Aquisição imobiliária por consórcio: ato único, para fins de cobrança de emolumentos, como direito do consumidor

02/04/2017 às 00:28
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A cobrança só se dará em relação ao primeiro ato registral (registro da compra e venda), não vencendo emolumentos nos outros atos lançados na matrícula, que instrumentalizam a aquisição imobiliária, por sistema de consórcio.

A aquisição imobiliária de imóvel rural ou urbano, por intermédio de autofinanciamento por grupo de consórcio, recebeu tratamento diferenciado pelo legislador federal por meio da Lei 11.795/08 – Lei do Sistema de Consórcio, por meio de expressiva redução no valor das custas, taxas e emolumentos desembolsado pelo consumidor perante o Cartório de Registro de Imóveis.

 Desse modo, os atos de aquisição de imóvel, com recursos advindos de sistema de consórcios, foram considerados como ato único, para efeitos de cálculo de taxas, emolumentos e custas, conforme o artigo 45 da Lei Federal nº 11.795/08,  in verbis:

 “ Art. 45.  O registro e a averbação referentes à aquisição de imóvel por meio do  Sistema de Consórcios serão considerados, para efeito de cálculo de taxas,  emolumentos e custas, como um único ato.” (grifo aposto)
 
 A figura da cobrança por ato único para efeito de emolumentos, contempla a cobrança de um único ato lançado na matrícula do imóvel, via de regra, o de maior valor, ensejando a gratuidade dos demais atos (registros e averbações) relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico circunscrito pelo legislador. A cobrança, pois, só se dará em relação ao primeiro ato registral (registro da compra e venda), não vencendo emolumentos nos outros atos lançados na matrícula, que instrumentalizam a aquisição imobiliária, por sistema de consórcio, ainda que ultimados em momento distinto. Tal dinâmica, para melhor compreensão, pode ser sintetizada pela sentença: “um ato pago e os demais gratuitos na aquisição imobiliária por consórcio”.

 Nesse passo, a limitação da remuneração do titular do Cartório de Registro de Imóveis, pela cobrança por ato único, para efeito de emolumentos, quando necessários copiosos atos registrais (registros e averbações) relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico,  não é novidade no ordenamento jurídico emolumentar, como se observa no art. 237-A, § 1º, da Lei Federal nº 6.015/73:

 “ Art. 237-A.  Após o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária, até a  emissão da carta de habite-se, as averbações e registros relativos à pessoa do incorporador  ou referentes a  direitos reais de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que  envolvam o empreendimento serão realizados na matrícula de origem do imóvel e em cada  uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas.        

 § 1º Para efeito de cobrança de custas e emolumentos, as averbações e os registros  relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico e realizados com base no caput  serão considerados como ato de registro único, não importando a quantidade de unidades  autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes.” (grifo aposto)

 Aliás, em inúmeras oportunidades a Corregedoria Geral de Justiça bandeirante já teve a oportunidade de sedimentar a validade da principiologia da cobrança por ato único, para efeito de emolumentos, em face da legislação estadual emolumentar, como se observa em julgado que determinou que o ato único, para efeito de cobrança de emolumentos, em loteamento e incorporação imobiliária, por força do art. 237-A, § 1º, da Lei nº 6.015/73, ostenta aplicação em todos os atos registrais deflagrados no interregno do registro do empreendimento (inclusive) até a respectiva conclusão, in verbis:

 “Por isso, a interpretação adequada há de ser a de que, não só os registros e averbações  feitos após o registro do empreendimento até o "habite-se", mas também aqueles feitos  concomitantemente ao registro da  incorporação e loteamento, devem ser cobrados  como ato único, para fim de cálculo de custas e emolumentos. Essa conclusão afasta a  tese da inaplicabilidade do art. 237-A aos loteamentos, nos quais o registro da hipoteca  dá- se concomitantemente ao do próprio empreendimento, sendo condição indispensável deste.”  (Processo CGJ nº 119225/2010, São Paulo/SP, j. 06.06.2011, relator Marcus Vinicius Rios  Gonçalves) (grifo aposto)

