Desafios e limites de (re)introduzir socialmente o egresso prisional no Brasil

Um pensar sob a ótica da psicologia social

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04/04/2017 às 11:20
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Este artigo trata-se da reincidência criminal de egressos do sistema carcerário, tendo em vista que ela se caracteriza como sendo muito elevada. Partindo de uma experiência junto ao Patronato do Paraná, faço uma reflexão sob a ótica da Psicologia Social.

RESUMO: O sistema penitenciário brasileiro tem se mostrado ineficaz e ineficiente para alcançar os objetivos de proteger a sociedade, corrigir o infrator e promover sua (re)inserção social. Dados oficiais apontam para elevadas taxas de reincidência criminal, sobretudo entre os adolescentes. Nesta perspectiva, o objetivo do presente artigo[1] é identificar e discutir alguns fatores que dificultam o (re)ingresso do egresso do sistema penitenciário brasileiro ao convívio social, visando contribuir para diminuir a reincidência criminal. Observou-se que, embora a marginalização do condenado, a dificuldade de (re)inserção no mercado de trabalho e a ausência de suportes sociais dificultem o (re)ingresso social e contribuam para a reincidência criminal do egresso, são as condições do ambiente prisional e o estigma negativo de ex-presidiário que mais afetam sua vida e seu convívio social. Conclui que a pena privativa de liberdade não tem promovido a transformação do condenado e o sistema penal parece ser o maior responsável pela elevada reincidência criminal. Esta realidade deveria levar o Poder Público e a sociedade a refletirem sobre a atual política de execução penal, que privilegia o encarceramento maciço, a construção de novos presídios e a criação de mais vagas em detrimento de políticas mais humanitárias que pudessem contribuir, efetivamente, para a (re)inseção social do egresso prisional.

     

Palavras-chave: (Re)inserção. Egresso prisional. Reincidência criminal. Estigma. Convívio social.      

1 INTRODUÇÃO   

Historicamente, o moderno sistema penitenciário foi implementado, a partir das primeiras experiências realizadas na Europa, no século XVI, para punir, corrigir e ressocializar o infrator[2], utilizando diferentes práticas e formas de segregação social e sanções penais – suplícios, mutilações, pena de morte, prisão com trabalho, prisão disciplinar e, por fim, a aplicação de penas privativas de liberdade (detenção e reclusão) – com a finalidade de controlar o aumento da delinqüência e da criminalidade e, ao mesmo tempo, proporcionar segurança às classes sociais dominantes.  

Neste sentido, o Estado penal deveria punir a pessoa que cometesse um delito e após cumprir sua pena, principalmente a pena privativa de liberdade, o delinqüente, recuperado, estaria em condições de ser devolvido ao convívio social, já que moldado, na direção de um padrão ideal, em um indivíduo dócil, útil e produtivo (GOFFMAN, 1987; FOULCAULT, 2012).

Mas, as práticas penitenciárias e a arbitrariedade dos carcerários, os ambientes prisionais, que possibilitavam a convivência entre diferentes tipos de criminosos, multiplicando os vícios, aliado a superlotação dos presídios, passaram a desempenhar papel negativo na vida dos detentos. Hoje, a execução da pena privativa de liberdade não mais cumpre sua dupla função – punir e recuperar para ressocializar.

Observa-se que a marca da prisão, o estigma que o egresso carrega, se configura num dos elementos mais perversos, não somente de controle, mas de exclusão social, marginalizando o egresso do sistema penitenciário de forma negativa, para sempre. Assim, na maioria das vezes, quando colocado em liberdade condicional, o apenado volta ao crime.

No Brasil, dados colhidos por Ottoboni (2001), no início deste milênio, apontavam para um nível de reincidência criminal da ordem de 86%. Alguns anos mais tarde, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN/2007) identificou que este índice era um pouco menor, ou seja, de 82%.

Segundo números mais recentes, apurados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2014), a taxa de reincidência entre os presidiários brasileiros é de 70%, já que sete em cada dez condenados voltam à cadeia. Dados regionais oficiais, disponíveis no país e próximos deste índice, são destacados em um estudo feito sobre menores infratores em 2012, coordenado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário. Segundo o Panorama Nacional – Execução das Medidas Sócioeducativas de Internação, os processos apontam reincidência de 54% entre os adolescentes em conflito com a Lei. O maior percentual de processos com registro de reincidência se encontra nas regiões Centro-Oeste e Sul, ambas com 75%. Já o menor percentual foi verificado na região Nordeste, onde apenas 35% de menores detidos haviam cometido outro crime na ocasião da pesquisa. As regiões Sudeste e Norte apresentam indicadores próximos à média nacional (70%). 

Nesta perspectiva, diante das elevadas taxas de reincidência observadas no Brasil, sobretudo entre os adolescentes, o objetivo deste artigo é discutir alguns fatores que dificultam o (re)ingresso do egresso do sistema penitenciário brasileiro ao convívio social, visando contribuir para diminuir a reincidência criminal.

2 ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO E A APLICAÇÃO DAS PENAS

A partir da segunda metade do século XVI, a Idade Média assistiu à instituição da pena privativa de liberdade, cuja finalidade foi controlar o aumento da delinqüência e da criminalidade e proporcionar segurança às classes dominantes. À medida que se mostrou capaz de responder às exigências do desenvolvimento do capitalismo em expansão, este modelo de controle social se consolidou, expandindo-se gradativamente por todo o mundo moderno.

