O tipo penal proposto por Beling

26/03/2017 às 20:40

Resumo:


  • O conceito de tipo penal é central na definição de delitos, servindo como um contorno abstrato que determina as características objetivas de condutas penalmente relevantes, sem expressar por si só punibilidade ou contradição com o ordenamento jurídico.

  • A tipicidade e a antijuridicidade são aspectos distintos da ação delitiva, com a tipicidade sendo um elemento neutro e descritivo, enquanto a antijuridicidade avalia a conformidade da ação com as normas jurídicas, tendo um caráter valorativo.

  • As causas de exclusão do injusto, que são limitações autoimpostas pelas normas, diferenciam-se dos elementos que excluem a tipicidade ou a pena, e têm efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, não apenas no âmbito penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Busca-se esclarecer os principais aspectos do Direito Penal, na visão de Beling e os Neokantianos.

O TIPO PENAL COMO ELEMENTO DA LEI PENAL

Define o tipo como o contorno do tipo de delito mediante o qual se fixa a fisionomia da ação punível delimitando os processos da vida com possível relevância penal. Constitui o elemento central deste conceito de delito, em torno do qual se agrupam o resto dos elementos. Se trata de um conceito puro sem significado autônomo, em relação com a qual a ação antijurídica e culpabilidade define delito. Este conceito puro do tipo, comum a todas as classes de delito, devia distinguir-se claramente dos tipos individuais e se obtém, precisamente, da abstração do conjunto de elementos dos diversos tipos de delitos individuais: constitui a unidade conceitual a qual se agrupa a multiplicidade de tipos individuais.

Em segundo lugar, Beling distinguia entre, de um lado, o denominado tipo concreto (a ocorrência de uma ação típica, a realização do tipo) e, por outra parte, o tipo conceitual. A realização do tipo construirá o substrato real que está com a base de abstração que o tipo representa, mas requer a existência e determinação deste para sua própria constatação. Paralelamente a distinção entre o tipo e a expressão realização do tipo, Beling distinguia entre os elementos do tipo, pertencentes ao mundo dos conceitos e as circunstâncias do fato (ação), de caráter real, submersíveis aquelas a que se referem o §59 RStGB.

De acordo com esta compreensão do tipo, Beling considera sua essência a constitui um mero contorno incorpóreo de um tipo de delito. Se trata de um conceito puramente descritivo, ao qual as decisões normativas tomam, simplesmente, como ponto de referência e que, por si mesmo, não dá lugar a nenhuma circunstância jurídica, a simples constatação de que alguém realizou um tipo, todavia não permite nenhuma conclusão. O caráter descritivo do tipo e a afirmação de que ao mesmo não se vincula a nenhuma circunstância jurídica devem, por tudo, entender-se no sentido de que o tipo é um conceito abstrato, cuja função se limita a reunir os elementos que, deste o ponto de vista objetivo-externo, definem e caracterizam determinados supostos feitos coletados em alguns preceitos legais, sem que tal caracterização legal expresse nem sua efetiva punibilidade, nem a contradição entre estes supostos feitos e o conjunto das normas que compõem o ordenamento jurídico. Por esta razão e dado que o ordenamento jurídico só se vincula consequências de natureza sancionatória aos supostos feitos que contradizem a suas normas, Beling afirma que o tipo não implica nenhuma classe de consequências jurídicas. 

Posto que, segundo Beling, o tipo é um conceito que se limita a trazer um contorno de um determinado conteúdo, sua aplicação prática deverá preceder de uma proposição que contenha alguma referencia ao conteúdo assim delimitado. O tipo é um elemento daquele preposição. Mais concretamente, posto que se trata de um conceito que deve ser juridicamente relevante, o tipo terá que considerar-se como um elemento de uma proposição juridícia. A proposição jurídica que proporciona o significado jurídico ao tipo é a lei penal entendida em estrito senso. O tipo é, portanto, um elemento da lei penal que tendia a seguinte estrutura: a que, mediante ação, realize este ou aquele tipo de maneira antijurídica e culpável, será castigado de um determinado modo quando concorram estas ou aquelas condições da cominação penal. Aqui nos interessa sublinhar que é precisamente a consideração de que o tipo pertence a lei penal, e a distinção entre esta e a vida real, o que permite que Bering distinguir radicalmente entre o tipo e a ação concreta. E, assim mesmo, nos interessa sublinhar que, no marco da lei penal, Bering considera que o tipo cumpre uma função individualizadora ao estabelecer que o tipo do delito para que rege a cominação penal. Sem embargo, é a cominação penal e concretamente sua natureza absoluta ou relativa, a que – segundo Bering – devia servir para identificar e delimitar os tipos penais.

