Os modos de aquisição da propriedade no Direito Romano e os meios de defesa

26/05/2017 às 14:28
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O ARTIGO APRESENTA ALGUMAS CONCLUSÕES DA DOUTRINA SOBRE A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE EM ROMA.

i - MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE 

Havia, em Roma, a propriedade quiritária e a propriedade pretoriana ou bonitária.

A propriedade quiritária  era aquela que já existia nos primeiros séculos de Roma. Era regulada pelas normas rígidas e formais do jus civile ou direito quiritário.

Uma de suas características principais, reconhecida pelos romanos é que  o titular de uma propriedade quiritária devia ser obrigatoriamente um cidadão romano, ou seja, gozar do status civitatis.

Para a propriedade quiritária  é importante que tenha sido adquirida, pelo seu titular, por meio reconhecido pelo ius civile. Tais meios eram: 1) os modos de aquisição originários; 2) o usucapião (...)

Por sua vez, a propriedade bonitária surgiu no período da República, em Roma, com o intuito de amenizar as rígidas condições da propriedade quiritária.

Surgiu quando o pretor passou a proteger a pessoa que, comprando uma res mancipi, a recebia do vendedor por meio da simples traditi.

II - MODOS ORIGINÁRIOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

Os modos originários de aquisição da propriedade eram: a ocupação(apoderamento de uma coisa sem dono), a acessão(onde o acessório segue o principal), a especificação(a transformação de uma matéria prima alheia em uma coisa com nova individualidade), a confusão(a mistura de coisas liquidas), a comistão(mistura de coisas secas e sólidas) e a aquisição de frutos(o proprietário da coisa frugivera adquire a propriedade dos frutos por acessão, o enfiteuta e o locatário do ager victigalis se tornam proprietários dos frutos pela simples separação; ao passo que os locatários ordinários e os usufrutuários só os adquirem pela percepção, isto é, pelo apossamento, anotando-se que o possuidor de boa-fé, no direito antigo, adquiria  os frutos por usucapião e no direito clássico lege, como o proprietário, pela separação). Todos eram institutos do ius gentium. 

Juntamente  com a ocupação, a especificação, a confusão, a comistão e a aquisição de frutos,   a acessão é modo de aquisição da propriedade.

Difere a acessão da ocupação, pois esta consiste no apoderamento   de uma coisa sem dono com a vontade de se tornar seu proprietário. É o modo típico do direito natural.

São res nullius e passíveis de ocupação, os animais selvagens, cuja apreensão constitui a caça e a pesca.

Os juristas clássicos, como advertiu Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 5ª edição,, pág. 242), discutiam sobre quando se verificava a ocupação do animal selvagem, entendendo alguns que bastasse a perseguição do animal ferido pelo caçador e outros que era necessária a captura. Foi a tese encontrada por Justiniano.

Também eram ocupáveis as res hostiles, isto é, as coisas do inimigo que no começo das hostilidades se achassem em poder de cidadãos romanos. A presa de guerra, no direito romano, pertencia ao Estado.  

No direito romano, objeto de ocupação poderia ser uma ilha nascida no mar e as coisas lançadas às suas margens.

Com respeito às coisas abandonadas, isto é, aquelas às quais o proprietário havia renunciado, eram passíveis de ocupação, segundo Justiniano, mas, no direito clássico esse ponto era controverso.

Quando se trata de coisas que não podem escapar ao ocupante, isto é, de coisas inanimadas, o seu simples descobrimento, chamado inventio, engendra a propriedade.

Era a solução dada, em princípio ao problema do tesouro.

 Especificação: ocorre quando alguém manipulando matéria prima de outrem (ex: pedra, madeira, couro, barro, ferro) obtém espécie nova (ex:escultura, carranca, sapato, boneco, ferramenta). Esta coisa nova pertencerá ao especificador/artífice que pelo seu trabalho/criatividade transformou a matéria prima de outrem em espécie nova. Mas o especificador/artífice terá que indenizar o dono da matéria prima. Se a matéria prima é do especificador não há problema. A lei faz prevalecer a inteligência/criatividade/o trabalho intelectual/manual sobre a matéria prima (§ 2º do artigo  1270 do Código Civil ).