Segundo Dotti (1998), um dos objetivos da criação desse mecanismo de controle foi evitar o desperdício da mão-de-obra e, ao mesmo tempo, regular sua utilização de acordo com as necessidades de valoração do capital. A necessidade de fazer com que o trabalhador permanecesse se dedicando a uma única organização, fez surgir o vínculo empregatício e este gerou a necessidade de uma disciplina capitalista de produção, de tal modo que o trabalhador, ao aceitar obedecer às ordens dos seus superiores, se tornasse dócil instrumento de manipulação e exploração.

No Direito brasileiro, a pena privativa de liberdade[3] foi adotada desde o Primeiro Império, como sanção penal. O Brasil-Colônia, desde a sua descoberta até o final do período da dominação portuguesa, adotou várias formas de suplícios, tais como pena de morte, mutilação, penas de perda da liberdade e outras medidas infamantes. Durante o Império, no Código Criminal, sancionado em dezesseis de dezembro de 1830 pelo Imperador D. Pedro I, a privação de liberdade – prisão com trabalho e prisão simples – se configura como uma autêntica e própria sanção penal para substituir as penas corporais, bastante utilizadas nas ordenações afonsinas, manoelinas e filipinas (DOTTI, 1998).

Na Primeira República, o Código Penal (CP) de 1890 previa três modalidades de penas privativas de liberdade[4]: prisão celular, como base do sistema penitenciário, aplicável a quase todos os crimes e algumas contravenções e com caráter efetivo de privação da liberdade, prisão com trabalho obrigatório, cominada para vadios e capoeiras e executada nas penitenciárias agrícolas ou presídios militares e prisão disciplinar, destinada aos menores até a idade de 21 (vinte e um) anos. O Código Penal de 1940 institui a reclusão, cominada no máximo em trinta anos, aplicando-se a mais de 130 hipóteses de ilícitos e a detenção, cominada no máximo em três anos, sendo aplicada a mais de 170 casos de ilícitos, como espécie da pena privativa de liberdade (DOTTI, 1998).

Depois da II Guerra Mundial, apesar dos avanços da legislação em matéria de proteção ao indivíduo contra o poder punitivo do Estado, as penas privativas de liberdade – reclusão e detenção – permaneceram como a espinha dorsal do sistema penitenciário brasileiro. No Código Penal de 1969 a preocupação com as penas de prisão de curta duração fez com que o legislador admitisse a substituição da pena de detenção não superior a seis meses pela multa (art. 46). Outras inovações introduzidas por esse Código foram: a pena relativamente indeterminada para os criminosos habituais ou por tendência (art. 64) e alterações nos limites da pena unificada. Sendo trinta anos para a reclusão, aplicável aos ilícitos graves, e quinze para a detenção, para os ilícitos menos graves (DOTTI, 1998).

Hoje, no sistema penitenciário brasileiro, a pena privativa de liberdade[5] é a coluna vertebral do sistema, ocupando lugar de destaque e sendo amplamente aplicadas aos ilícitos (graves ou leves) praticados, em detrimento das penas alternativas, gerando a superlotação dos presídios e, consequentemente, vários outros problemas nos ambientes prisionais.   

2.1 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: OPERAÇÃO E EXECUÇÃO

Segundo o art. 1º da Lei de Execução Penal (LEP), o objetivo da execução penal é “[...] efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Assim sendo, uma condenação tem a finalidade de dar ao apenado a possibilidade de passar por uma terapêutica penal e se curar de sua volúpia infracional para ser reintegrado no seio social, onde voltará e cumprirá as regras legais impostas a todos os indivíduos (BALDIN, 2004). 

Desta forma, a aplicação da pena possui as funções primordiais: punir e recuperar o delinqüente para ressocializar. Embora a expressão reintegração social não esteja presente na LEP, o dispositivo acima certamente concede ao condenado o direito de ser recuperado e, assim, impõe ao Estado o dever de cumprir sua obrigação na recuperação do infrator, garantindo desta forma a segurança da sociedade.

Para tanto, conforme assevera Foucault (1983), a prisão é uma máquina, cujas engrenagens e os produtos são os detentos-operários e que prescreve uma recodificação da existência humana bem distinta da pura privação jurídica da liberdade, visto que foi concebida como local de formação de um saber clínico sobre os detentos, operando segundo três princípios:

1. O isolamento: a pena deve ser não somente individual, mas individualizante; isola o condenado do mundo exterior, de tudo que motivou a infração, e também o isola em relação aos outros;

2. O trabalho: juntamente com o isolamento, é outro agente de transformação carcerária, pois deveria transformar o prisioneiro – violento, agitado, irrefletido – em uma peça que desempenha um papel com perfeita regularidade;

3. A modulação da pena: a extensão da pena de acordo com a meta prefixada deveria ajustar-se à transformação útil do detento no decorrer de sua condenação.

Operando sobre os princípios do isolamento, do trabalho e da modulação da pena, de acordo com Foucault (1983), as penas privativas de liberdade têm como objetivo principal promover a transformação do indivíduo. Pois, durante o tempo de permanência na prisão, o detento permanece isolado para refletir sobre seu ato criminoso; é forçado a trabalhar para se tornar produtivo e útil à sociedade, e cumpre uma pena pelo período necessário para que seu ajustamento ao comportamento útil, dócil e desejável seja alcançado. Em tese, a transformação do indivíduo seria concretizada, posto que, na prisão o detento poderia ser constantemente vigiado, treinado e corrigido, durante o tempo em que lhe fosse aplicada a pena.

Neste ponto, vale destacar que, quanto à sua aplicação, as penas privativas de liberdade são derivadas de três diferentes sistemas penitenciários[6]: o sistema de Filadélfia (pensilvânico, belga ou celular); o sistema de Auburn e o sistema Progressivo (inglês ou irlandês). Este último foi amplamente adotado no decorrer do século XIX, fazendo triunfar a aplicação das penas privativas de liberdade, coincidindo com o abandono do suplício e da pena de morte, assim como dos regimes celular e auburniano.

