Sucessão ab intestato no Direito Romano

24/05/2017 às 18:59
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Conheça um pouco mais sobre o instituto da Sucessão no Direito Romano e perceba algumas semelhanças com o sistema atual.

A Sucessão Testamentária foi a mais antiga forma de sucessão conhecida no Direito Romano. Mesmo antes da Lei das XII Tábuas, todo o cidadão romano tinha, praticamente, o dever de fazer um testamento, pois era considerado desonroso uma pessoa morrer sem ter indicado a destinação de seu patrimônio após sua morte.

O dever de instituir os descendentes que faziam jus aos direitos sucessórios e de deserdar os filhos pródigos e indignos decorria de uma regra costumeira muito antiga. A partir de uma época mais recente foi sancionada pela afeição que devia vincular o testador e seus parentes, fossem estes de que natureza fossem. 

Já no fim da República, germinou a ideia de que uma parte do patrimônio deve ser reservada a certas pessoas a quem vínculos de sangue prendiam o testador. Data desse tempo a gestação do instituto da legítima. 

A querela, pressupondo uma acusação de loucura ao testador, e, sendo, portanto, injuriosa para a memória deste, considerava-se um meio extraordinário e subsidiário que apenas podia ser usado na ausência de outros meios. 

A querela inofficiosi testamenti extinguia-se de vários modos; por uma prescrição especial de cinco anos, a contar da adição, para Ulpiano, e da morte do testador, para Modestino, sendo provável uma prescrição anterior de dois anos(desde 258 corre contra os menores apenas após terrem completado 25 anos); pela morte do herdeiro legitimo, salvo se, antes de Justiniano, o processo já fosse preparado, exigência que, depois deste Imperador desaparece para os descendentes; pela renúncia, presumida de modo absoluto quando há aprovação do testamento. O pater familiae tinha amplo poder de decidir para quem pretendia deixar seus bens e podia, inclusive, transferi-los para pessoas estranhas, fora de seu âmbito familiar. Podia, mesmo, deserdar seus filhos (exheredatio) se assim o desejasse, sem ter que dar satisfações a ninguém.

Não era possível com uma simples omissão, o paterfamilias deserdar os heredes sui. Era-lhe facultado dispor sobre eles ou instituir herdeiros estranhos, mas, neste último caso, deve formalmente afastar os herdeiros seus na sucessão por força de regra sui heredes aut instituendi sunt aut exheredandi. 

Justiniano empenhou-se em simplificar o sistema sucessório romano, que as discrepâncias entre o direito civil e o direito pretoriano haviam tornado complexo. Decidiu Justiniano que o testador devia instituir ou deserdar nominalmente todos os descendentes legitimos, salvo os descendentes das mulheres, mas quer sejam filhas, quer filhos, estejam sob o seu poder ou não, e até aos póstumos, desde que passíveis de sucessão.

A exheredatio pode ser feita em qualquer lugar do testamento. Aboliu Justiniano  o ius adcrescendi e, como sanção da omissão dos herdeiros seus, aponta a nulidade do testamento. Por sua vez, o emancipado e o seu filho por ele dado em adoção ao seu pai, como se figurase em familia distinta, tem apenas o direito de pedir a bonorum possessio contra tabulas, diferente do herdeiro seu. Subsistia a distinção entre herdeiros necessários civis e pretorianos, fundada nos vinculos de agnação, que se consideravam debililtados. 

A Novela 115, de 542, aboliu o sistema do exheredatio e estabeleceu que a omissão ou a deserdação dos descendentes somente se admitia dentro dos casos enumerados pela lei, que se inspiravam na ideia da ingratidão. 

Justiniano fixou, na Novela 115, 14 causas legítimas de deserdação para os descendentes e oito para os ascendentes, devendo o testador apontar uma delas. 

Em 361, os imperadores Constâncio e Juliano introduziram a actio ad supplendam legitimam com a qual o interessado podia conseguir a integração da parte legítima se o testador instituísse o arbitratus boni viri. O campo da ação da querela era consideravelmente reduzido. 

Justiniano, em 528, considerou subentendida a cláusula do arbitratus e dispunha que a querela inofficiosi testamenti podia ser intentada apenas se o herdeiro legítimo não era absolutamente contemplado; se, porém, ele se beneficiava, de qualquer modo, com uma quota inferior à legítima, recorria-se ao arbitratus boni viri. 

Assim quando sucedia a omissão ou a deserdação total, ascendentes e descendentes poderiam intentar a querela contra qualquer herdeiro instituído, mas irmão e irmã somente poderiam fazer conra uma turpis persona. Para Justiniano o prazo para o exercício da querela começava a correr, não da morte do testador, mas da adição da herança, que se devia  dar nos seis meses ou no ano da morte, conforme o instituído habitasse a mesma província que o herdeiro legítimo ou não. A querela transmitia-se aos descendentes se o herdeiro legítimo falece enquanto o herdeiro delibera.  

