A transição do Direito Natural para o Direito Positivo

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Uma breve análise sobre a transição do Direito Natural para o Direito Positivo, elencando suas etapas e desdobramentos.

Direito Natural

Existem diversas teorias e definições acerca do Direito Natural. A maioria destas teorias coincide no fato de que o Direito Natural seria autônomo, uma vez que teria como características fundamentais a espontaneidade e a independência de qualquer outro tipo de lei, pregressa ou posterior a ele, evidenciando-se claramente na medida em que a sociedade evolui, apesar de, teoricamente, existir desde o momento de sua formação. Logo, o Direito Natural seria o perfeito ordenamento jurídico, que conteria em seu bojo todos os Direitos naturalmente pertencentes ao homem, assim que este, como indivíduo inicia sua existência no meio social (GUSMÃO, 2014).

A origem das Teorias sobre o Direito Natural remonta à tragédia grega Antígona, obra de Sófocles, que representa o capítulo final da Trilogia Tebana do supracitado autor. Em suas obras, Sófocles, apesar de posicionar o homem como centro do mundo, acreditava no poder dos deuses e na predestinação. Logo, um direito de origem divina é um direito de ordem moral, abrangente a todos os homens e possivelmente existente de forma anterior a presença destes no planeta. Desde então, sofistas, estoicos, eclesiásticos, escolásticos, racionalistas, dentre outras correntes filosóficas debatem o Direito Natural, através de um árduo debate, repleto de críticas e elogios, que atravessa todos os períodos históricos da humanidade (SOARES, 2013).

Apesar de, costumeiramente, os próprios operadores do Direito posicionarem o Direito Positivo e o Direito Natural como polos diametralmente opostos, modernamente as teorias jusnaturalistas apontam para o Direito Natural como um sistema métrico, valorativo e legitimador do Direito Positivo. Nestes termos, o Direito Natural seria um instrumento de validação do direito positivo, uma vez que não seriam permitidas imposições arbitrárias por parte do legislador. Este último não poderia desprezar, no momento em que editasse a lei, todos os direitos e garantias fundamentais do ser humano, apontados, por definição, como direitos inerentes a condição de ser uma entidade humanizada. Logo, o Direito Natural seria universalmente válido e teria a vital importância de fundamentar todo e qualquer documento jurídico elaborado pelo homem, através de uma reflexão ética, buscando a todo instante o bem-comum e a garantia incondicional dos direitos fundamentais do ser humano. Estes direitos são naturalmente inerentes a sua personalidade a partir do momento em que esta se transfigura no mundo físico. Exemplos da importância dos Direitos Fundamentais, portanto naturais a pessoa humana, estão em diversos documentos históricos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que por sua vez inspirou a maioria das Constituições do mundo ocidental (FRANÇA, 1789) .

Como dito anteriormente, a peça Antígona representa o marco inicial da filosofia jusnaturalista. Diversos homens defenderam a natural condição humana como detentora de direitos básicos tais quais, por exemplo, igualdade, fraternidade, dignidade da pessoa humana e liberdade de expressão. Jesus Cristo, Martin Luther King, Nelson Mandela, Madre Tereza de Calcutá, dentre outros diversos personagens históricos lutaram pela dignidade da pessoa humana e pelo altruísmo entre os homens. Estes valores existem desde que a sociedade existe. Eles apenas se aperfeiçoaram de forma conceitual, porém a noção básica da necessidade de sua existência e aplicação sempre existiu. Antígona, agora não enquanto obra, mas como personagem literário, padeceu nas mãos de um tirano por única e exclusivamente desrespeitar as leis despóticas editadas pelo mesmo e honrar aquilo em que acreditava: prestar respeito a figura de seu irmão, morto em combate. Por mais erradas que fossem, do ponto de vista político, as ações de seu irmão, do ponto de vista humano, em respeito aos entes familiares que ficaram, nada mais justo que fosse prestada uma homenagem à figura humana que teve sua vida ceifada. Seu irmão representou parte importante de sua vida, em carinho, afeição e convivência. Desta forma, acreditamos que é direito natural a pessoa humana de Antígona prestar as últimas homenagens à figura humana de seu irmão, assassinado por questões belicosas e políticas. A guerra e a má política são influenciadas pela vileza da condição humana. Já o amor, o respeito e a dignidade só existem porque o homem não é apenas vil, mas também ético. Respeitar a figura do ente falecido é honrar a condição humana, que deteve do primeiro ao último suspiro, o mais fundamental de todos os direitos: o direito a vida.

A ideia principal do direito natural é que há um direito comum a todos, um direito universal. Garantindo que todos os homens recebendo esse direito de forma racional. Segundo Norberto Bobbio as características principais são: a universalidade, a imutabilidade e o seu conhecimento através da própria razão do homem.

Três versões se destacaram a respeito do Direito Natural. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino defenderam que o Direito Natural provém da vontade de uma divindade e por esta é revelada aos homens. Para São Tomás de Aquino mostra a necessidade do Direito Natural atrás dos ideais Cristãos, colocando o Direito Natural acima do Direito Positivo, podendo assim haver justiça. Já Thomas Hobbes defendeu que o direito surge naturalmente através do instinto. Um dos principais defensores de que o direito é ditado ao homem pela razão, que o encontra autonomamente dentro de si foi Hugo Grocio.

Todas as concepções compartilham a ideia de que os direitos ditos naturais são anteriores ao direito estatal e que qualquer norma imposta ao indivíduo que não esteja conforme o mesmo é considerada injusta, podendo inclusive ser desobedecida pelos cidadãos.

O Direito Natural e surgimento do Direito Positivo para Thomas Hobbes e de John Locke

Segundo o pensamento naturalista, o Estado surge a partir de um estado da natureza através de procedimentos característicos do contrato social.

