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A causa no negócio jurídico

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02/04/2018 às 15:40
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III – A CAUSA NO CÓDIGO CIVIL DO BRASIL E EM OUTROS DIREITOS: DIVERSAS DOUTRINAS

O código civil brasileiro não menciona expressamente a causa ou o motivo como elemento essencial do negócio jurídico, mas determina que o falso motivo, quando expresso como razão determinante ou essencial, vicia o ato negocial  bem como prevê que, quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito, o negócio jurídico será nulo.

Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume I, 14ª edição, pág. 343) afirmou que ¨toda ação humana se prende a uma razão. Todo ato é precedido de motivação mais ou menos complexa. Toda declaração de vontade decorre de um motivo, que ora pode ser puramente interior e psíquica, ora exterior e objetivo. É na pesquisa da determinação do ato que vai asentar o problema da causa do negócio juridico".

Ensinou ainda Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 344) que na pesquisa das razões determinantes do negocio jurídico é necessário fazer uma distinção fundamental, que consiste em destacar a causa do ato, dos motivos que levaram o agente a praticá-lo. Tais motivos se apresentam como uma razão ocasional ou acidental do negócio, e nunca faltam como impulso originário, mas não têm nenhuma importância jurídica. Por isso, o jurista deve relegá-los para o plano psicológico, a que seria então afeta a indagação da deliberação consciente.

Disse, ainda, Caio Mário da SIlva Pereira: "E detém-se apenas na investigação da causa propriamente dita, que dve caracterizar na última das razões determinantes do ato". Na venda de um imóvel a causa do negócio jurídico seria a obtenção do dinheiro, e, como esta constitui a prestação do vendedor, pode-se dizer que a causa do negócio juridico praticado por quem realiza uma venda se situa na obrigação da outra parte, e se configura como o motivo próximo, determinante dele, desprezada assim toda a motivação individual ou razão subjetiva.

Assim, na caracterização da causa é preciso expurgá-la do que sejam meros motivos, e isolar o que constitui a razão jurídica do fenômeno, para  abandonar aqueles e atentar nesta. Isso porque na causa há um fim econômico ou social reconhecido e garantido pelo direito, uma finalidade objetiva e determinante do negócio que o agente busca além da realização do ato em si mesmo. Distingue-se da causa a motivação, pois que esta, mesmo ilícita, não chega a afetar o ato, desde que àquele nao se possa irrogar a mesma falha, como ensinou Dabin(La teoria de la causa, n. 298).

Roberto de Ruggiero, ao tratar a causa dos negócios jurídicos no direito italiano, afirma que: “A generalidade dos escritores costuma tratar do assunto principalmente a propósito da teoria do contrato (arts. 1.108, 1.133 do cc) seguindo assim o sistema do Código francês e do nosso, que do primeiro, também nesse ponto é uma cópia, salvo a adição do art. 1.121 do cc que naquele não se encontra. No Código francês, o conceito de causa foi introduzido com base nas doutrinas de Pothier e de Domat, mas seria errôneo pensar que constitua uma inovação do direito moderno: o conceito de causa deriva das doutrinas romanistas e, posto que modificado à face do conceito próprio do direito romano, é nele que encontra a sua primeira e mais sólida base.”( Instituições de direito civil. Vol. 1 São Paulo: Bookseller, 2005, p. 357).

Em suas lições, Ruggiero ainda disse:

“Ora, dentre toda a série de motivos que estão entre si indissoluvelmente ligados como os elos de uma cadeia, o direito apenas atende ao último, o mais próximo da ação, o que a determina e que, objetiva e, juridicamente justifica a promessa ou o ato, não se importando dos outros mais remotos, que é certo terem atuado a vontade e a levaram a manifestar-se, mas que por si só não bastam para a determinar e para justificar o ato ou a promessa, isto porque tais motivos são por via de regra irrelevantes para o direito, salvo se foram incorporados de pressuposição, de maneira a constituir parte integrante da mesma declaração. Pois bem, o primeiro é a causa, quer dizer: a razão determinante da vontade, e, para os negócios de conteúdo patrimonial, os segundos são os motivos, isto é: as causas impulsivas, individuais e subjetivas. O primeiro é condição essencial da existência do negócio jurídico, sem a qual a vontade não seria, por si só, capaz de produzir o efeito que pretende: os segundos, a razão ocasional e acidental do negócio, a qual posto que nunca falte, como impulso primordial da vontade, não tem para o direito importância alguma. Se a toda essa série se quer dar o nome de motivos, diremos então que o primeiro é o motivo próximo, que é sempre um e não muda visto ser objetivamente determinado e caracterizado pela natureza e finalidade intrínseca do negócios; e os outros os motivos remotos, correspondentes às representações psíquicas íntimas, que podem ser tão variáveis e infinitas como as circunstâncias individuais que levam os homens a criar relações entre eles”(Instituições de direito civil, volume I, quinta edição, traduzido por Ary dos Santos, pág. 247).