O regime ou sistema progressivo experimentou uma acentuada tendência nos períodos que se seguiram, sendo amplamente utilizada até os dias de hoje, pois, conforme descreve Bauman (1999, p. 115), ele contribuiu significativamente para “[...] dar ‘o significado de crime’ aos atos que ‘cada vez mais são vistos como indesejados ou pelo menos dúbios’ e de ‘cada vez mais punir esses crimes com a prisão’”.

A partir do século XX, de certa forma foram esquecidas as punições corporais, como o suplício e a pena de morte, e a pena passou atuar sobre um bem e/ou um direito intangível: a liberdade. Assim, no ritual penal, desde a fase de informação até a sentença e as últimas consequências da pena, são julgados. De acordo com Foucault (1983, p. 22) o processo de penalização envolve “[...] o conhecimento do criminoso, a apreciação que dele se faz, o que se pode saber sobre suas relações entre ele, seu passado e o crime, e o que se pode esperar dele no futuro”.

Isto porque, no sistema progressivo de execução da pena, o detento é constantemente vigiado e avaliado. Este sistema se caracteriza por possibilitar ao apenado a obtenção do benefício da liberdade condicional[7], após ter cumprido parte da pena. Toda pessoa condenada à pena privativa de liberdade deverá cumpri-la, sempre necessariamente, em regime inicial fechado, independentemente de quaisquer outras condições. Em contrapartida, o condenado à prisão em regime fechado tem direito à progressão rumo ao regime aberto ou ao livramento condicional, pois a essência do regime progressivo permite “distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador” (BITTENCOURT, 2001, p. 83). Assim, o regime possibilita ao indivíduo reincorporar-se à sociedade, antes mesmo do término da pena. No entendimento de Bittencourt (2001), a meta do sistema é estimular a boa conduta e a adesão do recluso ao regime aplicado e, ao mesmo tempo, em razão da boa disposição anímica do interno, conseguir paulatinamente sua reforma moral e preparação para a futura vida em sociedade.

No Brasil, suporte legal à liberdade condicional é dado pela Lei de Execução Penal (LEP), que determina:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

§ 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.

§ 2º Idêntico procedimento será adotado na concessão do livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes (redação dada pela Lei 10.792/2003). 

Este dispositivo legal reza, claramente, que o condenado somente será transferido para um regime menos rigoroso quanto tiver cumprido, pelo menos, 1/6 (um sexto) da reprimenda no regime anterior e apresentar bom comportamento. Assim, caso o condenado tenha sofrido uma pena de 06 (seis) anos a ser cumprida, inicialmente, no regime fechado, terá, necessariamente, que cumprir 01 (um) ano, para poder postular sua promoção ao regime intermediário (semiaberto) e, mais tarde, ao regime aberto, ou ao livramento condicional.

Assim, de acordo com o regime progressivo, instituído pela legislação brasileira, o condenado a pena privativa de liberdade não poderá ser transferido diretamente do regime fechado para o regime aberto, devendo, necessariamente, passar pelo regime semiaberto. Ou seja, somente após o cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena, e ainda se apresentar bom comportamento, é que o detento fará jus à progressão do regime fechado para o semiaberto e, posteriormente, do regime semiaberto para o aberto. Assim, cumpridos os requisitos da Lei, ao chegar ao regime aberto, o condenado tem direito à liberdade ou livramento condicional.

Com a instituição e adoção do regime progressivo, o condenado à pena privativa de liberdade avança, através de estágios graduais e evolutivos: do regime fechado (privação de liberdade) passa ao regime intermediário ou semiaberto e, finalmente, chega à última etapa: o regime aberto que, teoricamente, implica no livramento condicional, estágio em que passa a cumprir o resto da pena em “liberdade”, sendo inserido no meio social. Desse modo, no sistema de cumprimento da pena, segundo Baldin (2004), a existência da progressão consiste no preparo do infrator para, sob pena de punição, observar regras e não mais cometer transgressões, conscientizando-se sobre a necessidade de ter uma vida sadia em seu próprio meio.

Apesar de o sistema penitenciário ser muito criticado por aplicar “um método de tratamento único para todos os condenados, por cujas etapas devam passar obrigatoriamente todos os presos” (MIRABETE, 2004, p. 386), com a progressividade, o Estado concede ao condenado a oportunidade de conscientizar-se de seu comportamento desviante, bem como da necessidade da observância e obediência às regras. A finalidade da pena é propiciar correção ao que cometeu delito e levá-lo, já dentro da penitenciária, a ter um comportamento voltado à ordem, a disciplina e a convivência pacífica, com vistas a uma futura inserção no meio social, quando chegar ao livramento condicional.   

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Desta forma, na medida em que a pena privativa de liberdade constitui o essencial no sistema penitenciário, sendo hoje a sanção penal mais utilizada nas legislações modernas (MIRABETE, 2004), a prisão assume as funções de punir, defender e corrigir. Trata de “punir, defender a sociedade isolando o malfeitor para evitar o contágio do mal e inspirando o temor ao seu destino, corrigir o culpado para reintegrá-lo à sociedade, no nível social que lhe é próprio” (PERROT, 2006, p. 262).

Concebido como um sistema de proteção da sociedade e de correção e ressocialização do indivíduo criminoso para seu retorno ao convívio social, hoje, o sistema penitenciário brasileiro não exerce as suas funções com a eficácia e a eficiência necessária. Especialmente, no que diz respeito à ressocialização e a (re)integração do egresso à convivência harmoniosa na sociedade (FALCONI, 1998; SILVA; MIRABETE, 2007; CAVALCANTE, 2010; SILVA, 2012; LAGINSKI, 2013), devido a alguns fatores que constituem barreiras à sua reintegração.  