Hobbes é referência no que concerne à ideia de a vida humana ser um direito natural inalienável e que deve ser protegida acima de qualquer outro direito. É, aliás, esse o próprio fundamento da existência contratual, artificial, do Estado.

Já para Locke, Direito natural é para todos, assim, se igualando à lei da razão. Assim, o homem deveria ser capaz de elaborar sua doutrina moral a partir dos princípios da razão, que seria seguramente a lei natural e ensinaria todos os deveres da vida, ou ainda formular o enunciado integral da lei da natureza.  O Estado é fundado com o objetivo de assegurar melhor o gozo dos direitos naturais, e, portanto, nasce limitado por um direito preexistente. O direito positivo é o instrumento para a completa atuação do preexistente direito natural.

A transição do direito natural para o direito positivo

No decorrer da história do homem surgiram inúmeras sociedades, e de maneira lógica diversos tipos de concepções sobre o que seria direito e justiça, pois sociedade e direito são intrínsecos entre si, não havendo a possibilidade de um existir sem a presença do outro. A princípio as sociedades eram regidas nas concepções do direito natural, porém conforme o homem evoluía nos diferentes setores em que ele atuava mais conflitos surgiam, e o direito natural passou a necessitar de uma melhor padronização, pois com as novas situações o que era direito para uma das partes não era justiça para a outra.

Foi a partir desse momento que surgiram as primeiras leis escritas, para dar uma maior segurança jurídica a casos que por ventura surgissem no futuro. Entretanto faltava um órgão responsável pela criação das leis e que a essas fossem garantidas a sua legitimidade. Só então essa competência foi repassada ao Estado, para que ele a realiza-se através do Poder Legislativo. Os códigos pioneiros foram feitos através da reunião das leis já existentes e que estas fossem de acordo com o ordenamento jurídico vigente.

Em praticamente todas as sociedades esta foi a forma que se deu a transição. O que também podemos perceber claramente foi a inversão ocorrida entre o direito natural e o positivo, pois em momentos distintos cada um teve sua hegemonia nos padrões jurídicos.

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Destarte cada Estado passou a adotar seus próprios padrões, o modificando conforme ocorrer a evolução da sociedade que está sendo regida por este. Quando alguma norma for desrespeitada, a proteção será assegurada pelo direito positivo. Porém quando essas normas não forem capaz de garantir a segurança deveremos recorrer ao direito natural, pois com as suas características de universalidade e imutabilidade os direitos de todos estarão assegurados.

O Direito Natural no ordenamento contemporâneo

Se uma determinada legislação conseguisse assegurar e consolidar tudo aquilo a que o direito natural propõe, esse ordenamento tenderia à perfeição. E sem dúvidas esse é um dos objetivos finais do Direito, sendo dita por alguns como sua última etapa evolutiva. As codificações jurídicas realizadas entre o século XVIII e XIX buscaram um sistema híbrido entre o direito natural e o positivo, priorizando uma racionalização que aproximassem das ideias naturalistas.

Após um período no ostracismo, o direito natural voltou com força total após a Segunda Guerra Mundial, veio como reação as atrocidades cometidas durante esta. O plano de sua maior atuação foi na igreja católica, através das encíclicas papais. Porém ele ainda estava em segundo plano, pois o direito positivo ainda vigorava como o hegemônico.

Contudo podemos observar que o direito natural geralmente volta a ser reivindicado quando os interesses individuais passam a ser ignorados pelo Estado, principalmente quando este cria normas que não atendem a necessidade majoritária da sociedade, fazendo com que vários passem a aclamar a volta do direito  natural.

Os direitos humanos e sua convergência com o direito natural

Para muitos, o direito natural se extinguiu, sendo apenas um antecessor ao Direito positivo. No entanto, o Direito natural é muito presente no direito atual, principalmente no tema proteção aos direitos humanos fundamentais, sendo um objetivo buscado incessantemente pela sociedade e pelos governantes democráticos.

De forma simplória podemos classificar os direitos humanos fundamentais como uma proteção garantida aos cidadãos contra as arbitrariedades do ente estatal, feita através de seus diversos meio de controle e atuação na sociedade. Os direitos humanos tem como características serem imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis, entre outros adjetivos que fortalecem os seus conceitos.

Destarte podemos verificar que os direitos humanos são facilmente confundidos com o direito natural, pois os seus conceitos e características são bastante convergentes. Suponhamos que os direitos humanos não sejam garantidos por determinado ordenamento, com isso deveremos recorrer ao direito natural para que ele atue como fundamentador e protetor destes direitos. Vale ressaltar que o Direito Natural nunca deixou de existir com o advento do Direito Positivo, mas tem o importante dever de garantir os direitos fundamentais do homem.

Referências:

FRANÇA. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. 1789. Disponível em: < http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/mla_MA_19926.pdf>. Acesso em 14 set. 2015.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 47. ed. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2014.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de Teoria Geral do Direito. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

HOBBES, Thomas. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural. 1997.

SANTO AGOSTINHO. Confissões. Tradução de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural. 1997.

AQUINO, Tomás. O ente e a essência. Tradução de Luiz João Baraúna. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural. 1997.

REALE, Miguel. Filosofia do direito.São Paulo. Saraiva: 15ª Edição. 1993.

GOUVEIA, Alexandre Grassano F.. Direito Natural e Positivo. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6>. Acesso em: 14 set. 2015.


 

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Sobre os autores
Diogo Mesquita Mourão

Experiência em comércio de produtos importados e acadêmico de Direito na Universidade Estadual Vale do Acaraú

Lucas Emanuel Rodrigues Rocha

Estudante do curso de Direito na Universidade Estadual Vale do Acaraú.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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