Contratação de aprendizes mediante a cota social

06/05/2017 às 22:43

Resumo:


  • A Constituição Federal permite a profissionalização na condição de aprendiz a partir dos 14 anos.

  • O contrato de aprendizagem é regulado pela CLT e estabelece que empresas devem contratar aprendizes em determinada proporção.

  • O Decreto nº 8.740/2016 possibilita o cumprimento alternativo das cotas de aprendizagem para empresas com dificuldades específicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A contratação de aprendizes mediante a cota social consiste em uma importante alternativa para o cumprimento da cota de aprendizagem pelas empresas que possuem dificuldades de cumprir referida cota, principalmente em razão de suas atividades.

A Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XXXIII, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos e de qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Percebe-se, pois, que a Carta Magna permitiu a profissionalização na condição de aprendiz do adolescente a partir dos quatorze anos.

Entretanto, o ordenamento pátrio prevê especificamente as condições e requisitos para o exercício do contrato de aprendizagem pelo menor de 14 anos. Tais requisitos visam assegurar, sobretud­­­o, a proteção do trabalho da criança e do adolescente, tendo em vista que estes são sujeitos em desenvolvimento e, portanto, todas as medidas que lhes afetem direta ou indiretamente devem estar em consonância com os seus interesses. Isso decorre da teoria da proteção integral adotada pela Constituição Federal, nos termos do artigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 4º, igualmente, dispõe acerca da teoria da proteção integral:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Nessa seara, veja-se que o princípio da proteção integral elenca como prioritário o direito à profissionalização dos adolescentes, inserindo este direito no âmbito da política educacional, sendo a profissionalização um dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, o que, inclui, obviamente, tal dever às empresas.

O contrato de aprendizagem é regulado pela própria Consolidação das Leis do Trabalho, bem como pelo Decreto nº 5.598/2005.  Nos termos do artigo 428 da CLT, o contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao jovem entre quatorze a vinte e quatro anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.

O ilustre jurista Maurício Godinho Delgado (2017, p. 456) assim leciona:

O empregado aprendiz é figura importante no Direito do Trabalho por traduzir fórmula jurídica de inserção da juventude nos benefícios civilizatórios da qualificação profissional pelo caminho mais bem protegido, que é o da relação de emprego.

O artigo 429 da CLT dispõe que todos estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.

Nota-se que segundo o comando normativo, toda as empresas, independentemente, de qual atividade é exercida, devem contratar aprendizes, cumprindo a cota de, no mínimo, 5%, e no, máximo, 15%, conforme supramencionado.

Como bem destaca ainda Ricardo Resende (2015, p.146):

A Instrução Normativa SIT/MTE nº 97/2012 fixa em sete o número mínimo de empregados para que seja exigida a contratação de aprendizes. A razão de ser é simples: para as empresas com até seis empregados, a contratação de um aprendiz extrapolaria cota máxima de 15%.

Ocorre que, não raras as vezes, algumas empresas alegam que possuem dificuldades  de empregar aprendizes, em decorrência de sua atividade, especificamente quanto à realização das aulas práticas, o que impossibilita o cumprimento da cota de aprendizagem. A título de exemplo, citam-se as empresas de ônibus, empresas de asseio, conservação e limpeza e empresas de vigilância.

O principal argumento das empresas de transportes, especificamente para a profissão de motorista de ônibus, consiste no fato de a legislação de trânsito exigir a idade mínima de 21 anos para  o exercício da função de motorista. Por sua vez, as empresas de asseio, conservação e limpeza argumentam que em regra as atividades são exercidas em ambiente insalubre, sendo proibido pela Lei Maior o trabalho ao menor de 18 anos nessas atividades. Do mesmo modo as empresas de vigilância, pela razão de necessidade do porte de arma.

Pois bem. Devido a essas dificuldades em contratação de aprendizes por essas empresas, bem como com a finalidade de ampliar o acesso e a contratação de aprendizes, foi promulgado o Decreto nº 8.740, de maio de 2016, que alterou o Decreto nº 5.598/2005, incluindo o Artigo 23-A em sua redação, possibilitando o cumprimento alternativo das cotas de aprendizagem. Tal dispositivo é destinado especialmente àquelas empresas que exercem atividades que possam dificultar a contratação de aprendiz, tais como insalubridade, transporte, entre outras.