Confusão, comistão e adjunção: são três modos diferentes e casos  de aquisição da propriedade, tratados pelo CC numa seção única. Tratam-se da mistura de coisas de proprietários diferentes e que depois não podem ser separadas. A confusão é a mistura de coisas líquidas (ex: vinho com refrigerante, álcool com água - obs: não confundir com a confusão de direitos do 381 pois aqui a confusão é de coisas).

A comistão é a mistura de coisas sólidas (ex: sal com açúcar; sal com areia). E a adjunção é a união de coisas, não seria a mistura, mas a união, a justaposição de coisas que não podem ser separadas sem estragar (ex: selo colado num álbum, peça soldada num motor, diamante incrustado num anel). As coisas sob confusão,comistão ou adjunção, obedecem a três regras: a) as coisas vão pertencer aos respectivos donos se puderem ser separadas sem danificação (1272,caput, Código Civil); b) se a separação for impossível ou muito onerosa surgirá um condomínio forçado entre os donos das coisas (§ 1o do 1272, Código Civil); c) se uma das coisas puder ser considerada principal (ex: sal com areia mas que ainda serve para alimento do gado; diamante em relação ao anel), o dono desta será dono do todo e indenizará os demais (§ 2o do 1272, Código Civil).

No direito romano, o principio que rege o seu tratamento jurídico é accessio cedit principali, o acessório segue o principal.

Em virtude dessa regra, opera-se uma aquisição de propriedade para o dono da coisa principal. É o que se chama de acessão.

Ela ocorre quando uma coisa acessória adere a uma principal, perdendo sua individualidade e tornando-se uma parte constitutiva desta. Os textos romanos não consideram a acessão modo de aquisição de propriedade nova, mas simples extensão ou alargamento da propriedade pré-existente.

A acessão dá-se apenas quando é possível determinar a principialidade e a conjunção for definitiva. Ela desdobra-se em três espécies: acessão de coisa móvel a coisa móvel, acessão de coisa móvel a coisa imóvel e acessão de imóvel a imóvel.

A acessão de coisa móvel a coisa móvel verifica-se com a ferruminatio, a textura, a tinctura, a scriptura e a pictura.

A ferruminatio era a fusão de dois metais iguais sem qualquer processo intermediário. Diferia da plumbatura que era a união de dois objetos metálicos ou não, iguais ou não, por sondagem, de modo que eles continuavam distintos. Pelo que foi dito os autores entendiam que apenas a ferruminatio configurava a acessão, cabendo, na plumbatura, agere ad exhibendum.

A textura sucedia quando num tecido eram introduzidos fios alheios. No direito de Justiniano admitia-se que o dono do tecido adquirisse o domínio dos fios. Ao contrário, Gaio não a enumerava entre os modos de aquisição  da propriedade.

A tinctura acarretava a aquisição, para o proprietário do tecido, da propriedade do corante que o tingiu.

Na scriptura os caracteres acedem sempre ao pergaminho ou papiro. Quanto à pictura, entendia-se a principio que a ela acedesse à pintura, mas Gaio, ao referir essa doutrina, obtemperava ignorar qual a razão de distinção de tratamento entre a scriptura e a pictura, que nós  podemos imaginar seja a independência dos caracteres, que podem ser reproduzidos separadamente do pergaminho ou papiro no primeiro caso e a dependência da pintura em relação à tela no segundo caso. Para Justiniano seria ridículo considerar-se como coisa principal a tela em relação à pintura.

A acessão de coisa móvel a imóvel compreendia a satio, a implantatio e a inaedificatio. O principio era: superfícies solo cedit, o que está sobre o solo adere ao solo. As sementes aderem ao solo alheio. A plantação ao solo alheio em que deitou raízes e de que recebeu alimento, não retornando ao proprietário antigo, ainda que removida; a construção em solo alheio pertencia igualmente  ao dono do solo. Em todos esses casos tinha o possuidor de boa-fé do solo alheio, em que promovera a acessão, direito de retenção para se fazer indenizar pelas despesas feitas com as coisas acessórias.

Os casos de acessão de coisa imóvel a coisa imóvel eram a avulsio, a alluvio, a insula in flumine nata e o álveus derelictus. Determinava-se a erosão fluvial, mas apenas quando o rio servia de limite natural entre agri arcificiniii e não nos agri limitati, cujas lindes eram fixas e inamovíveis.

A avulsio se dava quando a parte de um terreno se desprendia para unir-se a outro terreno, formando um todo, de modo que as árvores que carregava fixassem neste as suas raízes.

