"A importância do estudo da conduta criminosa reside no fato de evitar acusações temerárias e arbitrárias do Estado, buscando, sobretudo, a Justiça como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, utilizando-se do Direito Penal como instrumento de garantia das liberdades públicas, e não como chave do poder arbitrário, da força e da ditadura apelativa e abjeta que ainda encontram cinzas em nosso meio".
RESUMO: O pressente trabalho tem por finalidade principal analisar a conduta humana sob a ótica do conceito estratificado de crime.
O direito penal tem sido atualmente um dos ramos da Ciência Jurídica mais discutido nos meios acadêmicos, bem assim por toda sociedade porque sempre vislumbrou o direito penal como instrumento eficiente para manutenção do controle social, como forma de alcançar a paz social.
Costuma-se estudar o Direito Penal em suas primeiras lições analisando a Teoria da Norma, compreendida entre os artigos 1º ao 12 do Código Penal Brasileiro, Teoria do Tipo, nos artigos 13 ao 31 e Teoria da Pena, estampada nos artigos 32 a 120 do mesmo Estatuto Penal.
O primeiro Código Criminal Brasileiro, do ano de 1830 apresentava conceituava de crime no seu parágrafo 2º do artigo 2º como sendo toda ação ou omissão voluntária contrária as leis penais.
O Código Penal de 1890 em seu artigo 2º expressamente definia crime como sendo toda violação da lei penal consistente em ação ou omissão.
Atualmente a Lei de Introdução ao Código Penal, Decreto-Lei 3914 de 09 de dezembro de 1941, define crime em seu artigo 1º como sendo toda infração penal que comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com pena de multa, ao passo que contravenção penal é toda infração penal a que a lei comina, isoladamente, prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Assim, não se pode dizer que o direito penal pátrio apresenta um conceito legal de crime, tão-somente por força da definição prevista na lei de introdução ao Código Penal.
Importante registrar que o artigo 14 do Projeto de Lei 236/2012, nos fornece conceito legal de crime, a saber:
"A realização de fato criminoso exige ação ou omissão, dolosa ou culposa, que produza ofensa, potencial ou efetiva, a determinado bem jurídico".
É cediço na doutrina que a definição de crime é vista, nos dias hodiernos, como sendo de construção jurídica. Costuma-se conceituar juridicamente crime sob três aspectos: formal, material e analítico ou dogmático.
Do ponto de vista formal, crime é todo comportamento humano que viola frontalmente a lei penal. Sob enfoque material, crime é todo comportamento humano que ofende os bens mais importantes da sociedade. Não resolvendo, satisfatoriamente, a definição de crime em seus aspectos formal e material, coube à doutrina apresentar um estudo analítico, buscando definir todas as suas características, determinando analises fragmentárias do delito, no chamado estudo estratificado do crime, conceito este em que a doutrina faz uma comparação com os geólogos que para estudar a rocha, o faz analisando pequenos estratos sem descaracterizar o seu conteúdo unitário.
Desta forma, crime sob o ponto de vista analítico é todo fato típico, ilícito e culpável.
O professor Zaffaroni define delito como sendo “ delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal ( tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária ao ordenamento jurídico ( antijurídico) e que, por ser exigível ao autor que atuasse de outra maneira nessa circunstância, lhe é reprovável (culpável).
Como o presente trabalho tem como finalidade precípua estudar a conduta humana sob a ótica do conceito estratificado de crime, passamos a definir a conduta adotando como modelo o ensinado pelos professores Rogério Greco e Fernando Galvão, em sua obra Estrutura Jurídica do Crime, como sendo ação ou comportamento humano. É o primeiro elemento integrante do fato típico. Ao longo dos anos os estudiosos da ciência penal construíram várias teorias procurando explicar a ação. O tema é de alta relevância, pois do conceito de conduta adotado decorrem profundas conseqüências para o tratamento de importantes questões penais práticas.
Não se trata de divergências de natureza meramente acadêmica, sem qualquer reflexo na vida prática, como poderia parecer.
Ao contrário, do conceito de conduta adotado decorre a própria orientação do direito penal vigente em determinado país como se pode verificar nas três teorias fornecidas pela doutrina: Teoria Causalista ou Naturalista, Clássica, Causal Naturalista, Tradicional, Teoria Finalista e Teoria Social.