Existiam dois tipos de sucessões:

Quando uma pessoa falecia, em Roma, seu patrimônio ou herança era transmitido aos herdeiros mediante dois processos diferentes: por lei ou por vontade do falecido. No primeiro caso, temos a sucessão denominada legítima e no segundo, a sucessão denominada testamentária.A sucessão legítima é também denominada ab intestato, sem testamento (ab intestato defuncto), ou seja, o de cujus não deixou uma declaração final da vontade, legando seus bens.No Direito Romano, a posse instituída por testamento (heres scriptus) tem o nome de herdeiro (heres), exatamente como os herdeiros por lei (heredes ligitimi).Dois princípios regem o direito sucessório romano. Em primeiro lugar, a superioridade do testamento sobre a sucessão ab intestato; em segundo, incompatibilidade de princípio entre a sucessão testa monetária e a ab intestato, vigorando a regra: ninguém pode morrer, testando uma parte e deixando outra parte sem ser testada (nemo partim testatus, partim intestatus decedere potest). Em outras palavras: a instituição do herdeiro deve ser universal, não sendo permitido chamar um herdeiro a uma parte da sucessão e deixar o resto aos herdeiros ab intestato.Os heredes do primeiro grau são os sui, ou seja, pessoas livres submetidas à potestas do pater e que passam a sui juris por ocasião de sua morte: filii, filiae, mulher in manu, netos e netas, nascidos do filho, morto ou emancipado.No Direito Romano, quando o paterfamilias não fazia  comentários sobre a situação de seus herdeiros, essa herança não seria  válida. Mesmo que os herdeiros fossem excluídos da sucessão, estes deveriam  ser sempre mencionados no testamento. Isso se explica pelo fato da copropriedade familiar, isto é, o pai e os heredes sui são coproprietários de todos os bens da família, e para que os herdeiros seus não concorram sobre os bens, o pater deve estabelecer uma desapropriação contra eles.

A sucessão ab intestato no direito romano é a que se abre na falta de testamento válido e eficaz.

No direito romano, desde a Lei das XII Tábuas, conhecia-se o princípio que vedava o concurso de herdeiros testamentários e herdeiros ab intestato.

A Lei das XII Tábuas estabelecia três ordens de sucessores dos quais estavam excluídos os plebeus: os sui, os agnati proximi e os gentiles.

Eram herdeiros de primeiro grau os chamados de heredes sui, todas as pessoas livres que se encontravam sob o poder do de cuius e que, com a sua morte, se tornavam sob o poder do de cuiús : os filhos e as filhas ainda que adotados, mas que não saiam da família(os emancipados e as filhas casadas com manus não herdavam, segundo o direito civil romano), a mulher in manu, os netos e as netas filhos de filho pré-morto ou emancipado. A mulher não podia ter herdeiros seus, pois lhe faltava a potestas sobre pessoas livres, aplicando-se essa ordem exclusivamente com relação a sucessão do homem.

Os heredes sui eram considerados coproprietários do patrimônio familiar. Os sui eram herdeiros necessários, pois adquiriam a herança ipso fato da morte do de cuius. Tal aquisição não dependia de ato de vontade, pois era forçada e imediata.

Na falta de heredes sui, recolhiam os bens do defunto os agnados mais próximos, os irmãos e irmãs consanguíneos do morto. A jurisprudência romana, inspirando-se na ideia que determinou o aparecimento da Lex Vaconia, proibiu a chamada das agnadas além do segundo grau(irmãs germanas e consanguíneas).

No mesmo grau os agnati proximi herdam por cabeça.

A vocação dos aganati proximi fundava-se na circunstância da copropriedade.

Por sua vez, na falta dos herede sui ou dos agnati proximi, a Lei das XII Tábuas chamava à sucessão os gentiles, ou sejam, os membros das gens, a qual pertencia o de cuius.

O édito do pretor, buscando corrigir injustiças, trouxe o sistema sucessório da  bonorum possessio sine tabulis.

A ordem era a que segue.

Em primeiro lugar, os liberi. Eram todos os descendentes que encontravam-se ou não sob a potestas do de cuius, contanto que no momento da morte não participassem de outra família.

A sucessão dava-se per stirpes e não por cabeça.

Em segundo lugar, falava-se nos legitimi. Na falta dos liberi, o pretor concedia a bonorum possessio unde legitimi a todos os herdeiros legítimos, os herdeiros do direito civil.

Em terceiro lugar, vinham os chamados cognati. Se faltavam os herdeiros civis, são chamados todos os cognados até o sexto grau ou até o sétimo.

Finalmente era chamado o cônjuge sobrevivente na falta dos parentes.

O pretor fixava, para cada classe, um prazo de 100 dias, dentro do qual podia ser pedida a bonorum possessio.

O pretor admitia ainda a devolução de grau a grau na classe dos cognados.

No império a legislação e a jurisprudência fizeram reformas na linha sucessória. Essas reformas tangiam, sobretudo, os direitos de sucessão de mãe e filho. O senatus- consulto Tertuliano, concedeu à mãe um direito de sucessão ab intestato de seus filhos, ainda que não oriundos de união legítima, como os nascidos fora do casamento, contanto que tivessem três filhos, se ingênua, e quatro filhos, se liberta.