2.1.1 Alguns Fatores que Dificultam a (Re)ingresso Social do Egresso Prisional

Conforme explícito na redação do art. 10, da Lei de Execução Penal (LEP), é dever do Estado “a assistência ao preso e ao internado [...] objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”, considerando ainda que “a assistência estende-se ao egresso”. Contudo, a execução penal não tem cumprido esta finalidade, especialmente no tocante à ressocialização do indivíduo de tal maneira a promover o seu (re)ingresso de forma ajustada ao convívio social. Finda a pena, não raro, o egresso reincide no crime e retorna à prisão.

O retorno à criminalidade ou a reincidência criminal não é facilmente explicável, posto que não se configura como um fenômeno linear. Certamente, a sua ocorrência é o resultado de diferentes causas, englobando problemas intrínsecos e extrínsecos ao cárcere. Em suma, as dificuldades encontradas pelo egresso para o (re)ingresso ao convívio social são múltiplas. Entre elas se destacam a marginalização do indivíduo condenado, as condições do ambiente prisional, o estigma negativo de ex-presidiário, a dificuldade de (re)inserção no mercado de trabalho e, especialmente, a ausência de suportes psicossocial e institucional.

2.1.1.1 A marginalização do indivíduo condenado

A pena privativa de liberdade é uma das modalidades de punição que se tornou preponderante nos últimos séculos. Ela se constitui como a forma última e mais radical de exclusão[8], uma vez que o confinamento espacial “[...] sob variados graus de severidade e rigor, tem sido em todas as épocas o método primordial de lidar com os setores inassimiláveis e problemáticos da população, difíceis de controlar” (BAUMAN, 1999, p. 114), segregando e marginalizando os diferentes, em especial, os pobres.

A criminalização das minorias e da pobreza tem se constituído numa estratégia adotada pela classe dominante, ao longo da história. Sobre esta prática, note-se que:

São, realmente, os pobres, os ignorantes, os sem-família, enfim, aqueles indivíduos que por não terem tido condições de vivenciar uma situação equilibrada no âmbito das relações domésticas, não puderam freqüentar escolas, não tiveram acesso ao mínimo de formação profissional, os que mais cometem delitos e o fazem de forma a deixar vestígios que permitem, na maioria das vezes, que venham a ser incriminados, denunciados e, por fim, condenados, sempre com a ira da imprensa e da população (MARTINS, 2000, p. 39).

De fato, ao adotar a prisão como estratégia de controle social, a sociedade muitas vezes ignora que a conduta criminal, na maioria das vezes, “[...] é o resultado natural de uma vida socialmente marginalizada, marcada por sentimento de sujeição e hostilidade” (SÁ, 1997, p. 117).

São os pobres, a maioria confinada dentro dos muros das prisões, geralmente com o consenso da sociedade, por influência dos sistemas de comunicação institucionais ou midiáticos, que contribuem para reforçar a marginalização de determinado grupo ou de uma categoria social, além da “[...] ajuda de categorias legalmente definidas para subjugar a disparidade e a conseqüente segregação espacial da diferença [...]” (BAUMAN, 1999, p. 115), tudo em função da segurança das classes privilegiadas, ameaçadas sobretudo diante da desigualdade social e da ineficácia da execução penal, que em nada contribui para a ressocialização do detento. Neste sentido, Moraes (2005, p. 181), assevera que:

[...] a prisão e o sistema penitenciário nasceram para ser exatamente o que são e o que sempre foram: uma forma de controle social perverso que passa pela ‘criminalização da marginalidade’ e da pobreza ao mesmo tempo em que é uma vitrine para toda a sociedade e os pobres em particular daquilo que eles realmente seriam: potencial e virtualmente membros das classes perigosas.

A sociedade, em geral, reserva aos pobres um espaço que, segundo Castel (1988) se constitui nas franjas do sistema, isto é, às margens do centro de poder, criminalizando-os por considerá-los como pertencentes às classes perigosas.  Com a população de detentos e ex-detentos, esta atitude se torna ainda mais explicita, uma vez que as histórias de vida dessas pessoas fornecem os elementos necessários à prática da marginalização social. A marginalização da maioria dos indivíduos condenados, cumprindo pena de reclusão ou detenção, pode ser observada nas suas trajetórias, cujas características aparecem ligadas ao baixo nível sócio-econômico e bastante semelhante ao perfil dos desempregados: uma população urbana de jovens pobres, com baixa escolaridade e trabalho remunerado em níveis insuficientes para suprir suas necessidades básicas (DEPEN/2007).

Estas características, embora não justifiquem o retorno do egresso prisional ao mundo do crime, contribui para a compreensão, não somente da reincidência, mas também da opção de muitos indivíduos pela prática de atos ilícitos, porque, no mundo do trabalho, a exclusão social se opera particularmente em relação à pobreza. São os jovens desempregados pobres que engrossam a fileira dos delinqüentes, sendo culpabilizados e responsabilizados pelo aumento da criminalidade. São também esses jovens, as maiores vítimas da violência urbana[9]. E, quando condenados e cumprindo pena privativa de liberdade, dentro das instituições prisionais, passam por situações que muito contribuem para moldá-los em indivíduos prontos a reincidir no crime. Neste sentido, Foucault (1983) afirma que, devido às suas características, as prisões se constituem em fábricas de delinquentes.

