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Considerações sobre a ilegalidade da tarifa de assinatura mensal de telefone fixo

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16/09/2004 às 00:00
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IV – Do Dever de Restituir os Valores Pagos Indevidamente

Devidamente demonstrada a ilegalidade da cobrança da "tarifa de assinatura mensal", cabe tecer algumas considerações sobre o fundamento jurídico para a perfeita caracterização do dever da empresa concessionária de restituir os valores indevidamente cobrados.

Assim é que, o ordenamento jurídico pátrio é contumaz em estabelecer diretrizes para salvaguardar os direitos daqueles que são lesados na relações intersubjetivas, seja de cunho civil, seja no âmbito das relações de consumo.

Mister destacar o dispositivo do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) atinente à matéria:

"Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição."

Na esfera específica das relações de consumo, que envolvem o presente estudo, a proteção é igualmente positivada e acrescida de um "agravante" consubstanciado no dever não só de restituir os valores indevidamente cobrados, mas, de fazê-lo em dobro.

É o que se verifica da leitura do artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." Grifos postos.

Revela-se nítido, portanto, o direito dos consumidores de ver restituídos os valores indevidamente recolhidos a título de "tarifa de assinatura mensal", sendo que o prazo prescricional, neste caso, não é aquele estabelecido no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, haja vista limitar-se à reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço.

Deveras, ante a inexistência de previsão específica em relação ao prazo prescricional para restituição dos valores pagos indevidamente aplica-se o disposto no artigo 205, "caput", do Código Civil, que estipula o lapso temporal de 10 (dez) anos (que deverá ser analisado em conjunto com o artigo 2.028 do Código Civil).

Assim, têm os consumidores o direito de obter a restituição, em dobro, dos valores indevidamente pagos desde a utilização dos serviços de telefonia oferecidos pela empresa concessionária do serviço, observado, por óbvio, o prazo prescricional citado, até o momento em que for decretada a ilicitude da cobrança e suspensa a referida exigência.

Mister destacar que deverá ser pleiteada a inversão do ônus probatório - conforme previsto no artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor - a fim de que seja determinado à concessionária a apresentação de planilha com a indicação de todos os valores pagos a tal título, desde a aquisição da linha telefônica, após o que será possível quantificar o valor exato a ser restituído.


V - Conclusão

Acreditamos que os argumentos suso transcritos são pertinentes e bastantes para caracterizar a ilegalidade da cobrança da "tarifa de assinatura mensal" bem assim para externar o dever de restituição dos valores pagos e cessão das cobranças futuras, podendo ser sintetizados nas seguintes assertivas:

  1. os valores exigidos a título de "tarifa de assinatura mensal" têm por escopo "manter a prestação contínua do serviço de telefonia fixa", conforme reconhecem a ANATEL e a própria empresa concessionária, "ex vi" da Resolução nº 85/98 da ANATEL, bem assim dos (i) contrato de concessão (ANATEL/Telefônica), e, (ii) contrato de prestação de serviço (Telefônica/Usuário);
  2. a referida cobrança, todavia, não é autorizada pela Lei nº 9.472/97, que em nenhum momento permite a exigência de qualquer tipo de contraprestação pela "prestação contínua do serviço de telefonia", limitando-se, em seu artigo 103, a autorizar a cobrança de tarifa de acordo com cada modalidade de serviço (ou seja, tarifa como contraprestação por cada tipo de serviço prestado);
  3. por expressa determinação da Lei nº 9.472/97 a continuidade na fruição dos serviços de telefonia é direito do usuário e obrigação/dever da concessionária, conforme determinam os artigos 5º e 79, além de ser mencionada expressamente como cláusula que deve constar dos contratos de concessão, sem qualquer tipo de alusão a eventual necessidade de "pagamento" para exercício de tal direito;
  4. patente, portanto, a ilegalidade da Resolução nº 85/98 da ANATEL, bem assim do (i) contrato de concessão (ANATEL/Telefônica), e do (ii) contrato de prestação de serviço (Telefônica/Usuário), vez que nitidamente contrários ao que determina a Lei nº 9.472/97, criando, por veículos infra-legais, obrigação que inexiste na legislação aplicável, desvirtuando o consagrado princípio da continuidade do serviço prestado no regime público;
  5. de igual sorte, o Código de Defesa do Consumidor, dispositivo legal de ordem pública, estabelece como obrigatória à prestação dos serviços públicos essenciais, entre os quais encontra-se o serviço de telefonia, "ex vi" do disposto no artigo 10, VII da Lei nº 7.783/89 e item 3 da Portaria nº 3/99 do Ministério da Justiça, inexistindo também na Lei Consumerista qualquer alusão à necessidade de pagamento de tarifa específica para manutenção de tal direito;
  6. julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça são uníssonos em asseverar que a "quebra" do princípio da continuidade na fruição dos serviços públicos essenciais somente poderá ocorrer quando houver inadimplência, pelo usuário, da tarifa exigida pela prestação do serviço, o que não se confunde com a "tarifa de assinatura mensal", cobrada, como visto, exclusivamente para a aplicação do princípio;
  7. a cobrança de valores sem qualquer tipo de contraprestação por parte da empresa concessionária – considerando-se que a continuidade é corolário lógico do pagamento pelo serviço efetivamente usufruído - implica em verdadeiro desvirtuamento do princípio constitucional da livre iniciativa (art. 170 da Constituição Federal), vez que seu único escopo é o de transferir unicamente ao consumidor os riscos empresariais inerentes ao negócio, sendo a Ré beneficiada independentemente da ocorrência ou não de consumo de seu produto (no que infringe também o artigo 83, parágrafo único da Lei nº 9.472/97);
  8. a previsão contratual da cobrança da "tarifa de assinatura mensal" subsume-se ao disposto no artigo 51, IV e § 1º do Código de Defesa do Consumidor, caracterizando hipótese de nítida "cláusula contratual abusiva", devendo ser considerada nula de pleno direito, ante a ofensa à "equidade" e a boa-fé além da exagerada desvantagem em que é colocado o consumidor em razão do estabelecimento de obrigação que somente onera o usuário, exigindo deste valores para a manutenção dos serviços, não obstante exista previsão de cobrança específica pela sua efetiva utilização;
  9. mister destacar que, ante os dispositivos legais e entendimentos jurisprudenciais atualmente existentes, o primado da continuidade na prestação dos serviços públicos essenciais somente pode ser relevada ante o inadimplemento da tarifa pela prestação do serviço; não podendo esta (a continuidade) ser entendida como um fim em si mesma a fim de sustentar a possibilidade de cobrança específica;
  10. o dever de restituir os valores pagos indevidamente encontra fundamento no ordenamento jurídico pátrio, em especial no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que a repetição do indébito será feita "em dobro";
  11. o prazo prescricional, pelo que entendemos, não é aquele descrito no artigo 27 da Lei Consumerista, visto que não se está diante de "reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, mas sim o prazo geral inserto no artigo 205 do Código Civil (sendo pertinente citar a necessidade de análise da regra de transição constante do art. 2.028, CC).

NOTAS

(1) Fonte: http://www.telefonica.com.br/internas/links/link_telefonica_fprecos.htm

(2) In: Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 342.

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Sobre o autor
Paulo Andreatto Bonfim

advogado em Campinas (SP), especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFIM, Paulo Andreatto. Considerações sobre a ilegalidade da tarifa de assinatura mensal de telefone fixo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 436, 16 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5701. Acesso em: 20 abr. 2024.

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