A allluvio era o incremento lento e imperceptível da terra de um imóvel a outro.

A insula in flumine nata é a ilha nascida no rio, e o alveus derelictus ou seja o álveo abandonado, dividem-se pela linha medida do rio entre as propriedades ribeirinhas e, se houver mais de duas também pela perpendicular que parte de seus limites até atingir a linha media. Se depois o rio abandonasse o seu novo leito, esse, no direito clássico, não retornava ao antigo proprietário do terreno ocupado, mas pertencia aos proprietários ribeirinhos, ao passo que no direito justiniâneo, por equidade, prevalecia a solução oposta.

No direito de Justiniano o proprietário da coisa acessória tem, em regra, direito á indenização.

III - MODOS DERIVADOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

Os modos derivados de aquisição da propriedade no direito romano eram: a mancipatio, a in iure cessio, a traditio, a usucapião e as prescrições e a adiudicatio.

A mancipatio era um ato per aes et libram necessário à alienação da res mancipi. Dela participaram o libripens, que segura a balança e a barra de bronze, cinco testemunhas, cidadãos romanos púberes e as duas partes que tinham presente a coisa, pelo menos quando móvel. O adquirente era o mancipio accipiens.

Era licito supor que, a princípio, a mancipatio fosse uma venda real realizada sempre á vista: a barra de bronze era o instrumento de roca e sua pesagem era real. Mais tarde, com o aparecimento da moeda oficial, a pesagem era meramente simbólica e a mancipatio tornava-se uma imaginaria venditio, processando-se com as mesmas solenidades, mas apenas formalmente, pois que suscetível das mais variadas aplicações.

O domínio da mancipação alargou-se aplicando-se, no século II, às res nec mancipi, como as coisas preciosas e imóveis provinciais. Dispensando-se a presença do imóvel, era acessível ao não possuidor.

No Baixo Império, a mancipatio perdeu as suas principais solenidades e tornou-se um ato escrito. Uma constituição de 394 exigiu que a tradição se lhe seguisse sempre e, finalmente, Justiniano a aboliu, quando perdera a razão de ser, em virtude do desaparecimento da res mancipi.

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A mancipatio, como resumiu Renato Avelino de Oliveira Neto (Mancipatio)  é um dos modos de aquisição derivada da propriedade; é um negócio jurídico do ius civile formal e bilateral. É ato mediante o qual alguém transfere a outrem a propriedade ou poder semelhante a propriedade sobre determinadas coisas. Serve para adquirir direitos dominicais sobre pessoas ou coisas 

O seu ritual clama a presença de no mínimo cinco testemunhas convocadas para o ato e o libripens intervêm como portador da balança. Na presença do alienante (mancipio dans) e das pessoas já mencionadas, o adquirente (mancipio accipiens) coloca a mão sobre a coisa ou pessoa a adquirir ("daí mancipatio, mais antigo: mancipium de manus e capere")e recita a fórmula : hunc ego hominem ex iure Quiritium meum esse aio isque mihi emptus esto hoc aere aeneaque libra.   Ao mesmo tempo que pronuncia a fórmula, o adquirente pesa o cobre na balança, que representa certa quantia em dinheiro, e o libripens bate com o metal (raudusculum) na balança para se certificar da qualidade do mesmo e entrega o cobre já pesado ao alienante. Tudo se passa sob a inspeção do portador da balança.  

Era  uma compra em dinheiro, em que a propriedade se adquiria por troca, contra um preço pago em simultâneo. Isto nos remete a tempos em que o dinheiro em Roma ainda não era em moeda cunhada, e sim barras de cobre não amoedado, cujo valor dependia do peso. Por isso, a mancipatio do direito antigo apresenta-se como uma permuta, uma venda real realizada sempre à vista, pois as barras metálicas eram os instrumentos de troca e sua pesagem era real.

Na época arcaica e durante toda a época clássica do direito romano, a mancipatio, cujo objetivo era dar publicidade ao ato de transferência de propriedade perante cinco testemunhas, foi muito utilizada. As últimas referências legislativas datam dos anos 355 e 395. 

Só podem ser objeto de mancipatio res mancipi , que são os prédios itálicos, os escravos, gado grosso (bois, cavalos e burros e servidões rústicas que tenham finalidade agrícola)  v.g., servidão de passagem e águas. Todas as outras coisas são res nec mancipi, cuja propriedade é transferida mediante traditio. 