TIPO E NORMA. TIPICIDADE E ANTIJURIDICIDADE. O CARÁTER VALORITIVAMENTE NEUTRO DO TIPO.

Uma vez conhecido a relação que Beling estabelece entre o tipo penal e a lei penal, resulta conveniente conhecer como concebe a relação entre a lei, o tipo desta e as normas. Partindo dos fundamentos sobre os que Binding construiu sua “genial teoria das normas”, Beling reconhece a existência e necessidade de estas, entendidas como aquelas pautas que regulam a conduta humana com relevância jurídica e permitem determinar se é contrária ou conforme o direito, ao conjunto do ordenamento jurídico. Assim mesmo, considera que a lei penal não é nenhuma norma, pois não pode identificar-se como uma proposição que estabeleça: você não deve atuar deste ou daquele modo, sem o que, frete a esta, contém pelo menos um plus. Segundo Beling, as normas são previas e estão por cima das leis penais. A lei penal estabelece o castigo que deva aplicar-se a conduta que realize um tipo de modo antijurídico, mas não da resposta a pergunta sobre quando a conduta típica é antijurídica, pressupõe a antijuridicidade da conduta mas não decide sobre a mesma, pelo o que resulta necessário que o Direito está dotado de proposições com o seguinte conteúdo: “matar alguém, por exemplo, é antijurídico quando...”. Tais preposições são, precisamente, as normas, o antijurídico e o antinormativo. Portanto, para determinar se um conduta é antijurídica e pode aplicar a lei penal é necessário acudir as normas, que são as que estabelecem quando      não se deve realizar a conduta típica.

No Direito positivo existem numerosas normas expressamente formuladas, mas a maioria delas não estão lá. Isso é provocado que alguns autores opinem que não é possível sua aplicação prática, por faltar a segurança necessária em seu conteúdo. Mas Beling entende que a dificuldade que pode apresentar a identificação do conteúdo concreto de uma norma não é obstáculo ao afirmado anteriormente sobre a vinculação entre os conceitos de antijuridicidade e contrariedade as normas. O que importa aqui é a normalidade ou anormalidade da conduta respeito das normas que devem extrair-se do ordenamento jurídico em seu conjunto. Os tipos previstos na lei penal estabelecem qual é o conteúdo do delito, de modo que a relação com o conteúdo das condutas delitivas se existe uma mínima segurança, derivada do fato de que os tipos de delito se encontram fixados na lei penal.

Em definitiva, Beling considerava que, na estrutura do delito, a norma somente corresponde a função de determinar se e em quais casos, uma ação típica se ajusta (ou é contrária) às exigências do conjunto do ordenamento jurídico. Enquanto a fixação do conteúdo do conceito (típico) de delito e a tipificação do Direito penal que este parágrafo impõe colocam o tipo como elemento mais importante. O recurso as normas e o recurso aos tipos tem uma finalidade diversa. O recurso as primeiras têm a finalidade de determinar a antijuridicidade da conduta típica e, portanto, as normas servem de medida no momento de contrastar a conduta com as exigências do ordenamento jurídico. Nesse sentido, tem uma função valorativa, mas não caracterizam o feito como um tipo determinado de fato. A mudança, do tipo legal ou tipo da lei penal tendia a função de sinalizar o conteúdo penalmente relevante da ação e servir, assim, de ponto de partida para determinar a concorrência de um delito, posteriormente, ao comprovar a antijuridicidade da conduta típica é quando deverá comprovar-se se esta infringiu  alguma norma ou uma pluralidade delas, isto é, se a conduta típica é ou não conforme com a regulação que o ordenamento jurídico realiza da conduta humana.