 O Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, referendou, em âmbito nacional, a validade  da cobrança como ato único, para fins de cálculo de custas e emolumentos, dos atos prescritos no art. 237-A, §1º, da Lei  nº 6.015/73, afastando a hipótese de isenção tributária heterônoma em face da legislação emolumentar estadual, in verbis:
 
 PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. AVISO 421/2009 da CGJRJ – INTERPRETAÇÃO DO  ART. 237-A DA LEI 6.015/73 – INCLUSÃO PELO ART. 76 DA LEI 11.977/2009 –  APLICAÇÃO GERAL A TODOS OS PARCELAMENTOS E INCORPORAÇÕES  IMOBILIÁRIAS – AFASTAMENTO DA INTERPRETAÇÃO QUE RESTRINGE SUA  INCIDÊNCIA AOS IMÓVEIS OBJETO DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA  – PMCMV.
 I – Pelo Aviso nº 421/2009, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro  considerou que o art. 237-A, § 1º, introduzido na Lei 6.015/73 pela Lei nº 11.977/2009, que  dispõe, dentre outros assuntos, sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV,  aplicar-se-ia, exclusivamente, às incorporações imobiliárias objeto do referido programa.
 II – Interpretação que não se coaduna com a interpretação histórica, sistemática e  teleológica a ser conferida ao novel dispositivo, já que a nova disciplina insere-se na  competência  privativa da União prevista no art. 22, XXV da Constituição Federal, não  se cuida de isenção  tributária heterônoma e visa atenuar os custos da incorporação  imobiliária para reduzir o conhecido déficit habitacional brasileiro.
 III – O art. 237-A, § 1º da Lei 6.015/73 aplica-se a todos os parcelamentos e  incorporações imobiliárias, não se encontrando restrito às incorporações objeto  do  Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV.
 IV – Voto no sentido de anular o Aviso nº 421/2009 da CGJRJ e expedir recomendação para  que todos os Tribunais de Justiça apliquem a interpretação conferida por este voto ao art.  237-A, § 1º da Lei 6.015/73.(Processo CNJ nº 0005525-75.2009.2.00.0000, Brasília/DF, j.  12.05.2011,  relator Eliana Calmon) (grifo aposto)
 
  Seguindo essa ordem de ideias, o egrégio STJ, em julgado paradigma, reconheceu a necessidade de observância da cobrança, por ato único, para fins de emolumentos, dos inúmeros atos envolvidos na inscrição da incorporação imobiliária no fólio real, com lastro no art. 237-A  da Lei nº 6.015/73, in verbis:

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 “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. EMOLUMENTOS. ATO NOTARIAL  DE AVERBAÇÃO RELATIVO À  QUITAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE LOTES  (DESTINADOS A CONSTRUÇÃO SOB O REGIME DE INCORPORAÇÃO  IMOBILIÁRIA), EFETIVADO NA MATRÍCULA DE ORIGEM, BEM COMO NAS  MATRÍCULAS DAS UNIDADES  IMOBILIÁRIAS ADVINDAS DO  EMPREENDIMENTO. ART. 237-A DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS.  OBSERVÂNCIA. ATO DE REGISTRO ÚNICO, PARA FINS DE COBRANÇA DE  CUSTAS E EMOLUMENTOS. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (STJ, REsp  1.522.874.-DF, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3a  T, DJ 09.06.2015) (grifo apost)


  Destarte, ilustra-se, por exemplo prático, os atos indispensáveis para a aquisição de imóvel, por sistema de consórcio, perante o Cartório de Registro de Imóveis, com indicação das respectivas custas e emolumentos, com base na Tabela de Emolumentos do Estado de São Paulo, para, ao depois, identificar a relevância do desconto decorrente da aplicação do ato único para efeito de cobrança de emolumentos.

