Sistemas Processuais Penais

02/06/2017 às 13:47
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Definir alguns conceitos e abordar os sistemas processuais penais.

Sistemas Processuais Penais

1.1 Linhas gerais

Sabe-se que, na sociedade moderna, é o Estado o detentor legítimo do jus puniendi. Direito este que nasce da prática de um fato delituoso – o crime.

Entende-se por crime a violação a um bem jurídico tutelado que afeta as condições da vida em sociedade. Para propiciar a restauração da ordem jurídica surge, então, a necessidade imperiosa de responsabilizar os indivíduos que cometem um ilícito penal. O que ocorre por intermédio do processo.

E processo, como forma de compor os litígios, é, na definição de Fernando da Costa Tourinho Filho:

[...] processo é uma sucessão de atos com os quais se procura dirimir o conflito de interesses. Nele se desenvolve uma série de atos coordenados visando à composição da lide, e esta se compõe quando o Estado, por meio do Juiz, depois de devidamente instruído com as provas colhidas, depois de sopesar as razões dos interessados, dita a sua resolução com força obrigatória.[1]

Neste norte, ao aparelho composto de princípios e normas que diligenciam o processo, regulando as atividades de todos que nele atuam, é dado o nome de Direito Processual.

Desta unidade, Direito Processual, levando em conta o conteúdo ou objeto, vertem dois grandes ramos: o Direito Processual Civil e o Direito Processual Penal, este último, enfocado especialmente para o presente trabalho.

Na doutrina de José Frederico Marques, Direito Processual Penal é “conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares.”. [2]

Desse conceito infere-se, que o Direito Processual Penal é a ciência jurídica que tem por objeto a disciplina das normas do processo penal. E este, por sua vez, é tido como a forma pela qual o Estado compõe os conflitos de ordem penal, submetendo-se aos comandos do Direito.

Nesta ótica, conclui-se que a instrumentalidade do processo é o meio hábil para o Estado sancionar o indivíduo, aplicando, assim, a lei penal.

Ocorre que existem maneiras distintas de aplicação deste instrumento, dependendo do momento político do Estado. Havendo, deste modo, distinções entre sistemas processuais penais.

Sistema, na definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira é: “a reunião de elementos naturais da mesma espécie, que constituem um conjunto intimamente relacionado.”. [3]

De regra, são apontados três sistemas processuais penais: o inquisitivo, o acusatório e o misto.

1.2 Sistema Processual Penal Inquisitivo

O sistema inquisitivo, precedido pelo acusatório privado, corresponde à concepção de um Estado Totalitário, onde existe a centralização do poder nas mãos de uma única pessoa – o soberano.

A apresentação do sistema inquisitivo na história se deu de forma mais evidente em dois regimes, o teocrático e o absolutista, não obstante existirem processos inquisitivos no direito contemporâneo.

Sobre esses regimes, observa Mauro Fonseca Andrade:

O teocrático se manifestou no primeiro período histórico do sistema inquisitivo, durante a monarquia romana, onde o rei também assumia as funções de sacerdote, daí advindo seu poder punitivo. Apesar de sua supressão durante os períodos republicano e imperial romanos, esse mesmo elemento teocrático, posteriormente renasceu na Idade Média, com a Inquisição da Igreja Católica. Já, no que diz respeito ao regime absolutista, os períodos romanos da monarquia e do império, e os períodos absolutistas da Idade Média e Moderna [...] [4]

Nesta espécie de sistema processual inexiste contraditório, não havendo, deste modo, “as regras de igualdade e liberdade processuais.” [5]

Em um primeiro plano, a jurisdição pertence ao soberano, que diante da impossibilidade de análise, por ele próprio, de todos os casos apresentados, pode delegar tal função.

O Estado-juiz, inquisidor, além de ter como função de julgar, é quem impulsiona, ex officio, a persecução penal, rompendo, consequentemente, sua imparcialidade. Não existe a figura do defensor, em razão da presunção de que o julgador absolve o réu se inocente, e se culpado não faria jus a defesa[6].

O acusado não é tido como sujeito de direitos, e sim como mero objeto das investigações. As provas, por sua vez, são tarifadas – prova legal, tendo a confissão como rainha das provas[7].

Destaca-se, também, como traço marcante o sigilo. O magistrado colhia as provas secretamente, longe dos olhares atentos da sociedade e do acusado, inviabilizando o contraditório e a fiscalização das provas recolhidas.

Diante dessas características, inegável a incompatibilidade entre o sistema processual penal inquisitivo e as garantias constitucionais mínimas que devem permear o Estado Democrático de Direito.

1.3 Sistema Processual Penal Misto

O sistema processual misto é constituído reunião de elementos do sistema inquisitivo (fase policial) e do sistema acusatório (fase judicial).

Isso significa dizer que a condução das investigações permanece com o juiz, como acontece no sistema inquisitivo, já função acusatória fica a cargo do Ministério Público, que representa uma inovação, fracionando, assim, as funções de acusar e julgar entre dois entes do Estado, diferente do que ocorre no sistema inquisitivo.