Beling destaca as consequências desta concepção sobre a antijuridicidade e as normas para a construção da teoria do concurso ideal: em relação com determinado ordenamento jurídico, uma ação somente pode ser antijurídica ou não antijurídica, mas a antijuridicidade não é algo que se pode fracionar ou duplicar. O que alguns consideram uma dupla antijuridicidade (única) da conduta. O característico do concurso ideal  não é a antijuridicidade da conduta, sem esta pluralidade de relações, que é consequência de que a ação realize vários tipos, e se possa afirmar da mesma forma que sua qualidade de típica é plural.

Do aspecto conceitual da antijuridicidade como contrariedade à norma, Beling, distingue o aspecto qualitativo do injusto. Nesse sentido, considera óbvio que para o Estado pode ser mais importante o cumprimento de alguns imperativos que o cumprimento de outros, e que, portanto, é possível ordenar as normas escandalosamente em função de sua gravidade e, paralelamente, distinguir a gravidade da antijuridicidade. O que – como apontamos – Beling não admite é que se incluam referencias extra-jurídicas no conceito de antijuridicidade. Por esta razão critica a definição da conduta antijurídica que propõe Graf zu Dohna (é antijuridicidade a conduta que não pode considerar-se como um meio justo para um fim justo) e a distinção de von Liszt entre antijuridicidade formal e material. Em relação com esta questão, Beling afirma que o conteúdo material que se tenha querido dar antijuridicidade são ou bem meras imagens externas ao direito, ou bem ao conteúdo do próprio ordenamento jurídico respectivo do qual a norma intervém negando-o [...] conceber a antijuridicidade como “lesão de bens jurídicos” é algo erróneo, salvo que se queira designar ao próprio ordenamento jurídico como “bem jurídico lesionado” (melhor dizendo, como objeto respectivo do qual o delito se encontra em uma situação lógica de oposição).

Ao expor a caracterização que Bering realiza do tipo como um elemento da lei penal e da relação entre estas e as normas, nos temos introduzido no contexto em que           se Parte da problemática sobre a relação da tipicidade e a antijuridicidade, questão que determina a consideração da tipicidade com uma categoria de caráter descritivo ou valorativo. Embora já tenhamos apontado alguns traços da problemática, resulta conveniente aprofundar nela para entender melhor a forma com a qual o autor distingue ambos aspectos da ação delitiva.

Beling considerava que a tipicidade e a antijuridicidade da conduta são aspectos da mesma que devem tratar, ao menos a princípio, com total independência. O que caracteriza a concepção de aquele autor é, precisamente, a radical distinção entre ambas qualidades: “a diferença fundamental entre a tipicidade e a antijuridicidade ou contrariedade com o direito”. Isto se põe claramente de manifesto quando afirma que “o tipo penal está livre de todos os elementos da antijuridicidade”, que “a antijuridicidade não se encontra na tipicidade”, e que com a comprovação de que uma ação realiza um tipo não se diz “absolutamente nada sobre se isso tenha ocorrido de modo antijurídico [...] a afirmação da tipicidade somente proporciona o link para a questão ulterior sobre se também se dá a antijuridicidade”; inversamente “a antijuridicidade não tem nada que ver com a tipicidade do delito”, a comprovação de que alguém tenha atuado antijuridicamente não comporta todavia a ocorrência de um suposto crime típico. Para Bering, o conjunto das ações típicas e o das ações antijurídicas se relacionam entre si como os círculos secantes: há ações típicas que não são antijurídicas, ações típicas que são também antijurídicas e, finalmente, ações antijurídicas que não são típicas. Para a constatação de um delito somente veem em consideração as ações típicas e antijurídicas; para a construção do tipo as ações antijurídicas atípicas combinam desde um princípio fora de consideração.

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Partindo dessas premissas, Beling considera que, em si mesma, a constatação de que alguém tenha realizado uma ação típica que não supõe a imputação de algo negativo. “No tipo não se encontram ninguém juízo valorativo. Apesar de existir tipos cuja realização por regra geral é também antijurídica, da tipicidade nunca se deriva imediatamente o juízo acabado sobre o caráter antijurídico da atuação sobre o caráter antijurídico da atuação do sujeito. A antijuridicidade é um problema particular. O estudo da tipicidade se situa em um terreno neutro.