 Para tanto, considerar-se-á que o consorciado foi contemplado, com crédito de R$ 200.000,00, utilizado para aquisição de apartamento, que foi dado em garantia de alienação fiduciária para assegurar o cumprimento da obrigação pecuniária, no valor de R$ 170.000,00, do contemplado perante o grupo de consórcio, resultando, até a aquisição plena da propriedade, nos seguintes atos registrais e respectivos emolumentos:

          “R-1. Registro da Compra e Venda. (Emol. R$ 1.798,84 );
 R-2. Registro da Alienação Fiduciária em garantia (Emol. R$ 1.662,64); 
 Av-3. Averbação do teor do §7º do artigo 5º da Lei nº 11.795/08 (Emol. R$ 26,13 );
 Av-4. Averbação do Cancelamento da Alienação Fiduciária (Emol. R$ 433,68 )”
 
 Em decorrência, se não houvesse a cobrança por ato único, o consumidor desembolsaria o expressivo valor de R$ 3.921,29 perante o Cartório de Registro para pagar todos os atos necessários à aquisição do imóvel por meio do sistema de consórcio. Aqui, também foi considerado o cancelamento da garantia de alienação fiduciária, eis que é ato referente à aquisição do imóvel, pois se não houver o respectivo cancelamento, a propriedade fiduciária (resolúvel) continuará em propriedade do grupo de consórcio, ou seja, só com tal cancelamento o consorciado alcançará a propriedade plena do imóvel, na esteira do art. 22 da Lei nº 9.514/97.

   Já com a aplicação da cobrança por ato único, para fins de emolumentos, o consumidor pagará tão somente o valor de R$ 1.798,84, correspondente ao valor do registro da compra e venda (R-1), restando os demais atos (R-2, Av-3 e Av-4) gratuitos, referentes à aquisição imobiliária.  Isso porque o legislador, no art. 45 da Lei nº 11.795/08, considerou englobadas, na designação genérica de “o registro” e de “a averbação”, todos os atos de registro e de averbação, respectivamente, necessários à aquisição da propriedade imobiliária pelo consumidor, com recursos de grupo de consórcio.
 
 Cuidou-se, desse modo, de fixar limite para a despesa do consorciado perante o Cartório de Registro de Imóveis, mediante a cobrança de emolumentos dos registros e das averbações, embora digam respeito a atos diversos, como ato único, ou seja, o registro da compra e venda, o registro da garantia (alienação fiduciária ou hipoteca), a averbação do art. 5º, § 7º da lei aludida, e a averbação de cancelamento, são considerados ato único para efeito de cobrança de emolumentos.

 Vale lembrar aqui a exortação de Carlos Maximiliano aos aplicadores da lei, em Hermenêutica e Aplicação do Direito (Forense, 14ª Ed., Rio de Janeiro, 1994, pg. 247):

 "Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas".

 Em contraponto, as eméritas entidades da classe registral paulistas se posicionaram pelo entendimento de que a aplicação do art. 45 da lei aludida  revela-se só pela gratuidade da averbação do §7º do artigo 5º da Lei nº 11.795/08, ou seja,  no exemplo prefalado, implica só no desconto simbólico de R$ 26,13 (Av-3) e na cobrança integral dos demais atos de registro e averbação (R-1,R-2,Av-4) do consumidor.

  Com efeito, sob a ótica das entidades cartorárias, a cobrança por ato único ficou sintetizada como “um ato gratuito e os demais pagos”, em substituição a essência preconizada pelo artigo 45 da lei aludida, capitaneada pelo adágio “um ato pago e os demais gratuitos”. Para que o direito à redução dos emolumentos não venha a se tornar uma miragem, de bom alvitre que o consumidor ou suas entidades representativas intercedam junto às Corregedorias de Justiça, nos Estados, ou ao Conselho Nacional de Justiça, para que se uniformize a aplicação da cobrança, por ato único, trazida pelo art. 45 da Lei nº 11.795/08.

 Em suma, a interpretação sistemática e teleológica do artigo art. 45 da Lei nº 11.795/08 autoriza a conclusão no sentido de que todos os atos necessários à aquisição imobiliária, por consórcio, embora de natureza distinta (registro e averbação), são considerados como ato único para fins de emolumentos, restringindo-se à cobrança, exclusivamente, ao registro da compra e venda, com os demais atos gratuitos.

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Sobre o autor
Jeferson Luciano Canova

Mestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) e da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP). Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Mirandópolis/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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