Herança jacente e sucessão vacante

13/05/2017 às 12:32
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Dois institutos tão importantes, quanto raros em sua ocorrência, a Herança Jacente e a Sucessão Vacante são oriundos do Direito Romano e perduram até os dias atuais. Conheça seus principais pontos e quais suas principais diferenças.

I – HERANÇA JACENTE

Herança jacente ocorre quando alguém falece não deixando testamento, nem cônjuge sobrevivente e nem parente conhecido para sucedê-lo.

Quando se abria uma sucessão, mas o herdeiro ainda não tinha aceito, diziam os romanos hereditas jacet, exprimindo-se, dessa forma, aquela situação particular, pela qual o patrimônio do defunto está privado do seu antigo titular e espera um novo, que será ´dado pela aditio, e com a respectiva construção jurídica da herança jacente. Pretendia-se manter firmes e unidos os elementos patrimoniais da heerança, a fim de a reservar íntegra para quem mais tarde a devesse recolher.

O conceito, vindo do direito romano, foi conservado, de forma substancial, no direito moderno que dita as providências da lei acerda herança jacente.

Há dois casos distintos, em foco no direito italiano, de herança jacente admitidos.

O primeiro tem lugar ou quando não haja testamento e não sejam conhecidas as pessoas por lei chamadas à herança, ou quando haja um testamento mas se ignore a sua existência. A jacência, como revelou Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, volume III, terceira edição, pág. 426), excluui-se em qualquer outra hipótese, visto ser conhecido o herdeiro instituído em testamento ológrafo ou secreto(cerrado). O segundo tem lugar quando todos os herderios, quer primitiva, quer sucessivamente, tenham renunciado, exceção feita do último chamado por lei, ou seja, o Estado.

A posição em que se encontra o patrimônio por falta de um titular atual, é a necessidade de conservar os interesses quer de quem deverá depois recolhê-lo, quer dos credores, implicam que se nomeie um curador do patrimônio, a pedido de qualquer interessado na conservação dos bens, ou mesmo de ofício, sendo a nomeação feita pelo pretor da circunscrição na qual se abriu a sucessão. O curador deve fazer com que se proceda o inventário de herança, exercer e promover os seus direitos, responder nas ações propostas contra a mesma, administrá-la, depositar na instituição financeira designada as somas que cobra e, finalmente, dar contas de sua administração  que a mesma herança tinham direito.

O pedido para declaração da herança jacente, deverá ser formulado pela Fazenda Pública, Ministério Público e/ou interessado por meio de advogado, instruído com a certidão de óbito. O juiz através de decisão simples declarará a herança jacente, diante do não comparecimento de herdeiros nomeará curador.

Sendo declarada a herança como jacente, o juiz da comarca de domicílio do falecido, sem perder tempo,  procederá a arrecadação de todos os bens.

No direito romano, no período que se estende entre a delação e a aceitação ou repúdio pelo herdeiro estranho, a herança chama-se jacente. É hipótese em que não tem absolutamente titular, pois o antigo proprietário da herança faleceu e o eventual não declarou ainda sua vontade, diz-se que herditas jacet ou bona jacente.

O direito civil antigo procurou sanar dúvidas e inconvenientes com a regra hereditas non adita non transmittitur e com a permissão da usucapio pro herede, os quais deveriam constituir um veemente incentivo para aceitar a adição. Na época clássica a jurisprudência redobra de reformas em ordem a assegurar a manutenção das coisas hereditárias, e, com esse objetivo, lança mão de diversos recursos teóricos.

Ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 483) que, na época clássica, a doutrina que teve mais amplitude considerou os bens constitutivos da herança jacente como res nullius.

Labeão, no começo do Império, considera que a herança jacente não está no poder de ninguém, mas afirmou que o escravo da herança pode ser instituído herdeiro antes da adição, apesar de que ao tempo da realização do testamento, o escravo seja coisa de ninguém.

Para Cássio, e, para outros jurisconsultos, deve-se entender que o herdeiro sucedeu ao defunto desde o momento de sua morte no qual adquire a herança. Dela resulta que o escravo poderia validamente adquirir ou estipular para o futuro senhor; e por isso é que Cássio pergunta se, na hipótese de um legado feito a escravo hereditário, devia levar-se em conta a capacitas do de cuiús ou a do herdeiro. Admitia, assim, que os escravos da sucessão pudessem agir no interesse desse pro herede futuro.

