Da cessão enquanto meio de transmissão das obrigações

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O seguinte trabalho tem como objetivo a abordagem sobre à cessão de crédito e como se realiza, de maneira fática, os trâmites e procedimentos para a aquisição de tal.

RESUMO

O seguinte trabalho tem como objetivo a abordagem sobre a cessão de crédito e como se realiza, de maneira fática, os trâmites e procedimentos para a aquisição de tal. Buscando também o entendimento de como ocorre à vinculação de terceiros em uma relação bilateral, analisando o contexto histórico referente à evolução das transmissões de obrigações que eram considerados personalíssimos e com o passar do tempo foi se modificando de acordo com as necessidades da sociedade, passando a se admitir a cessão de crédito e a praticidade que isso trouxe nas relações comerciais. Explanaremos aqui as consequências após a realização da cessão de crédito, tais como as novas responsabilidades do novo credor (cessionário) e do primitivo (cedente), e a sua relação com o devedor (cedido).

Palavras-chave: Cessão de crédito. Transmissão das obrigações. Terceiros.

1 INTRODUÇÃO

A vida em sociedade consiste em relações entre indivíduos, e com isso resulta em diversas relações jurídicas que resultam em obrigações, direitos e deveres na esfera social. A Teoria Geral das Obrigações busca justamente o estudo dessas relações e os efeitos que geram.

O ordenamento social é referto de deveres: do cidadão para com a sua Pátria, na órbita política; do indivíduo para com o grupo, na ordem social; de um para com os outros, dentro do organismo familiar; de uma pessoa para com outra, na vida civl. Não importa onde esteja, o homem acha-se rodeado de experiências, das quais lhe resultam situações que traduzem imposições, deveres ou obrigações. Algumas não chegam mesmo a penetrar os limites do jurídico, permanecendo, como deveres morais, espirituais ou de cortesia; (Pereira, 2007, p.3).

Toda obrigação tem por base dois lados, uma passiva e uma ativa, um devedor e um credor, sendo o credor aquele que pode entrar em ação para cobrar a coisa e o devedor, como o próprio nome já diz deve a coisa, sendo relações bilaterais o credor é ao mesmo tempo devedor e o devedor é ao mesmo tempo credor. Sendo um credor da coisa e outro credor do pagamento, um devedor da coisa e outro devedor do pagamento.

 [...] Obrigação é o vínculo jurídico ao qual nos submetemos coercitivamente, sujeitando-nos a uma prestação, segundo o direito de nossa cidade.( Pereira, 2007, p.5)

Há, assim, a consideração da obrigação como um processo em que o credor também tem dever de cooperar para fins de adimplemento baseado no princípio da boa-fé objetiva, sem que por óbvio não seja obrigado ao cumprimento da prestação principal.(Clóvis couto e Silva. A obrigação como processo, pág. 120, Apud Pereira, 2007, p.6).

Neste trabalho discorreremos sobre uma parte mais específica que a Teoria Geral das Obrigações, a transmissibilidade das obrigações, dando maior ênfase à cessão de crédito, a qual consiste na mudança do credor na relação obrigacional.

Pode-se dizer que a cessão, em sentido amplo, pode ser conceituada como a transferência negocial, a título oneroso ou gratuito, de uma posição na relação jurídica obrigacional, tendo como objeto um direito ou um dever, com todas as características previstas antes da transmissão. (Tartuce, 2012, p.266)

2 TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

O Direito Civil brasileiro herdou grande parte de suas normas do Direito romano e como esse não considerava possível a transferência de quaisquer obrigações, por tratar tais direitos como personalíssimo, o Direito brasileiro também abordava esse conceito quanto as transferências.

O instituto recebeu a sua construção dogmática mais precisa no Direito moderno, de vez que o romano não o havia estruturado com perfeição. Razão disto era o caráter demasiadamente personalista da obrigação (a que por mais de uma vez nos termos referidos), que se mostravam incompatível com a transferência de um dos termos da obrigação e o exercício dos poderes respectivo, por outrem que não o seu titular. Primitivamente, a obrigação era totalmente intransmissível. [...] Somente mais tarde foi que se tolerou a mutação do credor, e mesmo assim através de m complexo e indireto processo, em que aliás os romanos eram férteis. (Pereira, 2007, p. 401- 402).

Com a inexistência da transmissão das obrigações, o modo como à cessão de crédito era realizada era bem diferente da atual. Pelo direito não permitir a cessão de crédito, considerava o terceiro da relação como mero representante do credor, não sendo possível transferir o direito de crédito em si, mas somente possibilitava ao terceiros ter certos poderes de mandatário. Após essa fase, com o avanço da sociedade e de suas relações obrigacionais, houve uma separação entre o crédito e a ação, sendo possível a transmissão ao cessionário da ação, mas não do crédito.