Os motivos individuais, assim, não devem se confundir com a causa.

Causa é o fim econômico e social reconhecido e garantido pelo direito; é a própria função do negócio objetivamente considerado, a condição que justifica a aquisição excluindo o fato de ser lesiva do direito alheio e que, de certo modo, representa a vontade da lei face à vontade privada.

Há o entendimento de que a causa é a motivação típica do ato, critério objetivo, caracteriza pelo fim econômico ou social reconhecido e garantido pelo direito, na qual se procura o fim prático a que todo negócio se destina. A causa é o motivo juridicamente relevante, motivo gerador de consequências jurídicas.

Diante do problema relacionado com a indagação causal, a doutrina se divide. Uns estudiosos dão-lhe grande importância sustentando a sua unidade conceitual, embora admitam a varidade de aspectos que pode revestir. Caio Mário da SIlva Pereira(Instituições de direito civil, volume I, 14ª edição, pág. 346) bem estudou o problema ao dizer: "Outros, porém, negam-lhe a relevância, e ainda outros vão mais longe, desprezando-a, por entenderem que a distinção causal nada mais é do que uma desnecessária duplicação dos elementos integrantes do negócio jurídico. Nos onerosos, argumentam os não-causalistas, se a causa está na contraprestação dada ou prometida ao agente, ela coincide com o objeto do ato,  sendo mera sutileza argumentar que se não confunde propriamente com a prestação da outra parte, porém, prende-se à bilateralidade da obrigação: nos gratuitos, se se situa na liberalidade ou no benefício proporcionado pelo agente, confunde-se então com a sua intenção, e, em última análise, com a própria vontade, não passando de preciosismo sustentar que a causa donandi difere da vontade geradora do contrato."

Realmente, essa controvérsia não se resolve no estudo dos escritos que ocupam posição contrária, seja no campo causalista, com Domat, Pothier, Aubry et Rau, Cenzi, Cariota-Ferrara, Ruggiero, Bonfante, Messineo, seja com relação aos chamados anticausalistas como Planiiol Laurent, Demongue, Dabin, Carvalho de Mendonça e Clóvis Beviláqua.

Contra o conceito de causa há objeções e críticas conhecidas na doutrina. Há uma série de escritores que contesta a sua existência como elemento separado e distinto e que, referindo-se aos contratos, afirmou ser inútil a adição de um quarto elemento. A objeção seria baseada na aparente falta de unidade conceitual da causa; se ela é nos negócios onerosos a contraprestação prometida ou recebida, pareceria estranho que, para os gratuitos, onde falta uma contraprestação, a ela se deva recorrer para preencher a lacuna da intenção liberal. Entendem que a causa se identificaria com a vontade, não sendo, pois, um elemento distinto, pelo que vários foram levados a eliminar a causa dos chamados negócios gratuitos, admitindo a sua existência apenas para os onerosos.

A causa não se confunde com o objeto ou com o consenso.

A corrente subjetivista, que predominou entre os juristas franceses, sustenta que a causa é a razão determinante, a motivação típica do ato que se pratica, objetivamente relacionada à espécie do negócio jurídico praticado, e que não pode ser tomada como seu motivo. Tal concepção entende que a causa deve ser compreendida como a representação psicológica que fazem as partes concluir o negócio ou fim próximo para referida conclusão. Os fins remotos são simplesmente os motivos ou móveis do ato (móvel subjetivo), irrelevantes para o Direito. O fim próximo (motivo determinante é relevante) é justamente a causa. 

O Código Civil de 2002 não deixou de admiti-la (arts. 166, III e 140). Para alguns autores optou-se pela teoria subjetivista.

