3. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA DE DOUTORAMENTO NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU DA UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ/RJ[6]
O presente artigo é parte da minha tese de doutorado, “Mediação Penal: uma via de Acesso à Justiça Criminal Humanizada”, que pretende fazer uma análise do referido instituto como implementação de um processo democrático que, através do diálogo, da cooperação, da compreensão, da disponibilidade, da autonomia, pode-se chegar a respostas mais satisfatórias e menos desgastantes para o Direito Penal.
A hipótese que orienta a tese de doutorado pauta-se na demonstração que o instituto da Mediação Penal amplia os propósitos do ordenamento jurídico na medida em que instrumentaliza os direitos humanos possibilitando uma “nova” forma de acesso a uma Justiça Criminal Humanizada, bem como democratiza o Poder Judiciário. Para tanto, propomos que os delitos previstos na Lei nº 11.340/2006 venham a ser tratados a partir da investigação dos conflitos familiares. Examinaremos a eficácia e a pertinência da aplicação da Mediação na resolução de tais conflitos como um legítimo instrumento do princípio da dignidade humana. Importante ressaltar que todas as pesquisas, bem como a aplicação da mediação no âmbito da justiça criminal respeitam a legislação brasileira.
3.1 Fundamentação Teórica
O trabalho está sendo construído a partir de pesquisas bibliográficas já realizadas durante a pesquisa de dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPSGD/UFF).
Pautamos a pesquisa, inicialmente, nas bibliografias referentes às quatro Escolas Clássicas de Mediação: (1) Willian Ury e Roger Fisher (Teoria da Escola Linear de Harvard); (2) Folger e Bush (Teoria da Escola Transformativa); (3) Sara Cobb (Teoria Circular Narrativa) e (4) Jorge Pesqueira Leal (Teoria da Escola Associativa).
Contaremos, também como referencial teórico, com: (1). O estudo dos livros da autora, psicóloga e mediadora, Berenice Brandão Andrade, que possui larga experiência profissional, trabalhando há mais de 30 anos com a mediação no Brasil e no exterior. Suas obras tratam, com profundidade, as relações humanas, em especial o tratamento humanizado das relações familiares. Traz, com o olhar da psicologia, uma visão interdisciplinar do conflito. (2). Para compreender a mediação e traze-la para o âmbito dos conflitos criminais familiares, essencial trabalhar com a obra ‘Mediação Familiar’ da autora Lisa Parkinson. (3). Contamos com o aporte dos autores Mauro Capelletti e Bryant Garth possibilitando trabalhar o Acesso à Justiça dentro de uma visão a possibilitar, ao cidadão, um sistema jurídico acessível a todos e que gere resultados justos, céleres e eficazes, bem como o estudo da problemática do acesso à justiça além dos limites dos órgãos jurisdicionais.
A partir dessa análise será possível verificar qual teoria melhor se aplica à Mediação Penal, para que esta seja uma “nova” via de acesso à Justiça Criminal Humanizada no Brasil.
3.2 Resultados Parciais Alcançados
O trabalho empírico desenvolvido até o momento, no Núcleo Preventivo de Mediação Penal, através dos primeiros resultados alcançados, demonstra que o instituto da Mediação, respeitando os rigores da lei, é um método eficaz na solução dos conflitos criminais, em especial, no âmbito da “Lei Maria da Penha”, possibilitando a diminuição da violência e buscando sanar dores. Percebe-se, assim, que o tratamento do conflito criminal familiar, em seus vários aspectos, pode acarretar a redução ou extinção da reincidência no âmbito penal.
Um outro ponto que nos leva a propor que os delitos previstos na Lei nº 11.340/2006 venham a ser tratados a partir da investigação dos conflitos familiares é que as medidas protetivas visam reprimir tão somente o ato delituoso previsto na referida lei, não tratando, assim, o conflito. O que faz com que aumente a angustia, insegurança e medo da vítima, dos filhos (quando estes existem) e dos familiares de ambas as partes.
A prática da Mediação tem demonstrado que pode ser utilizada como instrumento extrapenal para a solução de boa parte dos conflitos criminais familiares previstos na “Lei Maria da Penha”, sem prejuízo do sistema carcerário, que deve ser utilizado para os casos graves ou para aqueles que não possam ser resolvidos sem restrição de liberdade.
3.3 Metodologia
A metodologia a ser utilizada caracteriza-se pelo pluralismo com vistas a garantir a objetividade necessária ao tratamento das relações sociais no contexto da Mediação Penal como acesso à Justiça Criminal Humanizada. A pesquisa em andamento está sendo desenvolvida através de pesquisa bibliográfica, pesquisa de estudo de casos e pesquisa de campo. A abordagem se dá de forma quanti-qualitativa, pois, embora sejam colhidos dados numéricos, o instituto da Mediação privilegia a análise qualitativa de resolução de conflitos. Conduziremos a pesquisa pela indução para obtenção de generalizações, a partir de fatos considerados isoladamente; a dedução, sobretudo, para a explicação de fatos particulares ou para a fixação de perspectivas; e o método analógico para estudos comparativos. Destarte, como supramencionado e respeitando os rigores da lei penal brasileira, tem-se o desenvolvimento de uma proposta teórico-prática no âmbito da mediação penal como forma alternativa de resolução de alguns dos conflitos previstos na Lei 11.340/2006.
