Filme Amistad e os Direitos humanos.

A dignidade da pessoa humana relatada no filme

10/05/2017 às 19:15
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Por mais que a questão da dignidade humana esteja presente em nossa Constituição Federal, o Estado Democrático de Direito ainda não logrou êxito na árdua missão de assegurá-la e promovê-la. Reflexões a esse respeito são aqui lançadas, num paralelo traçado a partir do filme Amistad, um clássico no enfoque do desrespeito aos Direitos Humanos.

Antes de relacionar o filme visto com os Direitos Humanos e a dignidade humana, faremos uma breve introdução sobre esse tema. Durante as aulas ministradas pelo professor Eduardo, foi possível chegar à conclusão que, na maioria das vezes, quando se pensa nos tais direitos humanos, o primeiro tópico que vem à mente é o direito à liberdade, porém o significado desse conceito é muito mais amplo. Para começar a análise desse conceito, tem que se saber que a Declaração Universal dos Direitos Humanos contém 30 artigos, os quais são baseados no princípio de respeito em relação aos indivíduos. Diretos que independentemente das origens: nascimento, ambiente social e familiar, serão disponíveis a pessoa desde o primeiro segundo de vida no território em que estiver, pois é uma declaração universal, ressaltando que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (artigo 2º do Código Civil), esta na lei, é direito garantido.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos mais importantes do século XX e foi traduzida para 337 idiomas diferentes além de ter sido ratificada por todos os países do mundo. O seu conteúdo fez as pessoas reconhecerem e reivindicarem os seus direitos, e não simplesmente aceitarem o que lhe é imposto; e sim, terem voz para reclamar e exigir o que é seu por direito, por lei. Assim, cabe a cada individuo respeitar e difundir esses direitos para que o seu próprio direito seja reconhecido e garantido.

Com o tempo, essa “simples” declaração foi fazendo grandes conquistas, como: a não discriminação e a igualdade, que têm sido cada vez mais reafirmadas como princípios fundamentais do direito internacional dos direitos humanos e como elementos essenciais da dignidade humana, os direitos humanos tornaram-se fundamentais para o discurso global sobre paz, segurança e desenvolvimento. Novos padrões de direitos humanos foram construídos com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a implementação de tratados internacionais sobre os direitos humanos foi significativamente melhorada, entre outras conquistam iguais ou tão importantes como essa.

Fazendo uma comparação, o tratado traz diversos direitos, assim como o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira que trata dos Direitos Humanos, e também sobre direitos: civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, de liberdade, e outros.

O filme Amistad foi uma produção baseada em fatos verídicos, em 1839, que ocorreram a bordo do navio La Amistad. O filme relata a luta de um grupo de escravos africanos em território americano, desde a sua revolta até seu julgamento e libertação. O roteiro do filme mostra, de forma clara, o processo de transformação ao qual o mundo estava passando com relação à escravidão. Muitos países já haviam abolido a escravatura, o comércio de escravos tornara-se ilegal, mas ainda lucrativo. A proliferação dos movimentos abolicionistas e de direitos humanos não era exclusividade apenas nos Estados Unidos, ou de países que ainda tinham na escravidão sua principal mão de obra. Tratava-se de uma conscientização mundial contra o etnocentrismo e o Racismo Científico que classificava os seres humanos em raças, sendo o negro considerado como inferior em todos os aspectos, e incapaz de organizar suas sociedades de forma organizada, civilizada.

 Pode-se perceber que já havia traços desses direitos do homem naquela época, como esta expresso no artigo 1º da Declaração, o qual diz: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação uma às outras com espírito de fraternidade”. Esse artigo é exatamente o ponto de partida que o advogado Baldwin utilizou para que seus clientes, os escravos, não fossem mais vistos como coisas e sim como pessoas que tinham direitos. Apesar da maioria do sul dos EUA ainda ser escravocrata, e o norte ser a maioria abolicionista, se chegou ao consenso de que todas as pessoas são livres e iguais. Naquela época, se o negro não tivesse nascido em fazendas de escravos então ele não seria considerado escravo, seria um homem livre independente da sua etnia, como consta na Constituição Federal Brasileira e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Constituição diz no artigo 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.