Este fato de dar preferência a estes tipos de coisas (res mancipi), explica-se, pois na época rural eram eles os bens mais valiosos. 

 Ela começa a perder a importância já no final da Época Clássica, como explicou Bonfarte(Corso di diritto romano , II, 1928) quando a transmissão não formal de res mancipi produz a propriedade bonitária. No período justinianeu, o imperador através das interpolações acaba com a distinção entre res mancipi e nec mancipi, desaparecendo assim a mancipatio, que foi substituída:    "E se ainda há vestígios nos séc VI e VII e nas épocas lombardas e franca, estamos perante puras fórmulas notariais que revelam, todavia, a força que sua tradição obteve nos espíritos" 

A in iure cessio era um modo solene e do ius civile de transferir a propriedade quiritária, comum às res mancipi e às res nec mancipi. Realizava-se perante o magistrado(pretor urbano ou peregrino ou o governador da província), presentes o adquirente e o alienante. O adquirente, segurando a coisa, simulava reivindica-la; o magistrado perguntava ao alienante se ele não contestava e diante da sua resposta negativa ou do silêncio, adjudicava a coisa ao adquirente.

Tratava-se de um processo fictício que se fundava no princípio antigo de que nas ações reais não havia obrigação de contestar a lide, sendo licito deixar indefesa a coisa. Era considerado um ato de jurisdição graciosa, de modo que o magistrado poderia adjudicar a propriedade fora do tribunal, inclusive, num dia nefasto.

A in iure cessio não era, na época clássica, muito empregada para a res mancipi, em face da dificuldade de comparecimento perante o magistrado.

Volta-se à traditio.

A tradição era um modo de aquisição não formalista e do ius gentium. Consistia na entrega de uma coisa com o fim de transferir o seu dominio. Era necessário que ela fosse determinada por um ato jurídico cujo efeito constituísse justamente essa transferência.

A traditio consistia, a principio, no ato material de entrega duma coisa nec mancipi e portanto na sua tomada de posse com a intenção  de transferí-la e respectivamente de Ihe adquirir a propriedade, em virtude duma causa hábil a transferir o dominio {iusta causa traditionis).

A tradição(traditio) repousa na posse. Diferentemente da mancipação, exige que o alienante seja possuidor, mas dispensa a presença das partes, podendo ser praticada por um terceiro.

São elementos da traditio: a cessão da posse, cessio possessionis, ou elemento objetivo, e a justa causa, iusta causa traditionis, ou elemento juridico ou subjetivo.

A princípio, a cessio possessionis tinha de ser material(corporalis); o tradens devia entregar a coisa movel nas mãos do accipiens ou percorrendo com ele o imovel. A jurisprudência clássica abandonou esse conceito por outro em que, ao contrário, prevalecia o elemento espiritual sobre o material.

Quanto à tomada de posse, o elemento material da entrega tende a atenuar-se e a desaparecer, gerando a chamada traditio ficta. Os intérpretes distinguem varias espécies de traditio ficta: 1) A traditio simbólica, quando se entrega apenas um símbolo do que se quer transferir: as chaves do depósito (traditio clavium), o instrumento da propriedade (traditio instrumentorum). Ou também quando se praticam atos reveladores da vontade de tomar posse da coisa: mandar vigiar as mercadorias (adpositiocustodis); assinalar a madeira ou a coisa que se quer adquirir (signare trabes); 2) a traditio tacita, que se verifica em seguida ao contrato de sociedade pela qual as coisas conferidas pelo socio se tornam comims, sem necessidade da efetiva entrega aos .outros sócios; 3) a traditio longa manu, consistente em mostrar a coisa ao adquirente, nela se  permanece, adquire-se  a propriedade sem necessidade da entrega material da casa; 4) o constitutum possessorium indicado pela definição o quod meo nomine possideo, possum alieno nomine possidere.. No direito justinianeu, em alguns casos se chega a admitir a traditio apenas por consentimento das partes, de forma que nas legislações derivadas do Código de Napoleáo o contrato chega a operar a  transferência da propriedade (compra e venda real). No direito brasileiro, como no romano, a venda não  transfere, sem traditio, a propriedade (venda obrigacional).

A expressão traditio ficta foi designada pelos intérpretes medievais quando se falava na tradição sem a entrega material da coisa.