Justiniano suprimiu as restrições existentes nas constituições de Valentiniano, Teodósio e Arcádio, acerca dos direitos de sucessão do filho, e nas de Anastácio a diferença de cota relativa aos direitos dos irmãos e irmãs emancipados.

Concedeu Justiniano o direito de concorrer com os irmãos e irmãs agnados, na sucessão do irmão, aos irmãos e irmãs oriundos de pais diferentes, alargando esse direito aos filhos de primeiro grau de um irmão emancipado ou uterino, de uma irmã consanguínea ou uterina. Aos filhos adotivos, submetidos à adoptio minus plena, conferiu o direito de acorrer à sucessão do pai natural em concurso com os sui e os emancipados.

Aboliu Justiniano, para a mãe, a exigência de três ou quatro filhos, que cerceava os direitos oriundos do senatus-consulto Tertulilano e suprimiu a restrição feita vocancione ratione ao direito sucessório da mulher.

Justiniano, na Novela 118, distinguia quatro classes de herdeiros: em cada uma delas, se o mais próximo em grau não pode ou não quer recolher a herança, há devolução de grau a grau; na falta de herdeiros numa classe, admite-se em geral a devolução à classe subsequente.

Assim eram chamados, primeiramente, os descendentes de ambos os sexos, em linha paterna, estejam ou não sob a patria potestas. Se os descendentes eram do mesmo grau, sucediam por cabeça; se, de graus diversos, por estirpe. O descendente em grau ulterior era convocado apenas se o descendente, que o excluía, morria.

Enquanto existiam descendentes, os ascendentes não eram chamados, ainda que o de cujus estivesse sob a patria potestas, caso, porém, em que o paterfamilias tinha o usufruto dos bens.

Se havia apenas ascendentes, a sucessão era atribuída ao grau mais próximo, sem distinção de linhas a mãe. Se havia vários ascendentes no mesmo grau, a divisão fazia-se por linha(masculina e feminina) e, dentro de cada uma, por cabeça.

Faltando os ascendentes e descendentes, eram chamados os irmãos e irmãs consanguíneos e uterinos, por cabeça, e seus descendentes em primeiro lugar per stirpes(colaterais privilegiados).

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Acorriam à herança, se os herdeiros das categorias anteriores não o faziam, os colaterais do lado paterno e do materno, segundo o grau de parentesco por cabeça, de modo que o mais próximo excluía o mais remoto.  

O cônjuge supérstite não era contemplado na Novela 118. Mas, Justiniano admitia, na Novela 53, que o cônjuge pobre, aquele que não tivera dote ou doação proter nuptias, tinha direito, em principio, a um quarto da sucessão, se, porém, concorria com mais de três filhos seus, tinha ela direito a uma parte do usufruto e, se com filhos de outro leito, a cota lhe cabia a título de propriedade.

Ainda Justiniano modificou o sistema de sucessão do liberto.

Um dos herdeiros pode ter recebido do falecido, ainda em vida, certa porção de bens. Dessa forma , não era considerado justo que o patrimônio existente por ocasião da morte seja distribuído em partes iguais entre todos os herdeiros porque, assim, aquele que já recebeu determinada porção ficará em situação de vantagem perante os demais.

Por isso, no momento da partilha , os bens porventura já adiantados a um ou a alguns dos herdeiros devem ser relacionados como fazendo parte do monte para , então , passar-se à divisão eqüitativa.

Os bens assim relacionados configuram o instituto da colação, em latim collatio . Esta tinha a finalidade, por conseguinte, de estabelecer um critério de justiça na divisão , descontando-se da parte cabente a cada herdeiro o valor já anteriormente já recebido. Em Roma, existiam  três espécies de colação , a collatio bonorum liberi emancipati , a collatio dostis e a collatio descendentium.

A collatio bonorum liberi emancipati ( colação de bens do filho emancipado ) destina-se a trazer em conferencia ( collatio ) o patrimônio conseguido pelo emancipado por meio de seu trabalho próprio.

Visto que todos os alieni juris pertencem à mesma domus e todos os bens da família são tidos como em copropriedade , impossível se tornava  a alguém melhorar sua condição individual. Entendia-se , portanto, que seria injustiça não trazer o emancipado à colação os bens que teve oportunidade de adquirir mediante a emancipação, além de ainda ser contemplado com uma parte da herança. Consequentemente , seu patrimônio próprio é relacionado para, do valor atribuível a cada herdeiro , ser descontado aquele correspondente aos bens trazidos à colação.

A collatio dotis ( colação de dote ) dizia  respeito à filha que recebeu do pater ainda em vida determinado dote que , será conferido e descontado da importância que lhe for atribuída pela partilha.

A collatio descendentium ( colação de descendentes ) é da época de Justiniano. Por ela era  conferido o valor adiantado pelo pai quando vivo a um ou alguns descendentes, possibilitando-se , portanto, a justa distribuição entre todos os herdeiros do valor da herança.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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