       

2.1.1.2 As condições do ambiente prisional

O ambiente prisional[10] tem se revelado perverso, desigual e até desumano, tornando-se incapaz de exercer seu papel transformador positivo e promover mudanças comportamentais nos detentos. Embora Goffman (1987) caracterize a prisão como sendo uma estufa para mudar pessoas, um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu, uma máquina eficiente para atingir determinadas finalidades como, por exemplo, sua reforma na direção de um padrão ideal, na prática, a história tem provado que a execução penal não tem atingido seu objetivo. Neste sentido, observe-se a seguinte afirmação:

Sabe-se que o encarceramento, além de afetar prioritariamente as camadas mais desprovidas, os desocupados, os precários, os estrangeiros, é, em si mesmo, uma tremenda máquina de pauperização. Neste sentido é bom recordar sempre as condições e os efeitos deletérios da detenção na atualidade, não apenas sobre os reclusos, mas também sobre suas famílias e vizinhanças. (WACQUANT apud KLIKSBERG, 2001, p. 164-165).

A detenção é uma modalidade de pena privativa de liberdade que, muitas vezes, poderia ser substituída por penas alternativas, visto que aplicada aos crimes leves. Sua duração pode causar efeitos deletérios não somente nos reclusos, mas também em suas famílias e vizinhanças. É preciso ainda considerar, que as prisões brasileiras, como é de amplo conhecimento, “[...] são verdadeiras escolas de violência e criminalidade” (BAUMAN, 1999, p. 20).

Na prisão, queira ou não, o detento sofre um processo de aculturação promovida pelo meio prisional, que o transforma, impondo-lhe padrões comportamentais pouco adequados ao meio externo, em especial ao contexto produtivo. Segundo Sá (1997), os problemas inerentes à própria natureza das penas privativas de liberdade e do cárcere engendram a questão da prisionização[11], ou seja, um processo de aculturação, a adoção em maior ou menor grau dos usos, costumes, hábitos e cultura geral da prisão. 

Depois de passar pelo processo de aculturação, adotando uma nova cultura – a cultura da prisão –, ao sair e tentar retornar ao convívio social, o egresso é um ser resultante de um processo que, na maioria das vezes, o moldou para reincidir no crime, praticando atos, talvez, até mais violentos e, assim, aumentando suas probabilidades de retornar à prisão. Um recinto caracterizado por Baunan (2005, p. 107) como um depósito de lixo final e definitivo, para onde aquele que foi uma vez rejeitado, sempre será rejeitado. “Para o ex-presidiário sob condicional ou sursis, retornar à sociedade é quase impossível, mas é quase certo retornar à prisão”.

A sociedade, sem dúvida, marginaliza os pobres e rejeita ainda mais o egresso do sistema penitenciário, mesmo aqueles condenados por crimes menos gravosos. Talvez por não acreditar na eficácia da ressocialização a que se propõe o sistema penal, e também, pelo fato de que a convivência com presos perigosos e as lições que aprendeu, diante do ambiente hostil e das circunstâncias e situações vivenciadas dentro dos muros da prisão, uma vez posto em liberdade, o egresso não só não está apto a uma convivência pacífica e harmoniosa, mas, sim, a continuar a praticar ou dar continuidade a crimes ainda mais graves.  

A falta de perspectiva de aceitação pela comunidade, segundo Martins (2000), poderá contribuir significativamente para conduzi-lo a agir desta maneira, tendo em vista a estigmatização advinda do aprisionamento, que provoca, dentre outras coisas, a impossibilidade de obtenção de um trabalho que lhe proporcione condições concretas de viver com dignidade.

O trabalho nas prisões é um assunto bastante controverso. Muitos defendem e outros condenam sua prática. Ao apresentar algumas questões que envolvem o trabalho do preso, Foucault (1983, p. 216), destaca que o trabalho “é a providência dos povos modernos; serve-lhes como moral, preenche o vazio das crenças e passa por ser o princípio de todo bem. O trabalho devia ser a religião das prisões”. Entretanto, conforme afirma Ramalho (1979, p. 117), a “[...] cadeia não oferece condições para que o preso possa exercer sua profissão ou mesmo aprender alguma [...]”. Assim, ao sair da prisão, muitas vezes o egresso não está qualificado para ocupar qualquer posto de trabalho, se vê na iminência de fazer parte, por um longo tempo, de um contingente de milhares de desempregados que, além de tudo, carregam o estigma negativo de ex-detento/recluso.

2.1.1.3 O estigma negativo de ex-presidiário

É a partir da idéia da dialética exclusão/inclusão que a Psicologia Social busca compreender as manifestações de comportamentos hostis, assim como a permanência e a aceitação da injustiça e de práticas de discriminação, que levam milhares de indivíduos às margens de uma sociedade que cultua valores democráticos. É por intermédio dos mediadores da exclusão, os preconceitos e os estereótipos, que as pessoas de um grupo social tendem a desprezar pessoas que não pertencem ao seu grupo.

Para Jodelet (2001), o preconceito é um julgamento positivo ou negativo, formulado sem exame prévio a propósito de uma pessoa ou coisa e que, assim compreende vieses e esferas específicas. Disposto na classe das atitudes, o preconceito comporta três dimensões. Uma dimensão cognitiva, especificada em seus conteúdos (afirmações relativas ao alvo) e sua forma (estereotipia), uma dimensão afetiva ligada às emoções e aos valores engajados na interação com o alvo e uma dimensão conativa, a descrição positiva ou negativa. Os estereótipos são:

[...] ‘imagens na cabeça’, representações do meio social que permitem simplificar sua complexidade. Na linguagem cognitivista do tratamento da informação, os estereótipos são esquemas que concernem especificamente os atributos pessoais que caracterizam os membros de um determinado grupo ou de uma categoria social dada. Eles são considerados como resultantes de processos de simplificação próprios ao pensamento do senso comum (JODELET, 2001, p. 59).