Falemos das hipóteses de traditio: A traditio longa manu ou entrega de uma coisa situada à distância; a traditio symbolica, consistente na entrega de um símbolo da coisa, por exemplo, as chaves de uma loja, para transferir a propriedade da mercadoria ali colocada: a traditio brevi manu, que se dava quando o proprietário vendia ou doava a coisa ao seu locatário ou depositário, fazendo adquirir a posse pelo detentor por exclusivo efeito da vontade, sem deslocamento da coisa; e o constitutum possessorium, que ocorria precisamente no caso inverso, quando o alienante, que possuía a coisa em nome próprio, deixa de possuir e se torna detentor, se constituit possessorem pro alio, quando o proprietário de um imóvel o vende ou o doa, mas permanece nele como usufruário ou locatário. Ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 252) que, no direito de Justiniano, o elemento material quase se diluiiu completamente.

A justa causa é o elemento subjetivo e propriamente juridico em virtude do qual a transferência da posse produz a transferência da propriedade.

No que respeita ao objeto, a principio a traditio pode ser empregada apenas em se tratando de coisas corpóreas Uma vez admitida a posse de direitos, e espiritualizando-se o corpus da posse, ao ato se pode recorrer também no caso de coisa incorpóreas (iura), e assim p. ex., se pode tradere uma servidão o (quasi traditio).

No direito justinianeu a traditio é o único modo de aquisição  da propriedade a título derivado.

O efeito translativo da tradição pode subordinar-se a termo ou condição, desde Justiniano, a uma condição resolutiva, diferentemente da mancipação e da iure in cessio.

Passa-se ao usucapião.

Os romanos já vinham o usucapião como a transformação da posse em propriedade pelo decurso do tempo.

Justificava-se o usucapião como o trabalho despendido por quem usucape ou com a passividade ou inércia do anterior proprietário.

Para Gaio(2,41 - 46) o usucapião existia no ne rerum domina in incerto essent. Com efeito, a segurnça que precisa imperar nas relações jurídicas e que constitui um dos objetos cardiais  do direito é a verdadeira justificativa do usucapião.

Jà se via que o usucapião tinha uma característica dos modos originários de aquisição da propriedade: o domínio adquire-se ex novo na base da relação com a coisa e não com o anterior titular. No entanto, entendia-se que a existência desse titular anterior, a circunstância de o usucapião não extinguir os ônus reais que gravam a coisa e de valer como um consenso tácito a passividade do antigo proprietário, são fatores que identificavam esse modo de aquisição como derivado, classificação que os romanos lhe atribuiram, concebendo-o como uma alienação(vix est enim, ut non videatur allienare qui patitur usucapi).

Como lembra Eric Georges Arvanitis(A origem e evolução histórica do usucapião)  o usucapião teve suas raízes fundadas na Lei das Doze Tábuas, consagrada na data do ano 305 da era romana, correspondendo ao ano 455 a.C.  O instituto do usucapião mencionado na referida lei estendia sua aplicação tanto para bens móveis e imóveis.

As XII Tábuas teriam estabelecido o prazo de dois anos para o usucapião de bens imóveis e de um ano para os móveis. Roma era, então, uma pequena cidade o que possibilitava que o proprietário soubesse que tinha suas coisas apoderadas por outrem. Daí os prazos curtos que eram ali estabelecidos.

O usucapião pressupunha uma coisa suscetível de propriredade quiritária. Não podia recair sobre res extra commercium, imoveis provinciais e coisas inalienaveis e imprescritíveis, como os imóveis pertencentes aos impúberes, os imóveis dotais, as coisas do fisco, os bens do príncipe e da Igreja, as res mancipi alienadas pelas mulheres, sem a auctoritas do sdeu tutor. AInda não eram objeto de usucapião as res furtivae, segundo preceito da Lei das XII Tábuas, confirmando uma Lei Atínia e as res vi possessae, isto é, as coisas obtidas por violências, consoante uma Lei Plautia de vi, repetida pelas Leis Julia de Augusto. Isso porque esses vícios aderiam à coisa de modo que mesmo o adquirente de boa-fé não pode usucapir, e so desaparecem com o retorno à posse do proprietário.

