Preconceito social refletido na ação policial.

Caso do Filme “Fruivale Station – A Última Parada

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Análise do Filme “Fruivale Station – A Última Parada”, demonstrando como a atuação policial influencia e é influenciada pelos preconceitos arraigados na sociedade.

A sociedade brasileira contemporânea gosta de proclamar que não é preconceituosa, que não é racista. Contudo, percebemos que essa constante negação é apenas uma forma de esconder a verdade e de dificultar mudanças. A realidade é que a população brasileira é preconceituosa, e reproduz esse preconceito diariamente através de grande parte de seus integrantes, principalmente através de seus policiais.

            Ao se analisar as relações sociais no Brasil, percebemos que certos “grupos sociais” são os alvos desses preconceitos. As pessoas de baixa renda, os homossexuais, os que já tiveram passagem pela cadeia e os negros são os principais grupos atingidos pelos preconceitos sociais.

            Identificados os “grupos alvos”, o objetivo principal deste artigo é o de analisar como a atuação da polícia é influenciada por essa sociedade preconceituosa e se também é capaz de influencia-la, contribuindo para a manutenção dos preconceitos. Dessa forma, utilizaremos o filme “Fruitvale Station – A Última Parada”, baseado em fatos reais, que retrata a história do americano Oscar Grant. Vale ressaltar que o caso apresentado ocorreu nos Estados Unidos da América, porém situações semelhantes ocorrem frequentemente no Brasil.

            O longa-metragem de 2013, baseado nos acontecimentos da noite de ano novo de 2008, reproduz o encontro de Oscar com um grupo de policiais, encontro este que resultou em sua trágica morte. O filme traz as últimas horas de vida de Oscar e elenca os fatos que levaram ao seu assassinato, promovido pela polícia de São Francisco.

            Na trágica noite, Oscar saiu de sua casa, na periferia, e se dirigia ao centro da cidade, onde  pretendia assistir ao show de fogos de artifício de virada do ano. Ele e sua namorada se encontraram com alguns amigos (todos negros) em uma estação de metrô para que pudessem se dirigir ao local do show. Eles chegam ao local, aproveitam o show e retornam ao metrô para voltarem as suas residências. No caminho de volta, Oscar se depara com uma pessoa com quem havia tido um desentendimento em sua passagem pela cadeia. A pessoa, ao identificar Oscar, começa uma briga dentro do metrô, que acaba envolvendo diversas pessoas (brancos e negros). Logo após a briga, o metrô para em uma estação e a polícia é chamada ao local. Quando chegam a estação, os policiais, que não sabem ao certo quem participou da briga,  abordam apenas os amigos de Oscar (todos negros). Logo após, adentram o metrô a procura de mais suspeitos. Dentro do metrô, se encontravam Oscar e mais diversas pessoas brancas. O policial, sem pestanejar, escolhe Oscar e o retira a força do metrô, o juntando aos seus amigos.

            Ao acompanharmos o último dia de vida de Oscar Grant, é fácil perceber como ainda é presente o racismo e o determinismo social na sociedade americana, assim como é na brasileira. Fazendo um paralelo com o tipo suspeito difundido na sociedade brasileira, Oscar é um jovem que reúne todas as características do “tipo peba”:

O tipo ideal do indivíduo suspeito, o peba, é a figura de um homem, pobre, jovem, com tatuagem/brinco e negro que traja roupas folgadas (…). Geralmente, essas vestes são usada por pessoas que se identificam com o movimento Hip Hop (GOMES  DA SILVA, 2009, P. 98).

            À vista disso, Oscar se encaixa no grupo social que é foco da atividade policial, o que vem a ser o fator determinante para o seu assassinato.

            Ao acompanharmos sua história, percebe-se que o protagonista é uma pessoa marcada pela marginalização social: Oscar é um ex-presidiário, que reside na periferia da cidade. Sua condição de ex-detento já é por si só um fator de suspeição1 o que traz consequências para sua vida, como a sua condição de desempregado e a incessante dificuldade de encontrar novos empregos. A marginalização social também é refletida em seu envolvimento com a venda de drogas. O filme deixa subentendido que ao vender drogas, Oscar busca um meio de prover o básico para sua família, devido a sua recorrente dificuldade de manter-se empregado.

           Percebe-se também, que Oscar em seu cotidiano, busca agir de forma a se afastar do estigma de marginal, comportamento comum entre as pessoas categorizadas como suspeitas. Essas atitudes podem ser encontradas em diversos momentos do filme, como sua intensa procura por emprego e sua postura educada e benévola ao lidar com outras pessoas – ajudando sua irmã com o aluguel, mesmo estando sem dinheiro, uma completa desconhecida no mercado, e um cachorro que foi vítima de atrolamento.

            Outro momento marcante no filme, que representa o preconceito social através da atuação policial, é quando os policiais, ao se depararem com diversas pessoas, todas presentes no local da briga, escolhem abordar apenas os negros. Apesar da polícia americana ser reconhecida pela aplicação do tirocínio em suas abordagens, fica difícil sua percepção. Sobre essa falsa ideia de tirocínio, ensina Livia Maria Terra:

(...)presenciamos a disseminação de uma cultura policial que fabrica suspeitos e obriga cada grupo policial, que sai uniformizado ao encontro da população, a adotar padrões de identificação do suspeito conforme suas opiniões pessoais e de acordo com o que alguns chamaram de “tirocínio policial”. (TERRA, 2010, p.130).

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            Onde está o tirocínio na escolha do policial ao abordar Oscar dentro do metrô, sendo que o agente não presenciou o acontecimento, e por isso, não possuía nenhuma evidência a respeito de quem estava envolvido?

            Após reunir o grupo de suspeitos na estação de metrô, os policiais começaram a agir de forma extremamente agressiva, agredindo física e verbalmente Oscar e seus amigos. É importante ressaltar que simultaneamente as agressões, os suspeitos afrontaram os policiais, questionando o motivo do comportamento exagerado. Ao serem afrontados, os policias só intensificaram a conduta agressiva, o que culminou em um disparo nas costas de Oscar, que no momento se encontrava algemado e imobilizado pela polícia. Oscar foi socorrido, porém não resistiu aos ferimentos.

             Uma vez relatado o acontecimento do filme, pode-se perceber como a sociedade brasileira e, mais ainda, a população mundial como um todo, estão completamente tomadas por preconceitos raciais e que esses preconceitos influenciam diretamente a prática policial. As práticas policias jamais podem ser justificadas pelo preconceito social, principalmente as agressivas e seletivas, já que estas ajudam e muito na manutenção deste. Se as justificarmos, estaremos criando um ambiente perfeito para que o preconceito se mantenha ou até aumente seu alcance e aceitação por parte da população. Se a polícia, que é o órgão que deve proteger o cidadão, trata certos indivíduos de forma grosseira e preconceituosa, porque as pessoas não devem fazer o mesmo? Portanto, devemos primeiramente aceitar a existência do preconceito em nossa sociedade e entender a influência que as ações policiais exercem sobre a manutenção desse quadro, e, por último, devemos rejeitar qualquer manifestação preconceituosa por parte da polícia, para que assim, passemos a construir um ambiente de mudança.


1A categoria de Suspeito Criminal, apresentada por Gilvan Gomes da Silva, em seu texto “A Lógica da Polícia Militar do Distrito Federal na Construção do Supeito, p.86-90.

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