O adolescente em conflito com a lei

A eficacia da medida socioeducativa

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17/06/2017 às 20:00

Resumo:


  • A medida socioeducativa visa ressocializar adolescentes em conflito com a lei, mas enfrenta desafios como superlotação nos centros de internação.

  • É proposto o desenvolvimento de novas políticas públicas para complementar a medida socioeducativa, visando prevenir a entrada de adolescentes no mundo do crime e reduzir a reincidência.

  • Após o término da medida socioeducativa, é fundamental a implementação de políticas públicas que integrem o adolescente à sociedade, evitando seu retorno à criminalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A medida socioeducativa tem atendido aos preceitos constitucionais e legais, no que tange à ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei? Entenda o contexto do ECA no cenário brasileiro atual, e o que pode estar faltando para que estes jovens sejam resgatados à sociedade, de maneira saudável.

INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda se a medida socioeducativa tem atendido aos preceitos constitucionais e legais com intuito de constatar sua eficácia na ressocialização de adolescentes em conflito com a lei. Para isto, foi feita breve análise sobre os aspectos jurídicos, ou seja, qual é o tratamento dado pela Constituição Federal de 1988 e como o Estatuto da Criança e do Adolescente trata o tema.

Foi demostrado um panorama de qual é a situação dentro dos centros de internação destinados a adolescentes infratores, com base em um estudo feito pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Constatou uma situação desenfreada de superlotação nos centros de internação que compromete diretamente o resultado da aplicação da medida socioeducativa.

É proposta como complemento à medida socioeducativa, a criação de novas políticas públicas capazes de seduzir o adolescente e tirá-lo da ociosidade para que não venha incorrer em ato infracional. Ainda tratando de políticas públicas, é destacado como esta ferramenta tem potencial tanto para prevenir a entrada de adolescentes no mundo do crime, quanto para diminuir a reincidência.


1            DA TUTELA NORMATIVA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

1.1         Do adolescente infrator.

A criminalidade envolvendo crianças e adolescentes vem aumentando significativamente nos últimos tempos. Essa situação tem despertado um sentimento de medo e insegurança na população, não só nas grandes cidades e regiões metropolitanas, mas também nas pequenas cidades do interior. Com isso um crescente apelo por ordem e maior eficiência tomou corpo em vários segmentos da sociedade.

No entanto, segundo Oliveira (2003) ocorre certa divergência na doutrina e jurisprudência sobre o assunto, alguns buscam equiparar cada vez mais o adolescente ao indivíduo maior de 18 anos, ou seja, sujeito imputável, de forma a argumentar que a legislação é muito branda e pouco eficaz, dessa maneira, acaba por colaborar para o aumento da criminalidade dos menores. Do outro lado, existem aqueles que defendem a tese de ser o adolescente marginalizado, vítima de descasos sociais, como saúde, educação, habitação, lazer, em especial.

Contudo, para que se possa buscar uma possível solução é necessário ir além de observar o cenário caótico e alarmante que vem atordoando a todos. Quando se trata da criminalidade juvenil é preciso analisar como a Constituição Federal de 1988 e as leis infraconstitucionais abordam o assunto. Deve ser feita uma análise sobre quais são os direitos e garantias desses adolescentes e quais são as possíveis consequências aos infratores.

1.2       Preceitos constitucionais.

O tema é abordado pela Constituição Federal de 1988, a partir do artigo 227 até o artigo 229. Apesar de a abordagem constitucional se dar somente em três artigos, isto não desabona a temática, pois a abordagem constitucional no assunto é amplamente abrangente. O artigo 227 começa essa abordagem de forma muito completa trazendo preceitos de diversos aspectos diferentes como pode ser observado a seguir:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição Federal, 1988)

O “caput” do artigo 227 se destaca ao trazer a previsão, pois ele preceitua sobre os direitos das crianças, adolescentes e jovens e começa estabelecendo quem são os sujeitos responsáveis por assegurar os direitos destes. Fica evidenciado a exigência de um esforço em conjunto entre família, sociedade e Estado nesse papel.

Assegurar tais direitos e evitar possíveis negligências, exploração, discriminação ou qualquer tipo de violência devem ser tratados com absoluta prioridade. Desta forma o texto constitucional reconhece o estado de vulnerabilidade em que criança e adolescentes se encontram e propõe meios para que possam serem protegidos de forma que sua integridade física e moral possa ser preservada.

Em síntese, o artigo 227, seus incisos e parágrafos, impõem uma inadmissibilidade quando o assunto é maus tratos ou violência, seja física ou psicológica, a crianças e adolescentes ao mesmo tempo estabelece os direitos e os sujeitos responsáveis por garantir a efetividade dos direitos em questão.