A posse exigida para o usucapião era a possessio civilis, que era aquela caracterizada por todos os efeitos possessórios e que devia durar, sem interrupção, dois anos para os imóveis e um ano para mpóveis. Se houvesse uma interrupção ocasionada pela perda da posse, se depois fosse readquirida, uma nova contagem do prazo se iniciava. O direito romano do usucapião, na lição de Ebert Chamoun(obra citada, pág. 255) não conhecia, porém, até Justiniano, a interrupção ocasionada pela reivindicação por parte do proprietário, de sorte que o prazo do usucapião terminasse justamente durante a demanda, o proprietário era o vencedor, porque o juiz para julgar devia colocar-se no momento da litis contestatio.

No direito clássico as condições necessárias ao usucapião eram as seguintes: coisa idônea, posse continuada durante um certo prazo, justo título ou justa causa e boa-fé.

A justa causa ou justo titulo serve para evidenciar que a posse atual se desvinculou da posse anterior sem lesão e é hábil para justificar a aquisição da propriedade. Dão os autores como exemplo :uma compra do não-proprietário ou de res mancipi sem as formalidades necessárias, uma doação a que faltasse a necessária a relação obrigatória entre doador e donatário, um dote, um legado, um pagamento, um abandono noxal(pro noxae dedito) O direito de Justiniano a essas causas acrescentou a herança quando alguém de boa-fé, acreditando-se herdeiro, mas supondo erradamente pertencer ao acervo hereditário. Esse novo titulo não seria, segundo os autores, a lucrativa pro herede usucapio do direito clássico e assim considerada espúria e anormal, uma vez que prescindia de boa-fé e se consumava em um ano, inclusive para os imóveis.

A boa-fé presumia-se. O justo titulo deveria ser provado, como ensinou Ebert Chamoun(Intituições de direito romano, 1968). Era o elemento subjetivo do usucapião e consistia na crença de que não era necessário acreditar na aquisiição da propriedade; bastava a ignorância de que a coisa pertencia à outrem.

O usucapião, sendo modo de aquisição da propriedade quiritária, não podia ser utilizado pelos peregrinos e para os imóveis provinciais.

Ulpiano definia o usucapião como a aquisição do domínio pela posse continuada por um ou dois anos (usucapio est autem dominii adeptio per continuationem possessionis anni vel bienni: rerum mobilium anni, immobilium bienni). Com a evolução do instituto, passou a ser exigido o justo título e a boa fé como requisitos para usucapir, acompanhados da posse.

      Tinha como uma de suas finalidades solidificar o título defeituoso, ou título de aquisição viciado, fazendo com que o adquirente, diante dessa situação de insegurança  em que o bem adquirido pelo negócio ainda se encontrava exposto, obtivesse a propriedade do bem após transcorrido o prazo determinado para usucapir, ficando confortável e salvo de qualquer dúvida e incomodo com relação a aquele negócio.

     Com o decorrer do tempo, foram criadas normas subsequentes para ajustar o regime de usucapião, buscando corrigir algumas falhas existentes no sistema. A Lex Atinia vedou usucapião de coisas furtadas ou apropriadas aos ladrões como receptadores; as leis Julia e Plautia impediram  o usucapião de coisas obtidas mediante atos violentos; e a Lex Scribonia proibiu usucapião das servidões prediais.

      Também não era aplicado o usucapião aos peregrinos e aos imóveis provinciais, que correspondiam a maior parte das pessoas e do solo no mundo romano.

      Esses elementos só foram atingidos pela usucapião em momento posterior, quando uma instituição paralela da “usucapio” romana foi criada, chamada de “praescriptio longis temporis”, conhecida como prescrição. A diferença da praescriptio para a usucapio era observada sobretudo na disparidade entre os prazos, ano e biênio para a usucapio e dez e vinte anos para a praescriptio, bens móveis e imóveis respectivamente.

     O imperador romano Justiniano fundiu a usucapio com a praescraptio longis temporis em um único instituto, passando a abranger a prescrição aquisitiva e a prescrição extintiva. Em seu entendimento, acreditava que em se tratando de aquisição de propriedade por meio do decurso do tempo, nada mais era senão uma forma de prescrição.

      Adiante, o imperador Teodosio II decretou que não haveria mais ações perpétuas para buscar a retomada do bem, portanto o proprietário negligente por trinta anos não teria mais direito mover ação de reivindicação contra o possuidor. A posse, destarte, de um imóvel por trinta anos era o suficiente para que todas as ações do dono ou de terceiro fossem extintas perante o bem. Essa matéria é conhecida nos dias de hoje como prescrição de longíssimo tempo, a praescraptio longissimi temporis, versando que o legítimo dono que se mantivesse inerte durante o prazo de trinta anos, perdia o direito de reivindicar contra o possuidor, sendo esse responsável somente por provar a posse por trinta anos, não precisando comprovar justo título e boa fé.

