III - A MATÉRIA DO QUASE DELITO SOB ENFOQUE DO DIREITO FRANCÊS E DO DIREITO ITALIANO
Para a doutrina nacional que estudou a matéria não era a ausência de dolo que caracterizava os quase-delitos. A responsabilidade neles ora decorre de culpa indireta, ora de simples imprudentia, mas pode resultar ainda de dolo, na hipótese em que o juiz houvesse de forma dolosa proferido uma sentença injusta.
Para Ruggiero(obra citada, pág. 389), estudando a matéria, á luz do direito italiano, seriam, pois, quase-delitos os casos de responsabildiade por fato alheio, isto é, aqueles em que alguém é obrigado pelo dano causado por uma pessoa que está na sua dependência ou lhe está subordinada, bem como pelos danos causados por um animal ou por um imovel que lhe pertença. Assim haveria delito em qualquer outro fato ilícito próprio. Outros transferem para o campo do delito os casos de responsabilidade por fato alheio e englobam no do quase-delito somente os casos de responsabilidade resultante não de uma causa humana, mas de fato dos animais ou de coisas inanimadas; o delito compreende, desta forma, para os estudiosos, tanto os fatos dolosos como os culposos; tanto o fato próprio como alheio.
Mas a mais autoizada doutrina, segundo Ruggiero, afasta estes conceitos, por terem sido certamente estranhos aos compiladores do Còdigo Francês e a quem deles foi o principal inspirador(Pothier), fixando o critério de distinção precisamene no elemento da culpa ou do dolo. Delito seria o fato danoso imputável, voluntário e praticado com o deliberado propósito de prejudicar ou de violar o direito alheio(dolo); quase-delito, o ato igualmente voluntário e imputável, mas que, sendo praticado sem má intenção, consiste numa negligência, isto é, em não se tem previsto as consequências danosas do comportamento próprio(culpa em sentido técnico). Por outro lado, porque a par da responsabilidade direta(por fato próprio) existe ainda uma responsabilidade indireta(por fato alheio ou pelo fato das coisas ou de animais próprios) e esta segunda espécie de responsabilidade se resume sempre numa culpa(por não se ter vigiado a pessoa dependente, por não se ter guardado o animal, por não se ter reparado a tempo o edificio) o âmbito do quase-delito alarga-se, vindo a englobar-se nele, sejam os fatos lesivos próprios(desde que culposos), sejam os fatos lesivos de terceiros, de animais, ou de cousas inanimadas.
A doutrina observa, na Europa, a noção mais precisa de delito e quase-delito nos seguintes requisitos:
a) nem toda a violação do direito alheio é delito;
b) qualquer violação dessas não pode constituir senão num fato positivo. Se em responsabilidade por omissão incorre só quem era obrigado a cumprir alguma coisa por virtude de uma relação precedente, é evidente que a omissão não poderia ser causa de responsabilidade quando se esteja no campo da culpa aquiliana, a qual pressupõe a violação de um direito indepedente de qualquer vínculo preexistente. Ainda anotou Ruggiero(obra citada, pág. 392) que nos quase-delitos, a culpa em sentido técnico, que os distingue dos delitos, e ela mesma uma omissão, porquanto é defeito da diligência devida, mas só em tal caso é verdade que o ato ilícito possa consistir num fato, quer positivo, quer negativo;
c) que o fato lesivo viole ainda ou não a lei penal, é indiferente para o conceito de delito no campo do direito civil. O delito civil se distingue do penal precisamente por isso: que o primeiro é violação de um direito subjetivo privado e o segundo é violação da lei penal; o primeiro implica como consequência a indenização do dano, o segundo uma pena, seja corporal ou pecuniária, estabelecida no interesse exclusivo do Estado. Do delito penal ou crime nasce, pois, sempre uma ação penal(ainda outras medidas, previstas em lei, como a transação, o sursis processual, nos crimes de menor potencial ofensivo), podendo nascer a ação civil, onde se visa a indenização, para alguns ressarcimento, pela conduta que levou ao dano; do delito civil somente nasce esta última ação. Portanto, assim como há atos que são delitos civis, mas não penais, da mesma forma há outros que são delitos penais, mas não civis e, finalmente, outros que ainda revestem uma e outra qualificação. Ao passo que o delito civil é uma categoria abstrata e geral, os delitos penais constituem tipos fixos e concretos no direito penal, à luz do que preceitua o principio da legalidade;
d) não há um delito civil se não houver dano. Antes fala-se em ação inibitoria, que visa a cessar a continuidade do ilícito ou que ele se inicie(de cunho preventivo, nos casos de obrigações de fazer ou não fazer). Depois se fala em dano, onde o objeto para o lesado sera obter, em juízo, um ressarcimento. É, pois, indiferente que este seja no patrimônio ou em outros bens da pessoa, como os bens imaterais. O dano é sempre indenizável;
e) o fato lesivo deve ser voluntário e imputável. Assim se se abstrai, na verdade, dos casos de responsabilidade objetiva ou ex re, nos quais não se investiga acerca da culpa, é sempre elemento indispensável da responsabilidade por delito ou quase-deltito, segundo Ruggiero, ainda na linha de estudo do direito civil italiano, que a ação se ligue a uma livre determinação da vontade, que ela consista num propósito malicioso ou numa imprevidência das consequências danosas do comportamento próprio(dolo ou culpa) e ainda que seja mínima a culpa do agente(in lege Aquillia et levissima culpa venit). Tudo isso ainda se acrescenta no que chamamos de responsabilidade objetiva, pela qual assim como o proprietário do edifício e do animal respondem pelos danos por eles provocados só por ser seu proprietário, da mesma forma deve responder pelos danos produzidos por um demente ou por uma criança, ainda que nenhuma culpa se pudesse atribuir àqueles que tinham a seu cargo a sua guarda ou vigilância. Há, por certo, todavia, fatos que, mesmo sendo imputáveis, não originam responsabilidade posto que desejado, não foi o efeito de uma livre determinação, como aqueles praticados em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal.
A responsabilidade que resulta, seja do delito ou ainda do quase-delito é o dever de indenizar o dano produzido à vítima do fato lesivo.