        

O preconceito, julgamento positivo ou negativo realizado acerca de uma pessoa, alimenta-se dos estereótipos, isto é, das representações formuladas com relação a um determinado grupo social, e gera os estigmas. O estigma é definido como cicatriz, como aquilo que marca, e “[...] denota claramente o processo de qualificação e desqualificação do indivíduo na lógica da exclusão” (WANDERLEY, 2001, p. 24).

O estigma pode ser aprofundado e ampliado pelos meios de comunicação quando, a pretexto de divulgar pesquisas, reforçam a estereotipia (MELLO, 2001). Desta forma, o estigma pode caracterizar um segmento de população como pertencente a uma categoria social perigosa (como, por exemplo, ex-presidiário) ou não.  

Segundo Jodelet (2001), na literatura psicossociológica, a categorização é determinante para o sentimento de pertencimento social e abrange dois sentidos: classificação das pessoas em uma divisão social ou determinada categoria social (homens, mulheres, jovens, velhos) e/ou atribuição de uma característica a alguém, relacionada ou não com a estigmatização ou estereótipo (pobre, doente, gay, judeus, ex-presidiário).

O estigma de ex-presidiário acompanha o indivíduo que cumpre pena privativa de liberdade para sempre. Com o término legal da pena, está terminado o processo, mas a pena, o sofrimento e o castigo, não, porque a sociedade fixa cada um no passado; roubou, poderia roubar ainda. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca (CARNELUTTI, 1995).

Diante do estigma, o comportamento do egresso prisional é fundamental e pode significar a conquista de uma posição de adaptação-ajuste ou de desajuste social. De acordo com Goffman (1980), a pessoa estigmatizada algumas vezes vacila entre o retraimento; a agressividade e a timidez, o que pode tornar a interação face-a-face muito violenta, dificultando a construção de relacionamentos efetivos, visto que ela tende a ler significados não intencionais nas ações de outras pessoas e, se tratada pior do que realmente é, reforça-se e se reproduz a lógica da exclusão.

A percepção que o egresso tem sobre o estigma do qual é vítima, não se manifesta somente no outro, mas está arraigado nele mesmo. Esta auto-exclusão se dá na medida em que a marginalização assume um caráter quase natural, em que o estigma serve para explicitar “[...] aceitação tanto ao nível social, como do próprio excluído, que se expressa em afirmações como: ‘isso é assim e não há nada para fazer’” (WANDERLEY, 2001, p. 23).   

Observe-se ainda que a exclusão, fruto de um preconceito expresso na dinâmica relacional, revela a fragilização dos vínculos sociais e se institui como um fenômeno que se naturaliza mediante aceitação da sociedade e do excluído, se processando também com relação ao trabalho e afetando, sobretudo, os jovens pobres, assim como também o egresso do sistema prisional.

2.1.1.4 A dificuldade de (re)inserção no mercado de trabalho

A exclusão superpõe uma multiplicidade de trajetórias de desvinculação, cujo um dos vínculos dominante de inserção continua a ser a integração pelo trabalho. Contudo, há algum tempo, autores como FORRESTER (1997), CASTEL (1998) e BAUMAN (2005) vêm denunciando que, em decorrência de profundas transformações ocorridas nas últimas décadas como o rápido desenvolvimento das tecnologias de produção e a globalização econômica, o universo produtivo e a estrutura social contemporânea não dispõem de lugares para milhares de trabalhadores, que ao permanecerem desempregados, passam exaustivamente e sem sucesso, por requalificações e/ou programas de motivações na esperança de obter um posto de trabalho. Na verdade, esta é uma dinâmica socioeconômica que representa uma nova realidade desenhada pelo poder, e que só tem feito aumentar a pobreza, favorecendo a exclusão social.

Para Castel (1998, p. 496), o trabalho dá o “[...] status que situa e classifica um indivíduo na sociedade”. Já, Bauman (2005) identifica que a condição de pertencimento na sociedade atual está muito mais atrelada à capacidade do indivíduo de responder às exigências de consumo feitas pelo meio. Sob o ponto de vista social, a segunda posição representa uma condição de suma importância, pois, estar fora do contexto produtivo e sem renda, ou possuir uma renda muito pequena, pode colocar o indivíduo na condição de não consumidor, o que pode torná-lo desnecessário ao meio e, assim, marginalizá-lo.

 No Brasil, a desregulamentação e a precarização do trabalho, ocorridas a partir da década de noventa do século passado, levou a uma intensificação da exclusão social pelo não trabalho, atingindo particularmente os jovens. Estes já ingressam na População Economicamente Ativa (PEA) excluídos do acesso ao emprego e à renda, apesar de apresentarem níveis de instrução mais elevados que no passado (CAMPOS et al., 2004, p. 55).

Embora haja um crescente aumento nas possibilidades de obtenção de uma ocupação no setor flexível ou informal[12] do universo produtivo (DUPAS, 1999), o desemprego está presente em todas as sociedades e abrange todos os níveis e todas as classes sociais. A realidade da produção contemporânea, em que tanto o capital quanto os meios de produção encontram enormes facilidades de migração, “[...] tende a criar, internacionalmente, indivíduos inteiramente descartáveis ao universo produtivo [...]” (WANDERLEY, 2001, p. 25). Esta dinâmica de exclusão, afeta especialmente os egressos do sistema prisional, pois, além de apresentarem baixa formação escolar, ausência de qualificação profissional[13], também são, inegavelmente, vítimas do forte estigma gerado pelo preconceito social.

