recurso desprovido. (STJ. REsp 402.470/AC, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 15/12/2003).
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FALSO TESTEMUNHO. ADVOGADO.
PARTICIPAÇÃO. CABIMENTO. TESTEMUNHA. AUTO-INCRIMINAÇÃO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. ATIPICIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O falso, que afasta a auto-incriminação, não caracteriza o delito tipificado no artigo 342 do Código Penal. 2. Ordem concedida. Habeas corpus de ofício. (STJ. HC 47.125/SP, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ 05/02/2007) (grifei)
Portanto, a testemunha que omite ou falseia informações para não se autoincriminar, não pratica crime.
O segundo ponto é que o acusado não pratica falso testemunho, mas poderá responder pelo crime previsto no art.343, CP:
Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:
Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.
O crime de corrupção ativa de testemunha ou, simplesmente, suborno pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive o réu. Por ser conduta autônoma à prática criminosa, normalmente posterior ao crime e que tem por finalidade específica prejudicar a Administração da Justiça, não há como se alegar direito de defesa.
Por fim, cabe observar que a Lei no. 12.850, que trata das organizações criminosas e regulamentou a colaboração premiada, prevê em seu Art. 4o § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.
No caso do agente concordar em se tornar um colaborador, ele opta por não exercer o direito ao silêncio, ficando obrigado não só a dizer a verdade, como apresentar provas do alegado. Especificamente nesse contexto, na hipótese de fornecer informações falsas, responderá por tipo penal específico:
Art. 19. Imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Essas são as considerações acerca das condutas aparentemente criminosas que o imputado pode praticar no intuito de se autodefender. Em relação à falsa identidade e uso de documento falso predomina o entendimento de que há tipicidade. Quanto à fraude processual, há controvérsia importante sobre o tema. No que se refere ao crime de desobediência predomina a posição pela atipicidade. Por fim, quanto às declarações falsas na oitiva, devem ser observadas as ponderações feitas acima.