 Confira-se o teor do artigo 23-A: 

Art. 23-A.  O estabelecimento contratante cujas peculiaridades da atividade ou dos locais de trabalho constituam embaraço à realização das aulas práticas, além de poderem ministrá-las exclusivamente nas entidades qualificadas em formação técnico profissional, poderão requerer junto à respectiva unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Previdência Social a assinatura de termo de compromisso para o cumprimento da cota em entidade concedente da experiência prática do aprendiz. 

§ 1º  Caberá ao Ministério do Trabalho e Previdência Social definir:

I - os setores da economia em que a aula prática poderá se dar nas entidades concedentes; e

II - o processamento do pedido de assinatura de termo de compromisso. 

§ 2º  Consideram-se entidades concedentes da experiência prática do aprendiz:

I - órgãos públicos;

II - organizações da sociedade civil, nos termos do art. 2º da Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014; e

III - unidades do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - Sinase. 

§ 3º  Firmado o termo de compromisso com o Ministério do Trabalho e Previdência Social, o estabelecimento contratante e a entidade qualificada por ele já contratada deverão firmar conjuntamente parceria com uma das entidades concedentes para a realização das aulas práticas.

§ 4º  Caberá à entidade qualificada o acompanhamento pedagógico da etapa prática.   (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

§ 5º  A seleção de aprendizes será realizada a partir do cadastro público de emprego, disponível no portal eletrônico Mais Emprego e deverá priorizar a inclusão de jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou risco social, tais como:   (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

I - adolescentes egressos do sistema socioeducativo ou em cumprimento de medidas socioeducativas;  (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

II - jovens em cumprimento de pena no sistema prisional;  (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

III - jovens e adolescentes cujas famílias sejam beneficiárias de programas de transferência de renda;   (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

IV - jovens e adolescentes em situação de acolhimento institucional;  (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

V - jovens e adolescentes egressos do trabalho infantil;   (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

VI - jovens e adolescentes com deficiência;   (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

VII - jovens e adolescentes matriculados na rede pública de ensino, em nível fundamental, médio regular ou médio técnico, inclusive na modalidade de Educação de Jovens e Adultos; e,   (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

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VIII - jovens desempregados e com ensino fundamental ou médio concluído na rede pública.   (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

§ 6º  Os percentuais a serem cumpridos na forma alternativa e no sistema regular deverão constar do termo de compromisso firmado com o Ministério do Trabalho e Previdência Social, com vistas ao adimplemento integral da cota de aprendizagem, observados, em todos os casos, os limites previstos na Seção IV do Capítulo IV do Título III do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho e a contratação do percentual mínimo no sistema regular,  (Incluído pelo Decreto nº 8.740, de 2016)

Percebe- se que esse dispositivo permite que a empresa contrate o aprendiz, mas este realize as atividades práticas em local diferente da empresa contratante.  Ou seja, a empresa contrata o aprendiz, paga o curso de qualificação e salário, mas este presta o  serviço em outro local (na entidade concedente), sendo fundamental a celebração de termo de compromisso com o Ministério do Trabalho e Previdência Social, o estabelecimento contratante e a entidade qualificada, bem como a realização de parceria, conjuntamente, com uma das entidades concedentes para a realização das aulas práticas.

Trata-se, pois, da contratação de aprendizes mediante a cota social. Isso possibilita a contratação de aprendizes pelas empresas, que têm dificuldade em cumprir a cota de aprendizagem, o que contribui com a inserção de aprendizes no mercado de trabalho.

Conclui-se, pois, que o artigo 23-A veio consolidar o entendimento de que todas as empresas devem cumprir a cota de aprendizagem, independentemente das atividades exercidas. Isso corrobora ainda mais com o argumento de que a aprendizagem, além de ser uma obrigação legal, é um mecanismo relevante para formação profissional do adolescente e para a promoção da cidadania, sendo o Estado, a sociedade e as empresas responsáveis pela profissionalização do adolescente.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988.  Acesso em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acessado em 05/05/2017.

________. Consolidação das Leis do Trabalho. Acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acessado em 05/05/2017.

________. Decreto Nº 5.598, de 1º de dezembro de 2005.  Acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5598.htm. Acessado em 05/05/2017.

________. Lei  8.069, de 123 de julho de 1990. Acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acessado em 05/05/2017.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 16 ed. São Paulo: LTr, 2017.

RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. 5. Ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. 

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Sobre a autora
Ana Caroline Assunção Costa

Graduada em Direito na Universidade Federal do Piauí. Assessora Jurídica no Ministério Público do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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