As transformações promovidas pelo mundo capitalista, especialmente no que concerne a globalização do sistema econômico e ao avanço tecnológico dos sistemas de comunicação e informação, têm proporcionado um arranjo sócio-produtivo, no qual a existência de postos de trabalho para todos e de uma função produtiva lícita e suficiente, para suprir as necessidades básicas de cada cidadão, é utópica, especialmente para o egresso prisional. Por outro lado, o perfil do egresso, baseado em características ligadas ao baixo nível socioeconômico, somado ao estigma negativo de ex-presidiário, em nada favorece seu (re)ingresso no mercado de trabalho. Ao contrário, esta sua condição dificulta muito a obtenção de um posto de trabalho. Neste sentido, vale observar que qualquer posto de trabalho no contexto organizacional exige atestado de bons antecedentes e, a marca da passagem pela cadeia significa um indesejável pertencimento ao mundo do crime, argumento suficiente para que o empregador escolha outra pessoa (RAMALHO, 1979), para ocupar o cargo disponível na disputada da enxuta organização do século XXI.

Neste contexto, para os indesejáveis, os repudiados, lançados à própria sorte, só há uma instituição organizada capaz de beneficiá-los no futuro e adequada a seus destinos, caso não sejam resgatados das franjas do sistema de poder: a prisão (FORRESTER, 1997), local de onde saem estigmatizados e com grandes possibilidades de retornar, ao reincidirem na prática de delitos, visto que carentes também de suportes sociais, essenciais à sua (re)inserção social.

2.1.1.5 Ausência de suportes psicossocial e institucional

No Brasil, sem dúvida, a exclusão se opera particularmente em relação à pobreza. Segundo Kliksberg (2001), quarenta milhões de pessoas vivem em pobreza absoluta. Fatores como a acentuada desigualdade social, o elevado índice de desemprego (observado especificamente entre os jovens pobres) e emprego informal fazem aumentar a pobreza e têm efeito negativo sobre a educação, favorecendo a exclusão social e o aumento da delinqüência.

Entre os vários reflexos negativos decorrentes do processo de exclusão social, surge a manifestação e o aumento da criminalidade, assim como a reincidência. Fenômenos difíceis de serem tratados, sobretudo devido à ausência de suportes sociais. Ao cumprir totalmente a pena, ou ser beneficiado com a liberdade condicional, o egresso prisional, estigmatizado e despreparado, seja por falta de escolaridade e/ou qualificação, emerge na luta pela sobrevivência na condição de triplamente marginalizado: por ser pobre, por ser ex-presidiário e por não se constituir num consumidor, numa sociedade de consumidores (BAUMAN, 2005).

Neste momento crucial é que o egresso necessita, mais do que quaisquer outros desempregados, de proteção social. Mas, o Estado não lhe oferece esta proteção, visto que mantêm um sistema de proteção social ligado apenas ao trabalho formal (proteção clássica), sendo, portanto, incapaz de assumir todos aqueles que estão em ruptura com o mundo do trabalho, pois desconsidera a diversidade de situações e de perfis de indivíduos à espera de proteções (CASTEL, 2005).

O Estado também tem mostrado que não é capaz de manter uma política pública eficiente e eficaz que possa, pelo menos, controlar o aumento da delinqüência e impedir a reincidência criminal. No âmbito das políticas públicas assistenciais e sociais, o Estado, pelos resultados apresentados, já tem demonstrado que, sozinho (sem a ajuda da sociedade civil), não possui capacidade para ao menos tentar oferecer solução viável para problemas, como a discriminação e o elevado nível de desigualdade social, a concentração da renda, o aumento da criminalidade, o desemprego e a reincidência criminal (KLIKSBERG, 2001; SPINK, 2007; BARROS, 2010; OLIVEIRA, 2010).

De maneira precária, o Estado tem somente exercido seu poder de repressão em nome da segurança pública. Em virtude da separação entre economia e política, e da proteção da primeira contra a intervenção regulatória da segunda, e em consonância com o padrão dominante – desregulamentação, liberalização, flexibilidade – está se tornando cada vez mais difícil ao Estado reunir questões sociais numa efetiva ação coletiva (BAUMAN, 1999). 

Entretanto, embora não tenha se mostrado capaz, o Estado tem como uma de suas funções constitucionais garantir a liberdade e a segurança de seus cidadãos. Assim, como uma tentativa de cumprir esse papel e buscar uma saída para estancar a escalada da violência e da criminalidade, um dos caminhos que tem se mostrado possível é a ação participativa, visando à inclusão social.

2.2 POSSIBILIDADES NA LEGITIMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE INCLUSIVA

A sociedade contemporânea tem encontrado muita dificuldade para enfrentar o complexo problema do avanço da violência e da criminalidade, fenômenos sociais, cujas origens apontam para uma pluralidade de causas e exigem diferentes tratamentos. A ação participativa, assim como a legitimação da inclusão social, têm sido propostas como estratégias de enfrentamento dos problemas.

Autores como Kliksberg (2001) e Campos et al. (2004) propõem a ação participativa do Estado e da comunidade. Para Kliksberg (2001, p. 36), é preciso avançar no sentido da construção de “[...] administrações públicas descentralizadas, transparentes, abertas à participação comunitária, bem gerenciadas, com carreiras administrativas estáveis, fundadas no mérito”.

Além disso, Werneck (1997) propõe também o desmascaramento do processo de falta de informação, isto é, de um acúmulo lento e progressivo de informações inadequadas sobre pessoas marginalizadas, excluídas, por alguma razão qualquer, da sociedade.  A Psicologia Social, por sua vez, apresenta duas estratégias de enfrentamento do fenômeno da exclusão: a participação de cada um de nós e a responsabilidade do Poder Público. Estas duas dimensões, unidas, podem humanizar as políticas públicas.

