"Se em um dia de tristezas, tiveres de escolher entre o mundo e o amor... escolhas o amor, e com ele conquiste o mundo!" (Albert Einstein)
Quem já foi a um culto, reunião, independente da denominação ou religião, percebe que em determinado momento abre-se a oportunidade para os fiéis contribuírem financeiramente para a "obra". Mas alguns "líderes" religiosos usam da sua postura, ou posto, de superioridade espiritual para, muitas vezes, agirem com práticas ilegais: o uso do "dom" divino para arrecadar dinheiro. Não quero ofender nenhuma religião nem seus líderes, por isso grifo "alguns", pois há exceções. Esse tema polêmico será abordado nesse presente e simplório artigo.
Em decisão unânime, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a ameaça de emprego de forças espirituais para constranger alguém - "dizer que usará forças espirituais para obrigar uma pessoa a entregar dinheiro" - é apta a caracterizar o crime de extorsão, ainda que sem violência física ou outro tipo de ameaça. (Grifo nosso)
Aconteceu em São Paulo: a vítima contratou a acusada para fazer trabalhos espirituais de cura. A ré teria induzido a vítima a erro e, por meio de atos de curandeirismo, obtido vantagens financeiras de mais de R$ 15 mil. Tempos depois, quando a vítima se recusou a dar mais dinheiro, a mulher teria começado a ameaçá-la.
E o que vem a ser crime de ameaça?
O crime de ameaça consiste em ameaçar alguém de mal injusto e grave. É classificado como doloso, comum, de forma livre, unissubsistente, que é aquele que é realizado por ato único, não sendo admitido o fracionamento da conduta, como, por exemplo, no desacato (Artigo 331 do Código Penal Brasileiro) praticado verbalmente. Para Nelson Hungria, não cabe tentativa nessa espécie de crime, pois não há fragmentação da atividade. Entretanto, parte da doutrina admite tentativa em determinados casos; Fernando Capez aponta como exemplo o agente que efetua um único disparo com arma de fogo contra a vítima e erra o alvo, ou plurissubsistente que, por seu turno, é aquele cuja ação é representada por vários atos, ou seja, a conduta é um processo executivo composto por fases que podem ser fracionadas, e, por isso, admite a tentativa. Este tipo de crime constitui a maioria dos delitos, instantâneo, unilateral (em regra), subsidiário.
CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940
Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
As pessoas que frequentam e acreditam em manifestações espirituais acabam sendo "presas" fáceis a serem pressionadas a, em alguns casos, "ofertar" algum valor em troca da sua suposta cura. Esse tipo de atuação, tirando proveito da crença, se configurará crime de ameaça quando o "líder" usar da sua "autoridade" prometendo uma retaliação das divindades espirituais ao "fiel" caso ele pare de contribuir para tal ação. E por se configurar um crime que não admite tentativa, só com o resultado de tal ato o crime estará satisfeito.
Existem posições contrárias a isso. A carta, como está tipificado na lei, causa uma margem para interpretação de um possível crime que admite a tentativa.
O Código Penal Brasileiro tipifica o crime de ameaça no seu artigo 147, que tem a seguinte redação: "Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave".
A ameaça precisa de atuação dolosa, ou seja, vontade de agir. Nesse entendimento, uma pessoa fora de sua consciência, como um embriagado, não possui o animus para tal fato.
Alguns podem até questionar: e se ele bebeu para ter coragem? Existe uma decisão para tal situação:
Ameaça verbal. Embriaguez. Inexistência de crime. É penalmente irrelevante, porque carente da seriedade e idoneidade necessárias para intimidar, a ameaça meramente verbal, que encerra um fim em si mesma, proferida em estado de completa embriaguez.
Decisão: Dado provimento ao Recurso para julgar improcedente a acusação e absolver o réu, unânime.
Acórdão nº 148.516. Relator: Juiz Fernando Habibe. Apelante: André Santos Silva. Apelado: MPDFT. APJ 2000011067874-5, TRJE, PUB. EM 14/02/02; DJ 3, P. 183
A ameaça, portanto, deve ser capaz de intimidar a vítima. O estado de embriaguez retira daquele que ameaça o dolo específico. Neste sentido, decidiu a Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em recurso de apelação, processo nº 1451959/8, 11ª Câmara, Relator Wilson Barreira, em 25/10/2004, in verbis:
"Desacato e ameaça - agente embriagado que, ao ser abordado por guardas municipais, profere expressões ofensivas, bem como os ameaça por palavras e gestos - absolvição.
Desacato - suposto estado de embriaguez - dúvidas acerca da presença do dolo específico - absolvição mantida. - diante do suposto estado de embriaguez do increpado, que retira a capacidade de compreender e afasta o dolo específico, é de rigor a absolvição pela acusação de desacato. - ameaça - não caracterização - hipótese. - o dolo do art. 147, do Código Penal, exige certeza na demonstração da séria ameaça capaz de infundir verdadeiro receio na vítima, de vir a sofrer mal injusto e grave. inexistentes elementos seguros neste sentido, de rigor o 'non liquet'".
Como vivemos em um país laico, de múltiplas religiões e crenças, o papel do líder espiritual é de orientador para seus fiéis. Em algumas religiões (gênero) e denominações (espécie), seus líderes são remunerados, e diga-se de passagem, bem remunerados, e os mesmos não têm o direito de usar dessa autoridade e liderança para extorquir aqueles que saem de suas casas procurando uma suposta "paz" interior ou até mesmo uma cura divina, quando não resolvido pela medicina.