Justiniano, por sua vez, observando que a herança jacente é um patrimônio que tem um certo escopo, precisamente o de ser reservado a um herdeiro futuro, e desejando revestir o problema de unidade teórica, imaginou ser a herança jacente uma  pessoa jurídica. Passou assim a ser tratada como um município ou uma decúria, relegando a questão da capacidade do herdeiro ou do defunto era relegado a um plano subalterno e os legados que eram feitos ao escravo da herança eram sempre adquiridos pelo hereditas, que era o proprietário dos bens deixados pelo defunto.

A herança jacente não possui personalidade jurídica e nem é patrimônio autônomo sem sujeito. Consiste em um acervo de bens, administrado por um curador, sob fiscalização da autoridade judiciária, até que habilitem os herdeiros, incertos ou desconhecidos, ou se declare por sentença a respectiva vacância.

Mesmo não possuindo a devida personalidade jurídica, podem usufruir de capacidade processual e ter legitimidade ativa e passiva para acionar e ser acionado em juízo. Essas entidades se formam independentemente da vontade de seus membros. Importante ainda ressaltar que, a herança jacente distingui-se do espólio, sendo os herdeiros deste, conhecidos. No espólio são compreendidos os bens deixados pelo falecido desde a abertura da sucessão até a partilha, podendo tanto aumentar com os rendimentos que produzir, como diminuir em virtude dos ônus ou deteriorações.

Será uma universalidade de direito ou universalidade de fato?

Para Marcel Planiol(Traité élémentaire de droit civil) ensina que essas expressões de universalidade de direito e universalidade de fato, se tem dito, nada significam..

A  universalidade de direito somente se constitui por força de lei. Tal é o caso da herança, do patrimônio que foi do falecido, antes de efetuada a partilha aos respectivos herdeiros

Note-se a diferença entre a constituição dos dois institutos, sendo que, um é constituído por “pluralidade de bens singulares, pertinentes à mesma pessoa”, enquanto que o segundo é constituído por “complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”.

A primeira distinção que se faz, na Universalidade de fato, é que essa pluralidade de bens singulares, incluem bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, homogêneos,  com valor econômico ou não. Já, na Universalidade de Direito, o bem pode ser móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo, heterogêneos, mas, necessariamente deverão ser dotados de valor econômicos.

A segunda distinção que se faz é que, na universalidade de fato, a pluralidade de bens singulares, tenha destinação unitária. Logo no início de sua formação, em concreto, que poderá ser por vontade das partes ou jurídica, já tenham uma finalidade, da qual seja o destino unitário. Já na universalidade de direito, a sua formação não é criada pela vontade das partes, mas sim, uma criação em abstrato por lei, dando segurança jurídica, existência, validade e eficácia aos bens atrelados a essa universalidade. Podendo citar os ensinamentos da professora Maria Helena Diniz(Curso de direito civil brasileiro): 

“uma universalidade de direito, (universitas iuris) constituída por bens singulares corpóreos heterogêneos ou incorpóreos, a que a norma jurídica, com o intuito de produzir certos efeitos, dá unidade, como, p. ex., o patrimônio, a massa falida, a herança ou o espólio, e o estabelecimento empresarial.”

Hipóteses de Jacência:

Art. 1.819 – Código Civil: Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.

O artigo supramencionado trata as duas espécies de jacência, aquela sem o testamento e a com o testamento. A primeira subdivide-se em duas situações:

  • Inexistência de herdeiros conhecidos; e
  • Renúncia da herança por parte dos herdeiros conhecidos.

A segunda espécie configura-se quando o herdeiro instituído não existir, ou não aceitar a herança, e o falecido não deixar cônjuge, companheiro ou qualquer das hipóteses dos herdeiros legítimos. Nesse caso a herança também será arrecadada e posta sob a administração de um curador. “Herdeiro notoriamente conhecido são os presentes no lugar em que se abre a sucessão, que podem ser facilmente localizados por serem conhecidos de todos”

Carlos Roberto Gonçalves(Direito Civil brasileiro, volume VII, 2013) cita outras hipóteses para a ocorrência da Herança Jacente, uma delas verifica-se quando se espera o nascimento de um herdeiro. O herdeiro pode, por exemplo, nomear como herdeiro universal o filho já concebido e ainda não nascido de determinada pessoa. Com o falecimento do testador, a herança é arrecadada como jacente, aguardando-se o nascimento com vida do beneficiário. Nesse caso é permitido que seja retirado do acervo, ou da renda, o necessário para a manutenção da mãe do nascituro, se ela não possuir meios próprios de subsistência.