A transmissão causa mortis a titulo universal, sobrevinda no curso da prescrição, não interrompia ou suspendia a contagem de seu prazo. O herdeiro continuava na posse do de cuius, ainda que saiba que a coisa pertencia a um terceiro, mas de nada valia a sua boa-fé se o de cuius estava de má-fé. Para os adquirentes a titulo particular, como o comprador e o legatário, só foi admitida a união de posses no fim do direito clássico. Justiniano estendeu à usucapio, abrangendo todos os adquirentes a título particular que estivesse de boa-fé, no momento da aquisição da posse.

A praescriptio longis temporis interrompia-se quando o proprietário intentava a reivindicação, diferente da usucapio. Em virtude dela o prazo deixava de ser contado durante um certo período para recomeçar depois.

O Imperador Constantino decidiu, criando a chamada praescriptio a longissimi temporis, que a posse de um imóvel durante 40 anos extinguia todas as ações que o proprietário ou terceiros tivessem em relação a ele.

Justiniano atribuiu, de inicio, caráter aquisitivo à prescrição trintenária. Conservou a prescrição de longo tempo, com prazo de 30 anos. Mas exigiu o justo título e boa—fé. O usucapião gerava o domínio das coisas moveis pelo decurso de 3 anos, ao passo que a prescrição longi temporris engendrava a aquisição da propriedade das coisas imóveis pelo prazo de 10 anos entre presentes e 20 anos entre ausentes.

A adjudicação ocorria com a divisão do patrimônio hereditário entre os co-herdeiros(actio familiae erciscundae), da coisa comum, entre os condôminos(actio communi dividundo) ou da coisa de limites contestados entre os proprietários(actio finium regundorum) e era registrada pelo pretor numa parte da fórmula, a adiudicatio. No direito clássico, a propriedade só nascia na hipótese de iudicium legitimum, no juízo realizado em Roma, ou em uma milha em torno, entre cidadãos romanos, por um único juiz também cidadão romano. No iudicium império continens, no julgamento que não apresentasse essas características, a adjudicação limitava-se a atribuir uma posse ad  usucapionem, como lecionou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 259).

 IV - MEIOS DE DEFESA DA PROPRIEDADE 

Discute-se, por fim, sobre os  meios de defesa da propriedade. 

Eles variam de acordo com a intensidade da lesão, que podia assumir um caráter total, parcial ou restringir-se à mera ameaça. Quando a lesão era total, a ação idônea era a rei vindicatio, que simbolizava, no direito romano, a proteção tipica da propriedade; quando a lesão era parcial, consistente na alegação da parte de um terceiro de um direito sobre a coisa, intentava-se a actio negatoria; finalmente, para fazer face às ameaças, à integridade da coisa havia diversas ações: a actio finium regundorum(destinava-se a acertar os limites entre duas propriedades), a operis novi nuntiatio(quando alguém intimava o responsável por uma obra nova, seja construção ou demolição), a cautio damni infecti(quando alguém se garantia contra a ameaça de dano oriundo de obra existente num imóvel), a actio aquae pluviae arcendae e o interdictum quod vi aut clam(destinava-se a impedir que o vizinho prejudicasse, com o seu uso nocivo, o curso das águas da chuva, tornando mais violento o seu fluxo do imóvel superior do imóvel superior ou tolhendo a sua entrada no imóvel inferior). . 

A rei vindicatio é a ação do proprietário contra o possuidor ilegítimo para obter a restituição da coisa e os seus acessórios. 

O autor devia ser cidadão romano e necessariamente um proprietário não possuidor. 

No direito clássico, o réu devia ser um possuidor que nega a propriedade do autor; era lícito intentar a ação renvidicatória contra o simples detentor de um imóvel, o qual pode, entretanto, declarar a posse em cujo nome detém; se esta não se apresentasse, o juiz após um exame sumário, imitia o autor na posse do imóvel. Justiniano, por sua vez, admitia que possa ser alvejado pela rei vindicatio quem não era possuidor, nem detentor, por ter deixado de possuir dolosamente, mediante a cessão ou abandono litis contestatae temporis, e que se considerava fictus possessor em virtude da regra dolus pro possessione este, e quem, sem ser possuidor, simulou essa qualidade, deixando-se acionar. 

