Recentemente, foi-me apresentado o conceito de localismo. À primeira vista, pareceu mais um daqueles temas teóricos da sociologia que dificilmente fazem diferença no dia-a-dia de alguém. Todavia, uma situação do cotidiano de trabalho trouxe relevância para este conceito e é por esta razão que discorremos sobre ele.
Para melhor compreender o conceito de localismo é importante diferenciar duas outras expressões, geralmente tratadas como sinônimas: “lugar” e “espaço geográfico”. O lugar não se restringe ao mero espaço geográfico, é muito mais que isso. O lugar é o território preenchido pelo cotidiano compartilhado, isto é, para sociologia, denomina-se “lugar” aquele ambiente no qual há incremento cultural, desenvolvimento do ser humano enquanto protagonista da evolução social. Esse é o conteúdo concreto do localismo.
Dessa forma os espaços onde não há desenvolvimento social não poderiam ser denominados como lugares, mas sim como “não-lugares”, ou seja, simples espaços geográficos.
Um bom exemplo de não-lugar são as Instituições Totais (prisões, manicômios e etc.), pois são espaços onde convive um determinado grupo de forma isolada, não havendo espaço para a pluralidade social dos internos, criatividade ou formação de culturas próprias, dada a rigidez da disciplina imposta. O arcabouço cultural trazido pelos internos ou pelos visitantes não é suficiente para tornar este espaço um “lugar”, tecnicamente falando.
Outro exemplo de não-lugares são os locais de trânsito, como os aeroportos, restaurantes e até mesmo os shoppings centers, pois nestes espaços não há real produção cultural, as pessoas estão ali de passagem e não há identificação direita, ou seja, estes espaços são concebidos de forma padronizada, não havendo nenhum tipo de identidade entre eles e aqueles que por ali transitam.
Outro fenômeno interessante é que o grande desenvolvimento da tecnologia e a globalização fazem proliferar os espaços de trânsito, os quais são sempre impessoais e anônimos, em oposição ao mencionado conceito de localismo. São ambientes inteligentes, comandados por circuitos e sistemas que formam ilhas tecnológicas que, impondo uma nova forma de viver, constroem relações distantes caracterizadas pelo mecanicismo e pela impessoalidade.
Nos dias atuais não há mais fronteiras e até mesmo por detrás da tela de um computador é possível conectar-se ao mundo inteiro, sendo igualmente possível fazê-lo in loco, se assim desejar. Dessa forma, sendo possível ter acesso a todos os lugares, os espaços identitários tornam-se cada vez mais raros.
Feitas as considerações teóricas, até demasiadas, cumpre apresentar a digressão que me ocorreu quando conheci o famigerado conceito de localismo: o meu local de trabalho pode ser chamando de lugar?
No mundo moderno é comum que a instituições sistematizem o processo de trabalho, criando rotinas e padrões. O mote da atualidade é o gerenciamento de resultados, atribuição de metas e utilização de sistemas de informação que praticamente transformam qualquer trabalho técnico em uma linha de produção típica do ambiente industrial já criticado desde 1936 no filme Tempos Modernos.
É evidente que esta politica de gestão do trabalho amplia os resultados da empresa, também não podemos negar que paralelamente existe uma série de ações que pensam no bem estar do colaborador a fim de que esta sanha por números não engesse a vida laboral do trabalhador de tal forma que o local se torne inóspito.
Não é despiciendo lembrar que além da missão visão e valores da instituição, o trabalhador tem seus próprios ideais e expectativas de realização profissional.
Também não podemos desconsiderar que no mais das vezes os desconfortos do ambiente de trabalho são “compensados” por meio de incentivos financeiros. É a chamada monetização do trabalho, que travestida de benesse flexibiliza a insalubridade, a jornada de trabalho e até mesmo o perigo. Todos concordam que tempo é dinheiro, mas esquecem que dinheiro não é tempo.
Mas voltando ao localismo, como não tornar o local de trabalho um mero espaço de trânsito? Talvez a realização profissional do empregado não seja alcançada com simples registro da frequência, cumprimento da meta e recebimento do salário. O coração do empregado não pulsa à medida que ele bate o ponto.
O local de trabalho, às vezes, é considerado irrelevante, ao ponto que o chamado teletrabalho, ganha cada vez mais espaço em nossos dias, pois muitos consideram que estar no local de trabalho, além da remuneração, acrescenta muito pouco.
A razão deste texto vai ao encontro de um local de trabalho que seja um lugar de desenvolvimento pessoal, um espaço criativo, onde haja identidade com aqueles que ali atuam. O resultado será mais que quantidade e qualidade do trabalho, será qualidade de vida.
O presente manifesto não representa um ato de insatisfação com o local de trabalho, ao contrário, traduz uma vontade consciente de considerar o local de trabalho um lugar criativo, de desenvolvimento pessoal e social e não um mero espaço de trânsito.
O tempo não para pra pensar, ele segue. Mas se você para de pensar, você para no tempo e ele passa. Pense nisso e viva um novo tempo. Aproveite bem o momento e não se esqueça de aproveitar bem o espaço, encontre nele algo para se identificar e transforme-o em “lugar” mesmo que seja o seu local de trabalho.
Talvez não seja necessário mudar de emprego, de setor ou mesmo de função. O ambiente pode tornar-se outro apenas com uma mudança de perspectiva.