II – SUCESSÃO VACANTE

A sucessão denomina-se vacante quando é repudiada por todos que podiam aceitá-la. De forma sucinta, é a que não tem quem a recolha. O problema é saber qual o destino que deve ser dado à sucessão vacante.

No direito romano, antigo qualquer pessoa podia dela apoderar-se e se tornar proprietária em virtude do usucapião pro herede, o ocupante obrigava-se pelas dívidas e pelos sacra.

No fim da República, o pretor concede aos credores o direito de se apossarem da sucessão vacante e vendê-la.

No Império, as leis caducárias atribuem-na ao aeratium e Caracala a desvia para o Fisco. Antes deste a sucessão vacante foi concedida, desde o Século IV, a certas corporações como as cúrias, as legiões, os colégios dos navicularii e fabricenses, as igrejas e os conventos quando o de cuiús pertencesse a uma delas. Durante quatro anos, a partir do momento em que é certo não haver quem recolha a sucessão, o fisco pode reivindicar os seus bens de quem quer que os possua; corrido esse prazo, o direito dos terceiros consolida-se de forma definitiva.

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O fisco não é obrigado ultra vires pelas dívidas, mas deve pagá-las nos limites do ativo ou vender os bens aos credores, sendo-lhe ilícito recolher o excedente, se houver; se a herança foi vendida a um terceiro, este é o único obrigado perante os credores e somente ele pode acionar os devedores. O fisco respondia, em Roma, pela execução dos legados e dos fideicomissos. Pode, ainda, repudia a herança.

A doutrina traz à colação importante escrito, na matéria, de Marco Aurélio, a fim de evitar a venda dos bens, que tornaria vás as libertações contidas no testamento, permite ao escravo por este liberto, ou um terceiro, solicitar do magistrado a entrega da herança vacante, com a condição de dar caução de pagar aos credores.

O código civil de 2002 considera a herança vacante a partir do momento em que todos os chamados a suceder repudiarem a herança, renunciando a esta. A jacência não se confunde com a vacância, sendo a primeira uma fase do processo que antecede a segunda. Segundo doutrinador supramencionado “Herança Vacante é quando o bem é devolvido à fazenda pública por se ter verificado não haver herdeiros que se habilitassem no período da jacência”.

Está previsto no artigo 1.820:

Art. 1.820 – Código Civil: praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante.

O juiz promove a arrecadação dos bens para preservar o acervo e entregá-lo aos herdeiros que se apresentem ou ao Poder Público, caso a herança seja declarada vacante. Enquanto isso permanecerá sob a guarda de um curador, nomeado livremente pelo juiz. No intuito de impedir o perecimento da riqueza apresentada pelo espólio, o estado ordena sua arrecadação, para o fim de entregarem ao herdeiro que aparecer em boas condições.

Segundo Lacerda de Almeida: a declaração da vacância coloca fim ao estado da jacência da herança e, ao mesmo tempo, devolve-a ao ente público, que a adquire ato contínuo. O estado de jacência é, pois, transitório e limitado por natureza. A situação em que se acha a herança termina com a devolução desta aos herdeiros devidamente habilitados, ou, caso não apareçam e se habilitem com a sentença declaratória da vacância e consequente incorporação dos bens ao patrimônio do poder Público.

Serão  publicados editais com o prazo de seis meses, contados da primeira publicação, reproduzidos três vezes, com o intervalo de trinta dias, para que venham a habilitarem-se os sucessores. Passando um ano da primeira publicação e não havendo herdeiro habilitado nem habilitação pendente, a herança será declarada vacante. A vacância é o estado definitivo da herança que já foi jacente. A procedência da habilitação converte em inventario a arrecadação e exclui a possibilidade de vacância. “Herança vacante é a que não foi disputada, com êxito, por qualquer herdeiro e que, judicialmente, foi proclamada de ninguém”. – Silvio Rodrigues(Direito Civil, Sucessões). 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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