1. INTRODUÇÃO
Atualmente estamos vivendo em uma sociedade amedrontada e por que não dizer revoltada com as barbaridades exibidas na imprensa por profissionais sensacionalistas, que não são habilitados no ramo do Direito e muitas vezes mal sabem o que estão falando.
Entretanto, a população quando vê essas cenas de assassinatos com requintes de crueldade, ou estupros de crianças e mulheres, corrupção, etc., pedem que sejam punidos esses agentes de maneira exemplar, que as penas sejam mais firmes, para que não fique a sensação de impunidade.
Como diz Leonardo Sica:
O terreno fértil para o desenvolvimento de um Direito Penal simbólico é uma sociedade amedrontada, acuada pela insegurança, pela criminalidade e pela violência urbana. Não é necessária estatística para afirmar que a maioria das sociedades modernas, a do Brasil dramaticamente, vive sob o signo da insegurança. O roubo com traço cada vez mais brutal, sequestros-relâmpagos, chacinas, delinquência juvenil, homicídios, a violência propagada em cadeia nacional, somados ao aumento da pobreza e a concentração cada vez maior da riqueza e à verticalização social, resultam numa equação bombástica sobre os ânimos populares. (SICA, Leonardo. Direito Penal de emergência e alternativas à prisão, p.77)
A população pede que o Direito Penal seja a solução de todos os problemas, independente da gravidade do delito, assim a punição, ao menos vista por todos, ficando a sensação de que algo está sendo feito para combater esses crimes.
2. MOVIMENTO DE LEI E ORDEM
O Movimento de Lei e Ordem, que prega o discurso do Direito Penal Máximo, no qual toda e qualquer lesão ao bem jurídico será do interesse do Direito Penal, inclusive os comportamentos mais irrelevantes.
A consequência desse raciocínio seria um Direito Penal totalmente simbólico, que não poderia ser aplicado. Esse Direito Penal é simbólico por ser somente uma forma de mostrar serviço das autoridades para com o crime, no intuito de tranquilizar a população que se vê de mãos atadas diante de toda a violência e criminalidade.
Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, prelecionam:
Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranquilizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizariam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda- se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia. (BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugênio Raul; ALAGIA, Alejandro. Direito penal brasileiro, v.1, p.631)
Reforçando a ideia anteriormente explanada, o Direito Penal seria usado de prima ratio, ou seja, seria do Direito Penal o dever de combater os crimes de menor gravidade, assim fazendo com que o mesmo perca seu valor, pois haveria uma certeza quase absoluta de impunidade, no tocante ao que o Direito Penal não seria capaz de se ater a todas as infrações, inclusive as condutas socialmente intoleráveis.
Portanto, o Movimento de Lei e Ordem, somente tem o intuito de tirar o foco dos crimes de maior importância, pois ele iria se preocupar com os crimes de menor importância, simplesmente para mostrar serviço para a sociedade, com o intuito de tranquiliza-los, porém isso seria simbólico e estatístico, já que é muito mais fácil combater dois crimes de pequena importância do que um de grande importância.
3. A IDEIA DE INIMIGO
Desde o começo da sociedade, em todos os lugares e em diferentes épocas, já era possível a identificação, ou melhor, a rotulação do inimigo. Temos como exemplo, os hereges e bruxas na Idade Média, judeus, negros, raças e etnias e os prováveis inimigos atuais, representado pelos criminosos reincidentes (habitualidade e profissionalidade) e fundamentalistas religiosos (Estado Islâmico).
Entretanto, sabe-se que essas discriminações que são marcos da história trouxeram danos irreparáveis. Muitas pessoas foram condenadas à morte injustamente, sem terem cometido qualquer crime que ofendesse bens jurídicos protegidos. Exemplos disso foram às milhares de pessoas dizimadas nos campos de concentração, não por algum crime que cometeram, mas somente pelo que eram no caso os judeus, assim contaminando o local na visão dos nazistas, outro exemplo, foi no tribunal da inquisição, onde as pessoas com ideias contrárias às cristãs eram processadas e queimadas vivas, outros que eram condenados sem sequer saber qual acusação pesava sobre eles.
Com essas barbaridades que ocorriam, no século XVIII surgiram e tomaram força ideais em defesa aos direitos humanos por meio do iluminismo, que trouxe ao sistema punitivo estatal, diversos princípios garantistas, dentre os mais importantes estão o da liberdade e igualdade.
Ainda assim, com o aumento da criminalidade e a busca por soluções para contê-la, é possível verificar injustiças cometidas pela instituição em épocas remotas. Em consequência da relativização ou mesmo da exclusão de determinadas garantias individuais. Entre as novas tendências materiais e processuais do direito penal, está o tratamento diferenciado dos criminosos, uma vez que o indivíduo responde pelo seu potencial lesivo e não por um ato ilícito cometido.