O mecanismo da cessão de crédito, quando o Direito romano a admitiu na sua sistemática, pela mesma razão do personalismo obrigacional, era bem diferente do atual. Não sendo possível transferir a título particular o direito de crédito em si, outorgava o credor, àquele a quem pretendia cedê-lo, poderes de mandatário, e, fazendo-o seu procurador, com a cláusula in rem suam, habilitava-o a exercer direitos de credor e guardar para si, como dominus litis, as vantagens e quantias recebidas. Somente mais tarde foi que, naquele direito, imaginou-se uma fórmula ligeiramente simplificada de cessio, através de separação entre o crédito e a ação a ele competente (actio utilis), operando-se, então, não propriamente a transferência do primeiro, mas a cessão da segunda, conferida consequentemente ao cessionário. (Pereira, 2007, p. 402).

Por muito no Brasil não se admitia a transmissibilidade, porém no século passado isso se modificou com a introdução no Código Civil da transferência das obrigações, se dividindo em: cessão de crédito, cessão de débito e cessão contratual. As cessões consistem basicamente numa mudança subjetiva da relação obrigacional, em virtude de disposição legal ou sentença judicial, que modifica o credor (cessão de crédito) ou o devedor (assunção de débito) e a modificação de ambos (cessão contratual) que ainda não possui tratamento especifico, sendo debatido pela doutrina e direcionado pela jurisprudência.

2.1 Cessão de crédito

A cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral que o credor transfere a um terceiro a sua situação creditória, podendo ser gratuito ou oneroso. Ao haver a transferência creditória a outrem, esse ocupará o lugar de credor na relação obrigacional, sendo transferidos todos os elementos da obrigação, seguindo a regra de que o acessório segue o principal.

Na cessão de crédito não há a existência de uma nova relação, é somente uma mudança dos sujeitos enquanto o objeto da relação permanece inalterado, sendo essa  a principal diferença entre cessão e novação, pois na novação ocorre a extinção da relação primitiva surgindo uma nova.

A doutrina nomeia os autores da cessão como sendo: cedente, cessionário e cedido. O cedente é aquele que realiza a cessão a terceiro, o cessionário é o terceiro que recebe o direito de credor e o cedido é o devedor.

[...] Negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere  a outrem a sua qualidade creditória, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário. Tanto pode ser esta a venda como a doação. [...] Em qualquer caso, é sempre distinta do negócio jurídico que a originou. É, por sua vez, um ato jurídico, não criador, acrescenta-se, mas meramente transmissor  da titularidade do crédito, no qual ressalta a substituição do primitivo credor pelo seu atual adquirente, enquanto subsiste objetivamente inalterado. (Serpa Lopes, Curso, II, n° 381. Apud Pereira, 2007, p.404)

A cessão de crédito pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral ou sinalagmático, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor, sujeito ativo de uma obrigação, transfere a outrem, no todo ou em parte, a sua posição na relação obrigacional. Aquele que realiza a cessão a outrem é denominado cedente. A pessoa que recebo o direito de credor é o cessionário, enquanto o devedor é denominado cedido. (Tartuce, 2012, p.266).

Com a cessão são transferidos todos os elementos da obrigação, como os acessórios e as garantias da dívida, salvo disposição em contrário. A cessão independe da anuência do devedor (cedido), que não precisa consentir com a transmissão. (Tartuce, 2012, p.267).

Diversas são as modalidades da cessão, sendo elencadas por Tartuce como sendo espécies quanto à origem, quanto as obrigações que gera, quanto a sua extensão e quanto a responsabilidade do cedente ao cedido.  

Quanto à origem, a cessão pode ser legal, judicial ou convencional. A legal consiste, como o próprio nome já sugere, na lei que toma como base o art. 287 do CC tratando sobre os acessórios da relação, como já citado acima, que seguem o principal, salvo estipulado contrário em contrato. A judicial ocorre por força de sentença. E por fim a convencional que é a originada por livre e espontânea vontade dos interessados.

a) Cessão legal - é aquela que decorre da lei, tendo origem na norma jurídica. É a que ocorre em relação aos acessórios da obrigação, no caso da cessão de crédito, conforme o art.287 do CC. Cedido o crédito, cedem-se também os acessórios (a multa, a cláusula penal, os juros e as garantias, pessoais ou reais), salvo previsão em contrário no instrumento negocial. (Tartuce, 2012, p.272).

b)Cessão judicial - é aquela oriunda de decisão judicial após processo civil regular, como é o caso da decisão que atribui ao herdeiro um crédito do falecido(exemplo de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso..., 2003, p. 265, Apud Tartuce, 2012, p. 272)

c)Cessão convencional – é a mais comum de ocorrer na prática, constituindo a cessão decorrente de acordo firmado entre cedente e cessionário por instrumento negocial. Ocorre no contrato de factoring por exemplo.(Tartuce, 2012, p.272).

Quanto às obrigações, a cessão pode ser a titulo oneroso ou a titulo gratuito, é oneroso quando existe uma contraprestação e é gratuito quando não possui nenhuma retribuição de benefícios.

a)Cessão a título oneroso -  assemelha-se ao contrato de compra e venda, diante da presença de uma remuneração. Pelo fato de poder ser onerosa a cessão de crédito difere-se da sub-rogação. Ocorre cessão onerosa no contrato de factoring.

b)Cessão a título gratuito – assemelha-se ao contrato de doação, pela ausência de caráter oneroso. Nesse ponto até pode se confundir com o pagamento com sub-rogação. Entretanto, no plano conceitual, a cessão de crédito é transmissão de obrigação, enquanto a sub-rogação é uma regra especial de pagamento ou forma de pagamento indireto. .(Tartuce, 2012, p.272-273).

