A validade jurídica e a exequibilidade judicial dos contratos de prestação de serviços digitais

12/03/2017 às 01:29
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O presente estudo pretende demonstrar a validade do contrato de prestação de serviços firmado pela Rede Mundial de Computadores (Internet) e sua qualidade de título executivo extrajudicial.

A doutrina do Direito Digital, ao tratar dos objetivos da Segurança da Informação, preceitua:

"Quanto aos seus objetivos, a Segurança da Informação visa a três pontos: a) confidencialidade - a informação só deve ser acessada por quem de direito; b) integridade - evitar que os dados sejam apagados ou alterados sem a devida autorização do proprietário; e c) disponibilidade - as informações devem sempre estar disponíveis para acesso. Alguns autores defendem o acréscimo de mais dois aspectos: a autenticidade e a legalidade. A autenticidade é a capacidade de identificar e reconhecer formalmente a identidade dos elementos de uma comunicação eletrônica ou comércio. Já a legalidade é a "característica das informações que possuem valor legal dentro de um processo de comunicação, onde todos os ativos estão de acordo com as cláusulas contratuais pactuadas ou a legislação política institucional, nacional ou internacional vigentes". (grifamos e destacamos) (1)

Portanto, em consonância com o entendimento doutrinário sobre o tema, entendemos que o uso de login e senha privativos, aliado à manutenção da confidencialidade, integridade, disponibilidade, autenticidade e legalidade de informações transmitidas por meio de sistema de autoatendimento eletrônico, via Rede Mundial de Computadores (Internet), dispensa o reconhecimento ou o abono de assinatura do contratante em meio papel.

Esse entendimento está alinhado à jurisprudência de nossos tribunais, conforme segue demonstrado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA PELO RITO SUMÁRIO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS ADERIDO VIA INTERNET. VALIDADE. PRODUÇÃO DE PROVAS NO RITO SUMÁRIO. POSSIBILIDADE. INTIMAÇÃO DO AUTOR PARA EMENDAR A INICIAL. AUSÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INDEVIDA. I - O contrato de prestação de serviços formalizado eletronicamente é plenamente válido e capaz de gerar todos os efeitos de prova em processo judicial. II - Apelo conhecido e provido. (TJ-MA - AC: 350622009 MA, Relator: MARCELO CARVALHO SILVA, Data de Julgamento: 02/02/2010, SÃO LUÍS)  (grifamos e destacamos)

“No que tange a assinatura digital, tem ela expressa previsão na MP 2.200-2, de 24/8/2001, que, em seu artigo 1º, institui "a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras [...].” TJ/MG, AI. 1.0024.08.079318-5/001, Des. Rel. Sebastião Pereira de Souza, publicado em 19/06/2009) (2)

E está em consonância com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

ADMINISTRATIVO – FGTS - EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – TERMO DE ADESÃO (LC Nº 110/2001) – ADESÃO PELA INTERNET – HOMOLOGAÇÃO - DESCABIMENTO. [...] Cinge-se a controvérsia à possibilidade de adesão de acordo com a CEF via on-line. [...] No presente caso, tendo a CEF demonstrado, conforme os autos, que o recorrido Jobert Caetano Batista firmou o respectivo Termo de Adesão via internet, ele não poderia alegar que não foi informado quanto às condições previstas no acordo, pois, até os levantamentos dos saques já tinham sido realizados, uma vez que houve a livre manifestação de vontade e a aceitação, pelo titular da conta, dos seus termos e condições. Ademais, descabe a determinação de juntada de termo assinado pelo recorrido, uma vez que o referido documento juntado, onde consta a identificação completa do agravado - data e hora da adesão, bem como número do protocolo - meio hábil e suficiente a comprovar a adesão ao acordo previsto na Lei Complementar nº 110, de 2001. [...] O acórdão a quo está indo de encontro com o atual entendimento deste Tribunal, por isso deve ser reformado. Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao Recurso Especial. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.130.363 - RJ (2009/0056157-6) - RELATOR: MINISTRO HERMAN BENJAMIN - RECORRENTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF - RECORRIDO: JOBERT CAETANO BATISTA Em 02/09/2009) (grifamos e destacamos)

Quanto à impossibilidade de coletar assinaturas de testemunhas, questão costumeiramente observável em contratações desta natureza, tecemos as seguintes considerações. 

O Código Civil estabelece que o instrumento particular devidamente assinado pelas partes, independentemente da subscrição de testemunhas, produz efeitos entre os signatários: 

Artigo 221 do Código Civil - O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor [...] 

Nesse sentido, a assinatura (física ou eletrônica, observados os requisitos de confidencialidade, integridade, disponibilidade, autenticidade e legalidade das informações transmitidas) do contratante no instrumento contratual, ainda que não acompanhada da assinatura de testemunhas, confere ao instrumento validade jurídica, desde que livremente assinado pelas partes. (3)

No entanto, o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), ao tratar dos títulos executivos extrajudiciais, estabelece:

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Artigo 784 - São títulos executivos extrajudiciais: [...] III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas; (grifamos) 

Portanto, para que o documento seja considerado título executivo extrajudicial, podendo ser imediatamente exigido seu cumprimento junto ao Poder Judiciário, sem prévia distribuição de ação de conhecimento (ação de cobrança ou ação monitória), deve ser assinado por duas testemunhas, tenha sido subscrito em meio papel ou eletrônico.

Por todo o exposto, concluímos que:

a)    o uso de login e senha privativos, aliado à manutenção da confidencialidade, integridade, disponibilidade, autenticidade e legalidade das informações transmitidas por meio de autoatendimento eletrônico, via Rede Mundial de Computadores (Internet), dispensaria o reconhecimento ou o abono de assinatura do contratante em meio papel, conclusão alinhada ao entendimento de nossos tribunais, em especial, à jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ);

b)    a assinatura das testemunhas não é requisito indispensável à validade do negócio jurídico que se pretende firmar por meio eletrônico, inexistindo, sob esse aspecto,  óbice jurídico à contratação digital, pela Rede Mundial de Computadores;

c)    a ausência de testemunhas no instrumento de contratação retirará do instrumento a característica de título executivo extrajudicial, sendo necessária, em caso de inadimplemento, a distribuição de ação de conhecimento (ação de cobrança ou ação monitória) antes do ajuizamento da ação de execução. 


Notas: 

(1) PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. 

(2) Artigo 10 da Medida Provisória nº 2.200-2/2001 -  Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1º -  As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil. § 2º - O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. (grifamos e destacamos) 

(3) Trata-se de ato jurídico perfeito, conforme se extrai do artigo 6º do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) - A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º - Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (grifamos)

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Sobre o autor
Fábio Vasques

Pós-Graduado em Direito Tributário, Direito Público, Direto Processual Civil e Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Especializado em Direito Previdenciário pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em Direito Civil pelo Centro de Estudos da Advocacia Pública do Estado do Rio de Janeiro. Advogado Pleno da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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