Desse modo, o sistema misto traz duas fases procedimentais: a primeira, investigativa, conduzida pelo magistrado; e a segunda, acusatória, onde se procede a acusação pelo Parquet, iniciando a ação penal, conduzida pelo juiz que, após o trâmite, proverá a decisão final.

1.4 Sistema Processual Penal Acusatório

Antítese do sistema processual penal inquisitivo, sistema acusatório busca afastar da atuação dos magistrados qualquer elemento que posso prejudicar a imparcialidade da prestação jurisdicional (princípio da imparcialidade do juiz).

Nesse sistema, há uma clara separação das funções, já que o autor é quem faz a acusação, alojada com fundamento na acusação oficial, mesmo que excepcionalmente aceite a iniciativa das vítimas e até de qualquer cidadão; o juiz aplica a lei, somente se manifestando quando provocado, como órgão imparcial que deve ser; e ao réu são garantidos todos os direitos pertinentes à sua personalidade, valendo-se de todos os meios e recursos cabíveis à sua defesa.

Cria-se, assim, o actum trium personarum.

 Atualmente, como informa Julio Fabbrini Mirabete:

[...] tal sistema implica o estabelecimento de uma verdadeira relação processual com o actum trium personarum, estando em pé de igualdade o autor e o réu, sobreponde-se a eles, como órgão imparcial de aplicação da lei, o juiz.[8]

Restringe-se, assim, à atuação do juiz ao processo, competindo a outros órgãos do Estado as funções de investigar e acusar, sinalizando, desse, que a análise dos fatos imputados ao acusado seja feita da forma mais próxima ao justo.

Outro aspecto forte que consagra esse sistema é sua transparência, firmada pelo princípio da publicidade, que permite à sociedade e ao acusado obter informações acerca do andar do processo.

1.5 Sistema Processual Penal Brasileiro

O Direito Processual Penal Brasileiro adota o sistema acusatório, em que pese o trâmite unilateral da fase investigativa, que o torna, em sua essência, impuro, por carregar vestígios do sistema inquisitório.

Sobre o sistema processual penal do Brasil, Paulo Rangel discorre:

O Brasil adota um sistema acusatório que, no nosso modo de ver, não é puro em sua essência, pois o inquérito policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade, tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os autos do processo, e o juiz, muitas vezes pergunta, em audiência, se os fatos que constam do inquérito policial são verdadeiros. [9]

Resta fortalecido o entendimento de que sistema acusatório é o abraçado pelo Direito pátrio, o fato de a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assegurar, em seu art. 5º, LV ao estabelecer que “[...] são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. [10]

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Ditos princípios, que se referem aos direitos inerentes à pessoa do acusado, colocam o mesmo em pé de igualdade às demais forças atuantes no processo, traço característico do sistema acusatório.

O princípio da publicidade, de igual maneira, também está presente, permitindo que além do acusado, a sociedade acompanhe o desenvolver da atuação das partes envolvidas no processo, afastando, assim, o sistema processual penal brasileiro da inquisição.

Por sua vez, a doutrina informa que a distinção entre o sistema processual inquisitório e o acusatório se dá em virtude da titularidade atribuída ao órgão da acusação.

Na orientação de Eugênio Pacelli de Oliveira:

inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusação e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgãos) distintos. [11]

Evidencia-se a referida divisão o fato a Carta Magna, encarregar o Ministério Público, instituição unitária, indivisível e independente, de exercer a função de acusar, ressalvadas às exceções trazidas em lei, in verbis: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. [12]

Logo, no direito pátrio, está à vista o já citado actum trium personarum, característica mais marcante desse sistema processual penal.

Nota-se, portanto, que é a Constituição Federal que ostenta o sistema processual penal a ser utilizado, e, assim sendo, somente uma interpretação constitucional do processo penal permite afastar, ou ao menos diminuir, equívocos cometidos pelos legisladores e operadores do direito, que podem prejudicar o próprio direito material, e por conseqüência o jus puniendi.


[1] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 45.

[2] MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processo penal. 3. ed. Campinas: Millennium, 2009, p. 11.

[3] HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio on-line. Disponível em <http://aurelio.ig.com.br/dicaureliopos>. Acesso em 13/jan/2011.

[4] ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas processuais penais e seus princípios reitores. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 383-384.

[5] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo penal. p. 33.

[6] FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 61-62.

[7] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 46. 

[8] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 21.

[9] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 51.

[10] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 23/mai/2011.

[11] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 4.

[12] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 23/abr/2011.

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Sobre o autor
José Carlos Loitey Bergamini

Advogado. Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Administrativo, Direito Penal e Processual Penal (Univali). Compliance Gerencial (FGV/SP). Secretário da Comissão de Direito Administrativo OAB/SC. Membro da Comissão de Compliance OAB/SC Professor. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3681230383995215

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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