A coisa deveria ser restituída com tudo aquilo que o autor teria se ela lhe fosse entregue no momento da litis contestatio(era um termo do Direito utilizado na Roma Antiga para designar o compromisso das partes em aceitar a vontade do pretor). Na litis contestatio, no período da legis actiones, estabelecia-se os limites da lide, a ser julgada ulteriormente pelo iudex. Observa-se, do processo formulário, que a litis contestatio nascia com esse pacto das partes, ao qual a doutrina atribuiu a natureza de contrato ou quase-contrato e que produzia os seguintes efeitos: a) efeito conservativo - a demanda era estabilizada e, portanto, a fórmula não poderia ser modificada; b) efeito extintivo - após a litis contestatio era vedada a propositura de nova demanda versando sobre a mesma relação juridica e não apenas sobre o mesmo pedido; c) efeito novatório - a relação jurídica de direito material trazida pela discussão no processo era extintia pela litis contestatio, formando-se uma nova que tinha os contornos definidos na fórmula(Mazzacane, La litis contestatio nel processo civile canonico, cap. I, n. 2, pág. 287; Scialoja, Procedimento civil romano, parágrafo 29, páginas 231 a 235). Por sua vez, na cognitio extra ordinem, a litis contestatio assumia uma caráter muito diferente, tanto formal como substancialmente, do que possuía no procedimento anterior, pois despiu-se de todas as peculiaridades que assumiu no processo per formulas e passou a indicar a narração(narratio) que o autor fazia de forma sucintamente de suas pretensões perante o magistrado e na resposta do demandado. O efeito conservativo permaneceu presente, mas a estabilização da demanda não era mais absoluta e os efeitos novatório e extintivo simplesmente desapareceram. No processo da cognitio extra ordinem a demanda e a contestação eram apresentadas anteriormente à audiência em que se operava a litis contestatio e, portanto, desde o momento em que a resposta era apresentava já se fazia possível apreender os limites da controvérsia. 

O possuidor de má fé responde pelos danos causados à coisa por dolo ou culpa antes da contestação da lide. O proprietário era obrigado a indenizar o possuidor de boa-fé pelas benfeitorias necessárias integralmente e pelas útieis apenas na medida em que delas se aproveitasse; se não o faz, o possuidor de boa-fé retém a coisa. O possuidor de má-fé não tinha direito a qualquer reeembolso. 

A rei vindicatio, nas XII Tábuas, seguia o processo da legis actio sacramenti in rem. Ambas as parte se declararam proprietárias e possuidoras e a posse provisória da coisa era confiada a uma delas, devendo os praedes litis vindiciarium  garantir sua reintegração a quem provasse a propriedade; se nenhuma delas o fizesse, continuava na posse quem tivesse recebido as vindiciae. 

Sendo a posse regulada pelo procedimento especial dos interditos a legis actio sacramenti foi substituída pelo processo per sponsionem com sacramentum in personam. 

No processo extraordinário, a condenação na rei vindicatio só é pecuniária, se a restituição da coisa é impossivel; a execução direta é admitida e sancionada manu militari. 

Por sua vez, a ação negatória era uma ação civil pela qual o proprietário nega a existência de direito alheio sobre a coisa, em geral uma servidão. 

No direito romano, tanto a rei vindicatio como a actio negatoria destinavam-se à proteção da propriedade quiritária. Ao proprietário pretoriano e ao possuidor de boa-fé que usucapia, concedeu-se a ação publiciana, fundada na ficção de usucapião já concluído. Bastava ter justo título e boa-fé. Se o réu fosse proprietário quiritário e o autor proprietário pretoriano, a ação publiciana deste aquele oporia a exceptio iusti dominii, afirmando a propriedade quiritária. 

Na tutela da posse havia os interditos.
Por sua vez, havia o processo sumário(summaria cognitio, summatim cognoscere) que era um processo rápido a que faltavam certas solenidades, observância dos termos legais. Prescindia da litis contestatio, da plena inquisitio ou da apelação. O processo sumário foi o meio pelo qual os interditos puderam manter-se no processo de Justiniano. Os interditos haviam desaparecido e, em seu lugar, o juiz concedia ações como se os interditos fosse dispensados, processando-se com mais rapidez do que as outras ações.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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