4. DIREITO PENAL DO INIMIGO
Criado pelo alemão Gunther Jakobs, na segunda metade da década de 1990. Jakobs procura distinguir um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo. O primeiro, em uma visão tradicional, garantista, com proteção de todos os seus direitos fundamentais que lhe são pertinentes; o segundo, intitulado Direito Penal do Inimigo, seria um Direito Penal despreocupado com seus princípios fundamentais, pois que não estaríamos diante de cidadãos, mas sim de inimigos do Estado.
Como aduz Gunther Jakobs:
O Direito Penal conhece dois polos ou tendências de suas regulações. Por um lado, o trato com o cidadão, em que se espera até que este exteriorize seu fato para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, o trato como o inimigo, que é interceptado prontamente em seu estágio prévio e que se combate por sua perigosidade. (JAKOBS, Gunther; CANCIO MELIÀ, Manuel, Derecho penal del enemigo, p.42).
Segundo Gunther Jakobs, há pessoas que decidiram se afastar de modo duradouro do direito, como por exemplo, os terroristas e integrantes de organizações criminosas, nos quais são punidos pelos fatos que podem vir a cometer e não a sanção de fatos cometidos.
Manuel Cancio Meliá esclarece a proposta de Jakobs assim:
Segundo Jakobs o Direito Penal do Inimigo se caracteriza por três elementos: em primeiro lugar: se constata um amplo adiantamento da punibilidade, quer dizer, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), em lugar de – como é habitual – retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionadamente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não e tida em conta para reduzir em correspondência a pena ameaçada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou, inclusive, suprimidas. (JAKOBS, Gunther; CANCIO MELIÀ, Manuel, Derecho penal del enemigo, p.40)
Segundo Rogério Greco, o Direito Penal do Inimigo está em uma terceira velocidade do Direito Penal, de acordo com o que se denomina Processo de Expansão do Direito Penal.
A primeira velocidade é aquela que tem como finalidade a aplicação de uma pena restritiva de liberdade, no qual devem ser observadas todas as garantias fundamentais do ser humano.
A segunda velocidade é aquela que impõe as penas restritivas de direitos e pagamentos de multa, no qual nessa velocidade podem-se afastar algumas garantias fundamentais do ser humano.
A terceira velocidade seria uma velocidade híbrida, com a finalidade de aplicar penas restritivas de liberdade, com uma minimização das garantias fundamentais.
O Direito Penal do Inimigo vem a cada dia aumentando seus adeptos mundo afora, o principal motivo seria a sensação de impunidade que fica quando observado crimes bárbaros e transmitidos pelos meios de comunicação, mas seria essa a melhor forma para se restabelecer a ordem? Seria possível relativizar ou até mesmo excluir os direitos e garantias do ser humano, que por séculos foi objeto de luta? E no nosso país, seria constitucional a adoção a esse tipo de Direito Penal? Esses são alguns questionamentos em face da ideia do Direito Penal do Inimigo que ainda gera discussões, e possivelmente ainda terá muito que se discutir mais a frente.
Alguns doutrinadores, como Rogério Greco, associam o Direito Penal do Inimigo ao nazismo de Adolf Hitler, visto que no nazismo, o “inimigo” também tinha seus direitos e garantias fundamentais relativizados ou excluídos, eram feitos de cobaias em experimentos, torturados e mortos, viviam em condições subumanas, tudo isso simplesmente por não fazerem parte daqueles denominados cidadãos, que naquele caso, a raça ariana.
O nazismo se assemelha ao Direito Penal do Inimigo, além do caso de relativização e exclusão dos direitos e garantias do ser humano, a escolha de quem é o inimigo é muito subjetiva, ou seja, não há um critério para definir quem é inimigo ou não, talvez alguém que faça parte de uma oposição política frente ao Estado, poderia ser definido um inimigo ou até mesmo quem fosse contra o ideal do Direito Penal do Inimigo, ou seja, a margem é muito grande para que se possa classificar o inimigo, assim esse inimigo podendo ser objeto de tortura, penas de prisão perpétua e até a morte.
Seria justo com essas pessoas, que por seus ideais fossem condenados a condições de extrema desumanidade, sem que nem tenham cometido algum crime, simplesmente para uma “prevenção” futura à sociedade? Ou melhor, seria possível ser aplicado no Brasil o Direito Penal do Inimigo, diante da Constituição em vigor?
A resposta pra essas duas perguntas anteriores seria negativa, pois a Constituição Federal defende o princípio da igualdade, o principio da dignidade da pessoa humana, principio da anterioridade, princípio da limitação das penas, entre outros. Assim não sendo possível a adoção do Direito Penal do Inimigo ao ordenamento jurídico brasileiro.