O artigo seguinte é o 228 que preceitua a idade na qual a pessoa se torna penalmente imputável, ou seja, estabelece a idade a partir da qual será possível ser responsabilizado por praticar ilícito penal ou ato tipificado como crime. A data em que isso ocorre coincide com a data de transição da fase da adolescência para a fase adulta exatamente quando se completa dezoito anos, o artigo dispõe da seguinte maneira. Artigo 228 “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Segundo Fernando Capez:

Imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade (Capez,2012, pg. 335).

Com uma análise da Constituição Federal, juntamente com a doutrina, fica certo de que há um entendimento no sentido que qualquer imputação contra crianças e adolescentes de ato que configurar crime não é aceita, por se entender que estes sujeitos estão em uma fase de desenvolvimento físico, mental e moral e, sendo assim não estariam em condições de discernir o que é licito e o que é ilícito.

O artigo 229 da Constituição Federal estabelece, de forma clara, o dever dos pais, que seria de assistir, criar, educar seus filhos menores, sendo responsáveis por auxiliá-los e, o dever dos filhos maiores é de ajudar os pais na velhice, o que se faz justo moralmente. Assim fica estabelecida uma forma de reciprocidade entre pais e filhos, o que vem fortalecer o disposto no artigo 226 quando dito que a família é à base da sociedade.

Os artigos tratados anteriormente não esgotam o tema, que continua a ser tratado em lei especifica, que dará uma abordagem muito mais aprofundada e abrangente como será exposto no capitulo posterior.

1.3       Previsões infraconstitucionais.

Trata-se da lei de número 8.069, de 13 de julho de 1990, a saber, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A referida lei tem o intuito de proporcionar proteção integral a crianças e adolescentes, a lei estabelece formas especificas para lidar com esses sujeitos e começa esclarecendo a diferença entre criança e adolescente.

Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. A lei deixa claro que crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais ligados à pessoa humana. Isso não afeta o fato de serem tratados com absoluta prioridade para que possam ser asseguradas, seja por lei ou por outros meios, oportunidades e facilidades a fim de que lhes sejam permitido o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições dignas.

Ainda, o artigo quinto do ECA, em consonância com a parte final do “caput” do artigo 227 da Constituição Federal, estabelece que os sujeitos responsáveis por garantir a efetivação dos direitos estabelecidos por lei, também devem se atentar ao fato de evitar qualquer forma de negligencia, violência, opressão ou crueldade causados seja por ação ou omissão.

O ECA estabelece as chamadas medidas de proteção, que deverão ser aplicadas sempre que os direitos reconhecidos forem ameaçados ou violados, como diz o artigo 98 do estatuto em comento. Segundo Digiácomo e Digiácomo tal dispositivo encontra respaldo na Constituição como descreve a seguir:  

Regra decorrente do enunciado do art. 227, caput, da CF e arts. 1º e 4º, caput, do ECA. Mais uma vez a lei, com respaldo na Constituição Federal, impõe a todos a obrigação de agir diante de qualquer ameaça ou violação dos direitos infanto-juvenis. A inércia, em tais casos, pode mesmo levar à responsabilização daquele que se omitiu (valendo neste sentido observar o disposto no art. 5º, in fine, do ECA), sendo exigível de toda pessoa que tome conhecimento de ameaça ou violação ao direito de uma ou mais crianças e/ou adolescentes, no mínimo, a comunicação do fato (ainda que se trate de mera suspeita), aos órgãos e autoridades competentes. (Digiácomo, M. J. e Digiácomo, I. A. 2013, pg.92).  

O artigo estabelece que tais medidas deverão ser aplicadas sempre que tais direitos forem ameaçados ou violados, seja por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; ou, em razão de sua conduta.

O artigo 101 do ECA descreve quais são as medidas que deverão ser aplicadas ocorrendo qualquer das situações anteriormente citadas, são as seguintes: encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente.

Ainda é possível, segundo o ECA, a requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; o acolhimento institucional; inclusão em programa de acolhimento familiar; e em último caso colocação em família substituta.

As medidas protetivas podem ser aplicadas, se necessário, de maneira acumulada e podem, também, ser aplicadas tanto à criança quanto ao adolescente. No título III e seus capítulos é abordado o ato infracional, contudo a lei deixa claro que as medidas deste título só poderão ser aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional, às crianças somente poderão ser aplicadas as medidas previstas no artigo 101.

O artigo 103 dispõe que, considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Nas palavras de Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo:

Toda conduta que a Lei (Penal) tipifica como crime ou contravenção, se praticada por criança ou adolescente é tecnicamente denominada “ato infracional”. Importante destacar que esta terminologia própria não se trata de mero “eufemismo”, mas sim deve ser encarada com uma norma especial do Direito da Criança e do Adolescente, que com esta designação diferenciada procura enaltecer o caráter extrapenal da matéria, assim como do atendimento a ser prestado em especial ao adolescente em conflito com a lei. (Digiácomo, M. J. e Digiácomo, I. A. 2013, pg.155).