Quanto a sua extensão pode ser total ou parcial, como o próprio nome já diz, a total transfere a relação obrigacional por completo e na parcial somente uma parte, o que resulta em uma retenção em uma parte do crédito. E por último a responsabilidade do cedente ao cedido, sendo possível dois tipo, pro soluto ou pro solvendo. O pro soluto consiste em o livramento do cedido em relação a sua obrigação a partir da cessão de crédito e o pro solvendo o cedido ainda é responsável até a quitação do crédito para o cessionário, necessitando está estar previstas pelas partes.

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a)Cessão pro soluto – é a que confere quitação plena e imediata do débito do cedente para com o cessionário, exonerando o cedente pela solvência do cedido(art.296, do CC).

b)Cessão pro solvendo -  é aquela em que a transferência do crédito é feita com intuito de extinguir a obrigação apenas quando o crédito for efetivamente cobrado. Deve estar prevista pelas partes, situação em que o cedente responde perante o cessionário pela solvência do cedido (art. 297 do CC). (Tartuce, 2012, p. 273).

[...] E pode, finalmente, dar-se a cessão, pro soluto ou pro solvendo, conforme o cedente transfira o seu crédito em solução de uma obrigação preexistente, ficando dela exonerado; ou subsista aquela, sem a quitação do cessionário, coexistindo a obrigação cedida e a primitiva. (Pereira, 2007, p.405)

2.2 Requisitos para a cessão

A cessão de crédito em primeira instância é sempre transferível, uma vez que não ocorra uma vedação na sua própria origem, legais, naturais ou convencionais, estando previsto no art. 286 a possibilidade e impossibilidade de transferência. Como já explicado acima, a cessão de crédito era impossível de ocorrer por considerar os direitos creditícios personalíssimos, apesar dessa mudança ainda permanece certas imposições para a sua aplicação, como os direitos de família que hoje ainda são considerados como direitos pessoais.

 Como citado por Caio Mário da Silva Pereira, a transferência de crédito incessível é inválida entre as partes, porém em relação a terceiros que se encontram de boa-fé a proibição convencional não anula a cessão de crédito(2007, p.406).

 Em relação ao terceiro de boa-fé, entretanto, a proibição convencional não tem eficácia se não constar do próprio instrumento da obrigação, nos termos da parte final do art. 286 do Código Civil de 2002.

Uma vez que não ocorram oposições naturais, legais ou convencio-nais à cessão, é lícito ao credor fazê-la, transferindo a razão creditícia ao cedido com todos os acessórios da obrigação. (Pereira, 2012, p.406).

Nesse sentido prevê o art.286 do atual CC que “o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”. (Tartuce, 2012, p.267).

Ao se modificar o credor da relação negocial gera uma dúvida por parte do devedor à quem pagar. Desse modo para evitar tais confusões, o Código Civil prevê que somente é válido a cessão de crédito caso haja notificação ao devedor, não necessitando da sua aprovação, somente que esse esteja ciente.

Como já exposto, para que a cessão seja válida, não é necessário que o devedor (cedido)com ela concorde ou dela participe. Mas o art.290 do CC enuncia que a cessão não terá eficácia se o devedor dela não for notificado. Essa notificação pode ser judicial ou extrajudicial não havendo maiores requisitos formais previstos em lei. O dispositivo admite inclusive a notificação presumida o devedor não poderá alegar o contrário, o que é a aplicação da máxima venire contra factum proprium, que veda que a pessoa caia em contradição por conduta que ela mesma praticou ( princípio da boa-fé objetiva e teoria dos atos pr´prios – vedação do comportamento contraditório).

Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão paga ao credor primitivo, eis que não há prazo legal para a notificação. (Tartuce, 2012,p. 269)

A cessão de crédito além de para ser realizado não estar vedado como dito acima e de necessitar da notificação do devedor, quando feito por meio de instrumento particular, para ter efeitos, necessita de certos requisitos elencado por Tartuce (2012, p.268) como sendo:

a) a indicação do lugar onde foi passada;

b) a qualificação do cedente, do cessionário e do cedido;

c) a data da transmissão

d) o objetivo da transmissão;

e) a designação e a extinção de obrigação transferida.

PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2.

TARTUCE, Flávio. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil . V 2. 7 ed, 2012


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Sobre os autores
Iman El Kems

Aluna do 10 período do Curso de Direito, da UNDB.

Manuella B. Castro

Alunas do 3º período Vespertino, Turma 1, do curso de Direito, da UNDB.

Vail Altarugio Filho

Professor Especialista, orientador.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Paper apresentado à disciplina Direito das Obrigações, da Unidade Ensino Superior Dom Bosco- UNDB.

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