Como aduz Alexandre Rocha Almeida de Moraes:
A discussão acerca da legitimidade de um “Direito Penal do Inimigo” é mais uma decisão política do que jurídica. É possível justificá-lo juridicamente, em casos concretos e extremos, até mesmo com o balanceamento de interesses constitucionais ou aplicação do Princípio da Proporcionalidade. É imperioso, pois, definir claramente quem deve ser tratado como “inimigo” e em que circunstâncias uma política criminal dessa natureza pode-se justificar, sob pena de as bandeiras que simplesmente propugnam por sua inconstitucionalidade revelarem-se inócuas frente à sistemática incorporação ao ordenamento e à contaminação de toda dogmática penal. (MORAES, Alexandre Rocha Almeida. Direito Penal do Inimigo: A terceira velocidade do Direito Penal, p. 333).
E ainda conclui:
O panorama do atual Direito Penal nada mais representa como pretendem Luhmann e Jakobs, que um retrato na sociedade. Nesse sentido, o “Direito Penal do Inimigo” é o retrato da crise da humanidade. (MORAES, Alexandre Rocha Almeida. Direito Penal do Inimigo: A terceira velocidade do Direito Penal, p. 334).
5. CONCLUSÃO
O Direito Penal do Inimigo é uma forma de punir um indivíduo por seus ideais e não somente pelo ato que cometeu, ele serve para “proteger” a sociedade de pessoas que possivelmente podem vir a delinquir.
Baseia-se no movimento de Lei e Ordem, no qual tem o Direito Penal como prima ratio, no qual toda e qualquer conduta ilícita, independente do seu grau de periculosidade será objeto de proteção do direito penal, sendo isso somente simbólico, visto que serve para tranquilizar a sociedade que pede um endurecimento das penas para os criminosos que cometem crimes bárbaros divulgados por jornalistas sensacionalistas, que em sua maioria nem são juridicamente habilitados para saber o que estão dizendo.
O Direito Penal do inimigo faz uma diferenciação entre os indivíduos que eventualmente podem vir a delinquir e os que se associam às organizações criminosas, terrorismo, etc. No primeiro caso seus direitos e garantias fundamentais do ser humano são preservados, pois são considerados cidadãos, já no segundo caso, seus direitos e garantias fundamentais são relativizados e até excluídos, por se tratarem de inimigos do Estado.
O grande problema é como identificar o inimigo, no qual com absoluta certeza, será objeto de perseguição de quem deter o poder para com aqueles que são contrários aos seus ideais, fazendo com que se assemelhe muito com o nazismo de Adolf Hitler, e isso seria andar para trás, devido a todo progresso que se teve em matéria de direitos e garantias fundamentais do ser humano, sem falar na inconstitucionalidade do Direito Penal do Inimigo em se tratando de Brasil.
Portanto, aderir ao Direito Penal do inimigo é algo abominável e totalmente desumano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugênio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, v.1, p.631.
GRACIA MARTIN, Luís. O horizonte do Finalismo e o Direito Penal do Inimigo. Série Ciência do Direito Penal Contemporâneo. Traduzido por Luiz Régis Prado e Érika Mendes de Carvalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 75/76.
GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio, p.19.
GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio, Rio de Janeiro : Impetus, 4ªEd., 2009.
JAKOBS, Gunther; CANCIO MELIÁ, Manuel, Derecho penal del enemigo, p.40.
JAKOBS, Gunther; CANCIO MELIÁ, Manuel, Derecho penal del enemigo, p.42.
JAKOBS, Gunther; CANCIO MELIÁ, Manuel, Derecho penal del enemigo, p.79/81.
MORAES, Alexandre Rocha Almeida. Direito Penal do inimigo: A terceira velocidade do Direito Penal, p. 333.
MORAES, Alexandre Rocha Almeida. Direito Penal do inimigo: A terceira velocidade do Direito Penal, p. 334.
SICA, Leonardo. Direito penal da emergência e alternativas à prisão, p.77.
Por Inácio Belina Filho – Considerações sobre o Direito Penal do Inimigo <www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2603/Consideracoes-sobre-o-Direito-Penal-do-Inimigo> - Acesso em 24/05/2015.
Por Bruno Florentino de Matos – Direito Penal do inimigo <www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5138/Direito-Penal-do-inimigo> - Acesso em 24/05/2015.
Por Érika Andrade Miguel – Direito Penal do Inimigo <www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5304/Direito-penal-do-Inimigo> - Acesso em 24/05/2015.
Por Érika Andrade Miguel – Análises críticas sobre o direito penal do inimigo <www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5303/Analises-criticas-sobre-o-direito-penal-do-inimigo> - Acesso em 24/05/2015.
Por Rogério Greco – Direito Penal do Inimigo. <www.rogeriogreco.com.br/?p=1029> - Acesso em 24/05/2015.