Um dos momentos marcantes do filme é a dominação do navio negreiro pela sua tripulação, “sua carga”, como é denominada pelos 2 sobreviventes espanhóis. O estopim dessa revolta é resultado da ilegalidade do ato, da renuncia da liberdade imposta, das condições miseráveis e desumanas, da retirada da dignidade humana daquelas pessoas. Dignidade humana que é declarada no art. 1º da Declaração Universal dos Homens, inciso III: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.”  Immanuel Kant, na "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" defendia que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos), e que assim formulou tal princípio: "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade."

Relatado por dignidade da pessoa humana, a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

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Nos dias atuais, tal falta de dignidade pode ser retratada pelos presídios brasileiros, pois é de conhecimento da população que as condições carcerárias no Brasil são desumanas. Não esta sendo feita uma comparação em relação ao tipo de revolta para melhorias ou conquista de poder, como foi com os escravos negros, mas a possibilidade de os prisioneiros terem o direito de conseguir condições melhores e tratamento mais humano, menos coisa e mais pessoa. Afinal, eles estão sendo punidos por algum crime que cometeram, estão sendo privados de sua liberdade de ir e vir, mas não quer dizer que merecem viver em condições insalubres. O artigo 5º, inciso XLIX da Constituição Federal Brasileira diz: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, defendendo a ideia de boas condições para os presos, não é questão de luxo em prisão, mas sim o mínimo de higiene e espaço para o detento passar o seu tempo de reclusão da sociedade. Pois um dia ele vai sair e deve estar preparado para voltar ao ambiente social com um novo modo de viver e enxergar as situações, afinal não se quer pessoas piores do que as que foram punidas, pessoas sacrificadas e vingativas. Por tais condições, não é raro ver, em noticiários, que presos fizeram revoltas por falta de atendimento médico, espaço nas celas, higiene, alimentação, sanidade básica.

O caso mais recente foi o complexo de Pedrinhas, no Maranhão, que atraiu a atenção do país após registrar quase 60 mortes e uma série de rebeliões em 2013, mas não sendo o único presídio com graves problemas no Brasil. A crise no sistema prisional do Maranhão foi destaque no Brasil e no exterior, o caso chegou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A pena restritiva da liberdade tem o intuito de conscientizar o indivíduo do crime que ele cometeu, crime este que é reprovado pela sociedade, para que assim ele possa ser reintegralizado a vida social. Porém a chance de um preso sair do presídio ainda mais marginalizado do que entrou são enormes, pois ao viver nessas condições desumanas ele se sente abandonado pelo Estado. O juiz Douglas Martins – autor do relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que denunciou nacionalmente a onda de assassinatos e abusos em Pedrinhas (MA) em dezembro do ano passado disse: "O presídio não vira uma escola do crime. O que acontece é que a pessoa entra e tem que se associar a uma facção. Após cumprir a pena, o cidadão continuaria obrigado a permanecer na organização criminosa – o que incentivaria a cometer mais delitos para pagar taxas ou dívidas que contraiu em troca de "proteção".

"O abandono do Estado obriga os presos a se organizarem para poder sobreviver no presídio", disse o padre Valdir João Silveira, da Pastora Carcerária e completa: "O Estado não cumpre o que está na lei de execução penal em relação aos cuidados mínimos com saúde, alimentação, trabalho, assistência jurídica. Ele joga atrás das grades a população pobre, que precisa de apoio e quem oferece o apoio justamente é o tráfico, a facção". Estado este que deveria proporcionar um ambiente para que ele possa cumprir a sua pena com no mínimo dignidade e assim se conscientizar do seu erro.

Por mais que a questão da dignidade humana esteja presente na nossa Constituição Federal e nos Direitos Humanos, é nítido que os representantes do Estado não vêm respeitando e conseguindo garantir esse direito. Assim, não se deve curvar diante das situações complicadas ou cada vez mais difíceis, afinal, o Estado existe para assegurar a solução, ordem, segurança e paz e é direito de todo cidadão lutar por suas garantias, até onde não ultrapasse o direito do outro. Ou seja, é um direito do cidadão e é um dever do Estado cumprir com as obrigações da sociedade e com ela.


BIBLIOGRAFIA:

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Código Civil Brasileiro

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Filme: Amistad (1997, Steven Spielberg)

http://www.processocriminalpslf.com.br/site/?page_id=3041

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140115_seis_prisoes_lk.shtml

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