A primeira, desenvolvida por Beling e Von Liszt, define conduta como sendo do comportamento humano voluntário no mundo exterior que consiste em fazer ou não fazer alguma coisa. É um processo puramente mecânico, muscular e voluntário, em que prescinde do fim a que esta vontade se dirige.
Pode-se fornecer, a título exemplificativo, um fato ocorrido no dia 04 de abril de 2007, por volta das 08h15min, numa aula expositiva para o 2º ano - Diurno, do Curso de Direito de uma das Faculdades em Teófilo Otoni/MG, onde um professor da cátedra de Direito Penal I, numa dinâmica ilustrativa, lançou ao chão da sala de aulas, um boneco de nome Ferrajole Júnior, tendo este se esfacelado, tendo em vista que sua cabeça era de porcelana.
Neste exemplo específico houve um comportamento humano, voluntário e comissivo.
Neste caso, não se indaga qual a finalidade da vontade dirigida, deixando este estudo para o terceiro elemento do conceito dogmático de delito que é a culpabilidade, mas tendo que passar, de forma desnecessária, pelo exame das etapas típica e ilícita.
Para a teoria finalista da ação desenvolvida por HANS WELZEL, conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente causal. Ação humana, conforme ensina o maestria WELZEL, é o exercício de uma atividade final. A diferença entre as duas teorias é que para os causalistas ação é um puro processo causal ao passo que o finalismo demonstrou que a conduta é um processo causal dirigido a determinada finalidade.
Ainda no exemplo acima fornecido, a teoria causalista não consegue resolver a problemática do boneco, ao passo que para teoria finalista bastaria perguntar ao professor se ele tinha vontade de danificar o pobre boneco garantista.
Se a intenção era jogar ao chão o boneco, cuja vontade finalisticamente era dirigida a uma destruição poderia estar caracterizando o crime de dano, plasmado no artigo 163 do Código Penal Brasileiro, desde que a propriedade não pertencesse ao lente penalista. Se não houvesse a vontade dirigida a destruição, não haveria nenhuma cogitação de conduta criminosa ficando na esfera da reparação do dano, no Direito Civil, mesmo porque o nosso direito não conhece a figura do dano culposo como fato infringente da norma penal.
Para a teoria social, também conhecida por Teoria da ação socialmente adequada, da adequação social ou normativa, desenvolvida pelos penalistas JESCHEK e WESSELS, ação é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Nasceu para ser uma ponte entre as teorias causalista e finalista. Seria relevante do ponto de vista social a conduta que fosse capaz de afetar o relacionamento do indivíduo com o meio social.
Explicando a teoria social, o excelso Professor Ney Moura Teles, em sua Obra, Direito Penal, Parte Geral, página 171, ensina:
“Se a ação é a causação de um resultado socialmente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio doloso e um comportamento de homicídio culposo, uma vez que o resultado é idêntico nos dois casos".
Já o festejado Professor Francisco de Assis Toledo, ensina que “pela vastidão de sua extensão, se presta para tudo, podendo abarcar até os fenômenos da natureza, pois não há de negar “relevância social” e jurídica à mudança do curso dos rios, por ação da erosão, com repercussão sobre os limites das propriedades, e à morte causada pela ação do raio, com a conseqüente abertura da sucessão hereditária.
Finalizando, a ação regida pela vontade é sempre uma ação de natureza final. Se não houver vontade dirigida a uma finalidade qualquer, não se pode falar em conduta. Se não houve dolo ou culpa do agente, não há ação, como pode acontecer quando o agente se vir impedido de atuar nos seguintes casos: coação física absoluta ou força irresistível, estados de inconsciência e movimentos reflexos.
A importância do estudo da conduta criminosa reside no fato de evitar acusações temerárias e arbitrárias do Estado, buscando, sobretudo, a Justiça como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, utilizando-se do Direito Penal como instrumento de garantia das liberdades públicas, e não como chave do poder arbitrário, da força e da ditadura apelativa e abjeta que ainda encontram cinzas em nosso meio.