Ensinou Darcy Bessone(Do contrato: teoria geral, 1997, pág. 102 e seguintes), citando Domat (Domat, Oeuvres complètes – les lois civiles), que a  causa “... É, pois, o fundamento da obrigação, no sentido de que, sempre que alguém se obriga, o vínculo se funda em algo oriundo do credor da obrigação. Pode não haver uma contrapartida ou contraprestação, mas haverá a entrega de uma coisa ou, quando menos, um mérito do donatário (contratos gratuitos) a fundamentar a vinculação de quem assume a obrigação. As perquirições posteriores não afetaram, no essencial, a teoria de Domat. Mas precisaram de uma distinção rica de consequências: a que discrimina entre a causa da obrigação e os motivos determinantes do vínculo. A doutrina de Domat recebeu, algum tempo depois, poderoso estímulo, partido da autoridade de Pothier “Todo ajuste deve ter uma causa honesta. Nos contratos interessados, a causa da obrigação que contrai uma das partes é que a outra lhe dê ou se obrigue a lhe dar, ou se arrisque àquilo de que se encarrega. Nos contratos benéficos, a liberalidade que uma das partes quer exercer para com a outra é causa suficiente da obrigação que aquele contrai para com este (Cód. Civ. Fr. Art. 1.131). Mas quando a obrigação não tem causa alguma, ou quando a causa pela qual foi construída é falsa, é nula a obrigação, e nulo o contrato “

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O Código Civil da França,  em seus artigos 1.108 e 1.131 a 1.133 (do Code Civil), e o italiano, especialmente os artigos 1.325 e 1.343 a 1.345, mencionam a causa como elemento do contrato. Outros como o alemão, o suíço, o português e o brasileiro(Código Civil de 1916), omitem-na, ou, referindo-a, não lhe reconhecem o caráter que lhe atribuem os Códigos da França e da Itália, por exemplo. Listam-se os chamados códigos anticausalistas, como o BGB, o suíço e o austríaco.

Na lição de Vicente Ráo (Ato jurídico, 1979, pág. 100 e seguintes) a corrente objetivista, da qual fazem parte Betti, Cariota-Ferrara e Torquato Castro, por sua vez, sustenta não haver relação de investigação da causa com a motivação subjetiva do ato, desvinculando seu aspecto subjetivo, interior, da noção de causa, concentrando-se essa na conotação social do negócio, de forma que ela se configure pela função prática do negócio jurídico, com suas  matizes sociais reconhecidas pelo direito, que somente vem a tutelar atos que se prestem ao atendimento do interesse coletivo, de toda a sociedade.Os objetivistas sustentam que a investigação da causa nada tem a ver com a motivação subjetiva do ato, mas vai confinar com o fim econômico e social do negócio jurídico.


IV – NEGÓCIOS JURÍDICOS CAUSAIS E ABSTRATOS

Há negócios jurídicos causais ou materiais e abstratos ou formais.

Ainda Roberto de Ruggiero(obra citada, pág. 249) explicou que há negócios nos quais a relação é fixa e incindível, estando os dois elementos conjugados de maneira que a vontade revela sem mais nada a causa. Assim é o caso da compra e venda, da doação.

Há, outros, pelo contrário, em que essa relação falta, de modo que se apresentam como independentes da causa. Não porque ela falte, mas porque o negócio não a exprime nem a traz consubstanciada em si, parece que a vontade é por si só suficiente para produzir o efeito que tem em vista, devendo a causa ir procurar-se fora do negócio, numa outra relação entre as partes e podendo, assim, ser vária e diversa, conforme a sua índole.

Ensinou Roberto de Ruggiero que tais são os negócios abstratos que são ainda chamados de formais, visto neles a vontade se dever manifestar, de forma determinada, e às vezes solene, para poder produzir o efeito jurídico, o que levou a dizer que neles a causa é substituída pela forma, ou que esta se identifica com aquela. No direito romano, tinha-se como exemplos a mancipatio, a in iure cessio, que se consideravam perfeitas logo após se terem pronunciado as palavras da sponsio ou cumpridas as formalidades de venda ou do processo. No nosso direito, registramos: os títulos ao portador, os títulos de crédito que não estão vinculados à causa, daí porque se fala em abstratividade.

Os negócios causais não podem produzir efeito algum quando se prove a falta ou ilegalidade da causa. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A causa no negócio jurídico . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5388, 2 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58532. Acesso em: 12 dez. 2024.

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