As consequências que Beling extrai dessa aproximação se põem claramente de manifesto quando, por não separar e delimitar corretamente o tipo e a antijuridicidade, critica a opinião daqueles autores que entendem que o tratamento médico correto não se castiga porque não se supõe um “mal trato” ou “lesão corporal” e, portanto, falta a tipicidade, de modo que o problema da antijuridicidade no chegaria a fixar-se. Segundo Beling, este racionamento implica entender que a lesão ou o maltrato é aquela atuação incorreta juridicamente e, portanto, antijurídica, de modo que o conceito de maltrato encerra em si mesmo o elemento da antijuridicidade. Frente a conclusão, Beling assinala que é necessário distinguir entre o tipo e a antijuridicidade das lesões corporais, pois maltratar a outro é algo que se pode realizar de modo antijurídico, mas também de modo não antijurídico, quando o funcionário das prisões executa sobre o recluso um castigo corporal, ou quando antigamente o aguacil cortava a mão do delinquente condenado. “A comprovação de que existe um maltrato” – diz Beling – está desvinculada de toda valorização, o decisivo não é a relação entre a ação e o ordenamento jurídico, se não a relação entre aquela e as condições para a integridade do organismo humano. Nos supostos anteriores o agente realiza o tipo de lesões, e o único que os distingue das lesões puníveis é que não se trata de maus-tratos antijurídicos. Do mesmo modo, o respeito as regras da medicina tampouco excluiria o tipo “lesão corporal” e – segundo Beling – o que identifica a lesão corporal com a lesão corporal que não se ajusta as regras da medicina reduz o tipo de delito mediante a admissão de elementos estranhos ao tipo. Quando um médico, respeitando estritamente as regras da medicina, extirpa a tireoide e o paciente enlouquece, não se pode negar que este resultado são lesões corporais. E o mesmo ocorreria com o conceito de homicídio, existem homicídios que são medicamente corretos, a realização de operações arriscadas em que se produzem a morte, mas cuja realização se prescreve como único meio de salvação. Nesses casos, negar que se trata de um homicídio, seria negar que o paciente está morto. O respeito as regras da medicina somente poderia tem como consequência a impunidade da atuação médica se tais regras tivessem sido elevadas a regras jurídicas, isto é, se houvessem reconhecido um direito da profissão medica e ficaria assim excluída a antijuridicidade daqueles maus-tratos. Beling considera que, sem embargo, como reconhece a opinião geral, isso não se pode admitir de lege lata, a impunidade daqueles supostos em que resulta afetado o organismo, contemplado em conjunto, somente poderia fundar-se por uma via de consentimento ou de estado necessidade, não sobre a base do respeito das regras da medicina. No âmbito da culpabilidade, o fim de salvação poderia excluir o dolo das lesões ou do homicídio típicos e antijurídicos quando o autor crê que sua atuação está permitida, ou não está previsto o resultado que termina por produzir. Ademais, segundo Beling, quando embora seja de modo casual, a intervenção que não se ajusta as regras da medicina resulta curativa, deste ponto de vista de sua tipicidade não poderá considerar como maltrato a intervenção curativa não rebaixa o tipo penal de lesão, embora se realize sem respeitar as regras da medicina, ou sem finais médicos. Sem embargo,  é necessário destacar a ambiguidade da opinião de Beling mantem uma relação com os pressupostos os quais a intervenção produz um resultado curativo e se põe de manifesto quando este autor afirma que se um atleta empurra o outro e este golpeia a cabeça com uma pedra e se abre um buraco de pus provocando a cura, este processo não é um mau trato, mas isto não impede que a luta poderá ser considerada como mau trato deste outro ponto de vista.

Da distinção entre as ações típicas e antijurídicas, típicas e não antijurídicas, antijurídicas e não típicas, se desprende a importância que Beling atribuí a separação de ambos os aspectos e a correta determinação daqueles elementos que pertencem ao tipo e aqueles que pertencem a antijuridicidade. Por outra parte, interessa assinalar aqui que a consideração do tipo como um elemento descritivo em que por regra geral não se encontra nenhuma classe de juízo valorativo, e do feito da realização do tipo pode ser antijurídico ou não, Beling extrai a conclusão de que, por regra geral, o mero conhecimento da tipicidade não pode considerar um elemento de culpabilidade nem pode, por si só e prescindindo a consciência da antijuridicidade, fundamentar o juízo de culpabilidade. Assim mesmo, resulta conveniente apontar aqui que Beling considera que o caráter descritivo do tipo impede identificar o objeto típico de ataque (naqueles casos em que o tipo o fornece) e o objeto de proteção normativa.