A participação da comunidade é importante, especialmente para os presos e os egressos. Ao viabilizar oportunidades que criam expectativas positivas na vida dessas pessoas, a comunidade estará colaborando para minorar seus problemas pessoais, pois desta maneira poderá contribuir para “[...] diminuir frustrações e, em especial, para fazer desaparecer o sentimento que os presos têm, de não mais pertencerem à sociedade, sentimento esse que, embora latente, é um grande propulsor de violência” (MIOTTO, 1983, p. 19).

Quando preconceitos em relação à condição, principalmente de ex-presidiário, forem desfeitos, é possível que seja gerada uma atitude favorável à aceitação dessas pessoas na prestação de serviços úteis à comunidade, como qualquer outro cidadão integrado socialmente. Enquanto a população não entender que o transgressor necessita ser recuperado do ato que cometeu, deixando de acreditar que quanto pior for tratado, melhor será, não haverá tratamento correto, digno e humanitário dos presos. E, por sua vez, serão poucas as oportunidades de (re)inserção social dos egressos.   

No âmbito do Poder Público do Estado do Paraná, insere-se o Programa Pró-Egresso (atual Programa Patronato), cujo um dos objetivos mais importantes é assistir o apenado no sentido de promover sua (re)inserção social. Embora ainda incipiente esta é uma iniciativa do Poder Público paranaense na luta pelo resgate da cidadania do egresso e contra a insegurança social que tanto aflige a sociedade brasileira.

Neste sentido, Castel (2005) enfatiza que cabe às instâncias públicas, central e local, nacionais e transacionais, encontrar seu modus operandi na defesa do Estado de Direito para salvar o Estado Social. A fim de promover um adequado retorno do egresso ao seio da sociedade, o Programa Pró-Egresso tem se utilizado da estratégia de incentivo ao trabalho, visando libertá-lo da marginalização pelo menos nesse aspecto. Entretanto, o Programa tem enfrentado uma gama de limitações ao alcance desse objetivo, especialmente com relação a pouca contribuição da sociedade civil, para facilitar o processo de (re)inserção do egresso do sistema penitenciário ao convívio social.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do panorama de violência reinante na sociedade contemporânea, parece ficar evidente que o sistema penitenciário brasileiro não tem cumprido as funções para as quais foi criado, já que, a prisão se configura como a mais perversa instituição de segregação, controle e exclusão social dos diferentes (pobres, desempregados, ignorantes, vagabundos) e considerados perigosos, seus clientes preferenciais. Mediante a aplicação de sanções penais, especialmente de pena privativa de liberdade, a prisão, embora alcance o objetivo de punir o criminoso, não tem conseguido corrigir, com eficácia e eficiência, para a sua ressocialização.

O sistema longe está de devolver o egresso ao convívio social em condições de adaptar-se harmoniosamente, de modo que ele possa gozar da condição de cidadão integrado e proporcionar à sociedade a sensação de segurança a que tem direito. Cumprida a pena, total ou parcialmente, não raro, o egresso reincide no crime e retorna à prisão. Essa reincidência muitas vezes ocorre em virtude de uma série de fatores, alguns deles aqui abordados, que contribuem para isso.

O próprio sistema prisional tem sido apontado como um dos maiores responsáveis pela reincidência criminal. No mundo todo ninguém acredita em ressocialização por meio da prisão. Assim sendo, deveria haver uma espécie de readequação das penas, de modo que parte significativa de detentos a cumprisse em regime semiaberto em vez de fechado, evitando-se a piora e o avanço na escala dos crimes. Seria conveniente haver separação de condenados mais simples dos mais complexos, não mais se misturando indivíduos que praticaram pequenos furtos com assassinos ou traficantes. Políticas para ajudar a família do ex-preso deveriam ser viabilizadas. E, finalmente, o egresso deveria passar por uma socialização gradativa, com monitoramento, até estar totalmente recuperado para viver em sociedade.     

Isto porque, o encarceramento submete o detento a um processo de aculturação, obrigando-o a conviver em um ambiente hostil e violento, sem possibilidade de aprender algo de bom, sobretudo em relação ao aspecto profissional. Uma vez fora da prisão, o egresso é estigmatizado, tratado como alguém nada confiável, o que gera o desenvolvimento de um comportamento retraído e tímido, quando não violento e de auto-exclusão.

É possível que a inclusão social dos egressos do sistema prisional possa ser legitimada, desde que a comunidade e o Poder Público se unam numa ação conjunta, participativa e transparente, visando humanizar as políticas públicas, esclarecendo e informando a população no sentido de criar expectativas positivas para esse contingente tão marginalizado e estigmatizado socialmente, além de culpabilizado e responsabilizado pela insegurança social.

A partir destas colocações conclui-se que a pena privativa de liberdade não tem promovido a efetiva e desejada transformação do indivíduo. O sistema penitenciário parece ser o maior responsável pela elevada reincidência criminal. Esta realidade deveria levar o Poder Público e a sociedade a refletirem sobre a atual política de execução penal, fazendo emergir o reconhecimento da necessidade de repensar essa política que, na prática, privilegia o encarceramento maciço, a construção de novos presídios e a criação de mais vagas em detrimento de políticas mais humanitárias que pudessem contribuir efetivamente para a (re)inseção social do egresso prisional.     

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Sobre o autor
Paulo Cesar Seron

Psicólogo social e do trabalho. Atuo também na área da Psicologia Jurídica promovendo a reintegração social de egressos do sistema penitenciário. Sou professor de psicologia na Universidade Estadual de Maringá, no Estado do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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