Iniciamos a pesquisa com a leitura, estudo e análise das referências bibliográficas. A pesquisa de campo, bem como o estudo de casos realizar-se-á em laboratório experimental: Núcleo Preventivo de Mediação Penal do Escritório Faria Felipe Sociedade Individual de Advocacia, em Nova Lima/MG.
Durante os atendimentos de mediação no referido Núcleo, serão realizadas entrevistas através da aplicação de questionários para obtenção de dados objetivos e subjetivos. A partir de então, serão verificados o número de casos solucionados pelo Núcleo Preventivo de Mediação Penal.
A pesquisa empírica da presente tese, respeitando os rigores da lei penal brasileira, tentará criar um arcabouço científico para legitimar a aplicação da Mediação Penal em alguns dos delitos que envolvem a “Lei Maria da Penha” sustentando-a como meio alternativo de solução de conflitos criminais familiares e inserindo-a no Ordenamento Jurídico Brasileiro como uma “nova” via de acesso à Justiça Criminal Humanizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito se discute acerca da complexidade dos delitos, da sua extensão sobre aspectos da dinâmica social e do número de pessoas que por eles são atingidas. Necessário, portanto, que se amplie o acesso à justiça, utilizando-se de técnica mais humanizada que busque uma solução individualizada para atender aos fins do Direito Penal, quais sejam: a prevenção do delito, a (re) inserção social, a diminuição da reincidência, que tem como consequência lógica a redução da criminalidade, bem como do número dos processos criminais.
As experiências de Mediação Penal existentes no Canadá, Austrália, Japão, África do Sul, Itália, Espanha, Portugal, Argentina e Nova Zelândia (este considerado país pioneiro na implementação de práticas restaurativas), bem como no Brasil, demonstram que é possível restaurar no lugar de punir.
Contudo, ainda hoje, no Brasil, o operador do Direito e a sociedade em geral veem o crime como uma transgressão à lei (e o é!) buscando apenas a punição do infrator. Esta é uma visão que não condiz com a nossa realidade social, tanto assim que, se o rigor na punição legislativa sanasse as questões relacionadas ao delito, não mais teríamos o aumento dos índices de violência causando insegurança à população. É necessário ampliar o olhar para as questões relativas à política criminal.
A pesquisa de doutoramento em curso se justifica por buscar, através de dados empíricos, a ampliação de métodos de resolução de conflitos mais democráticos e participativos e a real pacificação do conflito criminal familiar por meio de um mecanismo de diálogo (discurso racional), compreensão e ampliação da cognição das partes sobre os fatos que as levaram àquela disputa.
Nas palavras de Berenice Brandão Andrade[7],
Penso que a mediação precisa ocupar seu lugar na sociedade para que, no desempenho de seu legítimo papel, possa ajudar na construção da harmonia na vida dos seres, dos lares, das nações. (...). Quem trabalha com humanidade pensa primeiro no bem-estar geral, pensa em apagar o incêndio provocado pela dor, pela revolta, pelo abandono, pela ignorância. Entendemos que o mediador tem como característica de base a compaixão, a flexibilidade, o amor.
Resultados parciais, nos dá embasamento para a presente pesquisa, que busca analisar as dimensões jurídico-sociais de um processo democrático de acesso a uma Justiça mais humanizada em que os envolvidos no conflito alcançam, de forma mais célere, a solução do mesmo e o faz de forma ampla e integral.
REFERÊNCIAS
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ANDRADE, Berenice Neide Brandão. Tocando nas Estrelas. Belo Horizonte: PHD Gráfica e Editora, 2004.
___________. Uma Lembrança que Renasce. Ívia Corneli. 3 ed. Belo Horizonte: Edição do autor, 2016.
BUSH, Robert A. Baruch. FOGER, Joseph P. La Promessa de Mediación. Buenos Aires: Granica, 2008.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
LEAL, Jorge Pesqueira. AUB, Amalia Ortiz. Mediación Asociativa Y Cambio Social. Hemossilio: Universidad de sonora, 2010.
MPMG Jurídico - Revista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Edição Especial Mediação/2012.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DO BRASIL. Acesso à justiça por sistemas alternativos de administração de conflitos. Mapeamento nacional de programas públicos e não governamentais. Brasília, DF: 2005.
MOORE, Christopher. El proceso de mediación: métodos prácticos para La resolución de conflictos. Buenos Aires: Granica, 2010.
MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: alternativas à jurisdição!. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
MUSZAKAT, Malvina Ester. Mediação de Conflitos: pacificando e prevenindo a violência. São Paulo: Summus, 2003.
PARKINSON, Lisa. Mediação Familiar. Tradução: Erica de Paulo Salgado. Belo Horizonte: Del Rey, 2016.
RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A Prática da Mediação e o Acesso à Justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
SIX, Jean François. Dinâmica da Mediação. Tradução: Giselle Groeninga de Almeida, Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
Notas
[1] Resolução 1999/26 (de 26/07/1999), Resolução 2000/14 (de 27/07/2000) e a Resolução 2002/12 (24/07/2002).
[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm.
[3] ANDRADE, Berenice Neide Brandão. MPMG Jurídico - Revista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, p.10. Edição Especial Mediação/2012.
[4] Portal do Ministério da Justiça. Disponível em: http://www.portal.mj.gov.br.
[5] Disponível em: http://www.pnud.org.br.
[6] Linha de Pesquisa 'Acesso à Justiça e Efetividade do Processo'. Início em março/2015.
[7] ANDRADE, Berenice Neide Brandão. MPMG Jurídico - Revista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Edição Especial Mediação/2012, p.10.