Para ressaltar a necessidade de distinguir conceitualmente a tipicidade e antijuridicidade e a conveniência de realizar por separado a comprovação de sua concorrência, Beling critica as construções de outros autores que consideraram a antijuridicidade como um elemento do tipo do delito e as classificações que, baseando-se em diversos critérios, outros haviam proposto para distinguir entre tipos que encerram em si mesmo o elemento da antijuridicidade – aqui a antijuridicidade seria um elemento do tipo – e tipos respectivos dos quais a antijuridicidade representa um elemento externo – aqui a antijuridicidade não pertence ao tipo. Sem embargo, Beling admite a existência de tipos do delito que albergam um elemento isolado, especial da antijuridicidade e cita como exemplos o tipo de delito de caça, e todos os tipos que de algum modo fazem referência a conceitos de direito civil, administrativo, etc., como um tipo furto, os danos e o assalto de moradia. Também se incluiriam neste grupo os tipos que se referem a ações puníveis, como o tipo das ameaças, em troca, não pertencem a esse grupo os tipos de lei penal em branco.

Nos casos em que o tipo abriga um elemento especial de antijuridicidade, Beling reconhece que a comprovação da tipicidade supõe, simultaneamente, a comprovação de uma parte da antijuridicidade. Não obstante, considera também que aqui se valida a regra geral: a antijuridicidade pode acabar excluída apesar da concorrência de uma ação típica. Nos interessa destacar que, sobre a distinção entre a lei penal e norma e a consideração do tipo como um elemento da lei penal, Beling distingue entre uma parte, a questão relativa ao conteúdo dos tipos penais (segundo se encontra somente na lei penal que estabelece os traços característicos de ação cominada com pena, ou seja necessário tomar em consideração outras proposições jurídicas) e, por outra parte, a questão relativa a comprovação do caráter antijurídico das condutas típicas. Esta última questão está vinculada aos pressupostos de normas que determinam o caráter antijurídico de uma conduta, mas em relação com as condutas delitivas não se poderá desvincular da própria configuração legal da conduta típica.  

Como temos apontado, Beling considerava que para comprovar se uma conduta típica é antijurídica deverá manter as normas derivadas do conjunto do ordenamento jurídico. Em ocasiões pode resultar difícil determinar exatamente seu conteúdo e será necessário manter as preposições jurídicas de outros setores do ordenamento jurídico. Não obstante, aquele autor assinala que em relação com o número importante de normas o trabalho do penalista se vê facilitado pela lei, pois numerosas normas tem sido expressadas esquematicamente nesta, em sentido de que a conduta típica aparece, em princípio, como proibida, de modo que, em tanto não se resulte o contrário da existência de circunstancias especiais, a ocorrência de um desses tipos implica na antijuridicidade. Este seria o caso dos supostos em que a lei não menciona expressamente o elemento de antijuridicidade. Aqui, o tipo já indica de tal maneira a antijuridicidade, que sua realização é por regra geral antijurídica. Beling coloca como exemplo o homicídio. O fato de que este parágrafo estabeleceria a punibilidade sem destacar expressamente o requisito da antijuridicidade presumia um indício da existência de uma norma que, em princípio, proíbe a morte de um homem. Mas para evitar confusões em relação com as peculiaridades destes tipos, Beling esclarece que enquanto um requisito da antijuridicidade não se distingue em nada do resto, o que ocorre é que aqui antijurídico é um subintelligendum: a lei penal que estabelece o conteúdo deve se ler como se nela estivera incluída a palavra antijurídico, a antijuridicidade segue sendo um elemento positivo do delito e também nesses casos é necessário consultar as normas. A única diferença entre os pressupostos em que a lei alude expressamente o cateter antijurídico da conduta e aqueles em que é um subintelligendum radica – segundo Beling – nos pressupostos da norma. Nesse sentido, este auto assinala que deve evitar-se a compreensão destes delitos como se o tipo de delito já implicara conceitualmente no elemento da antijuridicidade e toda realização do mesmo fora antijurídica.

Em definitiva, Beling distingue duas classes de tipos de delito: em primeiro lugar, aqueles em que se destaca expressamente o requisito da antijuridicidade. Aqui é necessário comprovar de forma especial se as preposições do Direito civil permitem mostrar a realização do tipo como algo não permitido com caráter geral, ou se a antijuridicidade somente pode se afirmar quando concorrem pressupostos especiais. Em segundo lugar, estariam os tipos de delito que não destacam expressamente o requisito da antijuridicidade; com relação a esses poderia afirmar-se que, com caráter geral, a realização do tipo é antijurídica, de modo que somente falta a antijuridicidade quando concorrem pressupostos especiais. Nesse sentido, Beling reconhece que o ponto de partida da teoria da antijuridicidade de Frank é correto. Em função de como este formula a lei penal, a antijuridicidade dependerá de circunstancias positivas externas ao tipo, o único requisito positivo será a realização do tipo, de modo que se este se dá, a falta de antijuridicidade precederá de pressupostos negativos da antijuridicidade.

Estes pressupostos negativos de antijuridicidade, as circunstancias que excluem a antijuridicidade, Beling os denomina causas de exclusão do injusto para destacar que se trata de circunstancias que pertencem ao âmbito da antijuridicidade. Podem dar-se tanto em relação com normas que requerem a tipicidade da ação como único pressuposto positivo da antijuridicidade, como em relação com normas que requerem outros pressupostos positivos especiais, ademais da tipicidade da conduta. Todas as normas  levam implícita a exceção “você não deve...” “a menos que...”. Nesse sentido, as causas de exclusão do injusto são elementos da norma que representam exceções, auto limitações das normas.

Não pertencem ao tipo, são externas ao mesmo e, portanto, não podem caracterizar-se como elementos negativos do tipo. Pelo contrário, a aplicação de uma causa de exclusão do injusto pressupõe, precisamente, que não falte nenhum elemento do tipo.

Desta caracterização das causas de exclusão do injusto como auto limitações das normas, Beling deriva algumas consequências sobre suas fontes e efeitos, que permitem distingui-las das causas que provocam a falta de tipo e das causas de exclusão de pena. Enquanto as suas fontes, partindo da caracterização das causas de exclusão do injusto como auto limitações das normas e das normas como o próprio ordenamento jurídico considerado enquanto o seu significado normativo para a atuação do homem, Beling afirma que as causas de exclusão do injusto somente podem surgir do Direito positivo. Enquanto seus efeitos, aquele autor assinala que do mesmo modo que não existem norma somente penais, nem uma antijuridicidade penal, tampouco existem causas de exclusão do injusto meramente penais. Quando uma circunstancia exclui a antijuridicidade a ação em sentido do direito penal, a exclui com efeitos para todos os ramos do ordenamento jurídico, de modo que estar não podem tratar-la como uma ação antijurídica, nem dar lugar a consequências que pressupõem seu caráter antijurídico. Pelo contrária, quando uma circunstancia tem eficácia somente penal, de modo que somente exclua a imposição de uma pena, não poderá tratar de uma causa de exclusão do injusto, sem que então estaremos diante de uma causa que exclui a tipicidade da ação, ou diante de uma mera causa de exclusão de pena. O que aqui nos interessa destacar é a nítida distinção que Beling realiza entre as causas de exclusão do injusto e o resto das causas que excluem a punibilidade de uma conduta, em função de sua procedência e suas fontes (o tipo da lei penal, a suposta conduta das normas do conjunto do ordenamento jurídico, ou outros pressupostos que condicionam a punibilidade de uma conduta), e seus efeitos e seu significado (a exclusão do caráter antijurídico de uma conduta, a impossibilidade de subsumir em alguns tipos de delito previstos nas leis penais, ou sua impunidade derivada de outras considerações). Como veremos, este último é especialmente relevante em relação com a proposta de incorporar ao tipo alguns elementos subjetivos, cuja ausência excluiria a tipicidade da conduta, mas sem prejudicar seu caráter antijurídico.

Bibliografia: Sergi Cardenal Montraveta

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