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O ECA esclarece quais são as medidas aplicáveis ao adolescente em função da prática de ato infracional. O artigo 112 dispõe que quando tal prática for verificada, poderão ser aplicadas pela autoridade competente as seguintes medidas: advertência, que seria a medida mais branda, visa  a alertar o adolescente e os pais para as consequências da prática de ato infracional; a obrigação de reparar o dano que deve ser aplicada quando há dano patrimonial; a prestação de serviços à comunidade que consiste na realização de tarefa gratuitas de interesse social.

Tem-se, ainda, a Liberdade assistida, que também é uma medida judicial de cumprimento obrigatório. Ainda, é possível a inserção em regime de semiliberdade, no qual, diferente da internação, o adolescente pode estudar, trabalhar e ter atividades externas durante o dia, retornando para passar a noite na unidade; aos finais de semana poderá retornar para casa perto de sua família e voltar à unidade no começo da semana seguinte e, por fim, a internação em estabelecimento educacional, que é a medida considerada mais gravosa devendo ser aplicada somente em último caso, além disto qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.


2          Um panorama sobre a aplicação da medida socioeducativa e seus efeitos.

Diante de um cenário de crescente práticas delituosa protagonizadas por adolescentes, é pertinente que se faça a seguinte reflexão: “ A aplicação da medida socioeducativa vem sendo eficaz” no sentido de apresentar resultados positivos. Em entrevista para a DW Brasil Volpi analisa os pontos positivos e os pontos negativos do ECA, o mesmo declara que o Estatuto não produziu ainda os efeitos desejados apontando como uma das falhas a ressocialização dos adolescentes infratores, como pode ser observado a seguir:

Para Volpi, uma das maiores dívidas do país com a juventude diz respeito ao sistema de medidas socioeducativas para adolescentes infratores. "Não adianta prender um adolescente por três anos e depois soltá-lo achando que ele vai aprender automaticamente a viver em sociedade sem quebrar as regras", afirmou em entrevista à DW Brasil. (Volpi, 2015)

Sendo assim, no caso da medida socioeducativa de internação, que deve ocorrer somente nos casos mais gravosos, não se trata somente de retirar o adolescente do meio que vive e deixa-lo internado durante um determinado tempo, na esperança de que, quando retornar ao convívio social, será uma pessoa diferente com outras atitudes e crenças.

A medida socioeducativa deve alcançar não só o adolescente mais sim todo o meio em que convive, assim é imprescindível que os efeitos da medida socioeducativa atinjam também a família do adolescente e sua comunidade. Deve ser feito um trabalho de fortalecimento do vínculo familiar, um fortalecimento do interesse por frequentar a escola demonstrando a importância da educação para seu futuro.  Neste sentido Marcos Bandeira diz o seguinte:

O conteúdo da medida deve ser permeado por um atendimento que atinja não somente o adolescente em si, mas toda a sua dimensão humana, ou seja, deve haver incursão na sua vida familiar, educacional, social, enfim, a medida socioeducativa deve procurar tratar o problema de forma transindividual, fortalecendo os laços familiares, estimulando o jovem na escola ou no exercício de alguma atividade laboral ou de oficinas, reinserindo-o no contexto de sua comunidade, aumentando, assim, a sua autoestima e despertando outros valores de cidadania. (Bandeira, 2006, pg. 136)

Em 2015, o Ministério Público (MP) concluiu uma investigação em São Paulo que é tido como o estado mais avançado em medidas socioeducativa, no entanto mesmo assim a pesquisa aponta alguns obstáculos ao bom andamento da medida como a superlotação e internações curtas que atrapalham a ressocialização.

Os dados trazidos pela revista Carta Capital apontam que, no relatório, o MP descreve que, em março de 2015, 27 das 38 unidades da capital paulista estavam com número de menores superior a capacidade original. Outro problema apontado pelo estudo do MP é o alto número de menores na instituição tem interferido no tempo em que os adolescentes ficam internados, determinando internações de curtos prazos. Entre 1.232 casos de internação na capital entre 2014 e 2015, 89,6% (1.104) não passaram mais de 12 meses na fundação casa, apenas cinco passaram mais do que dois anos.

Quando o assunto é reincidência, a reportagem diz que a fundação aponta um índice de 15%, mas considera somente os menores que já passaram por internação. Já sob o monitoramento do MP, foram considerados não somente os que já passaram por internação, e sim, qualquer caso de menor que foi autuado, mais de uma vez, cometendo atos infracionais. Os promotores verificaram que um percentual de 34% dos menores já foram flagradom mais de uma vez cometendo atos como roubo, tráfico ou furto, entre outras possibilidades. Contudo, os menores internados pela Justiça, 50,5% voltaram a cometer algum ato infracional a reportagem traz a seguinte afirmação do promotor:

“Aquilo que a Fundação Casa vem divulgando com o nome de reincidência não é reincidência. Aquilo é única e exclusivamente uma suposta reiteração de medida socioeducativa de internação", afirma o promotor. "Isso significa que um adolescente foi internado e, depois de solto, cometeu outro ato infracional que levou à internação”, critica Rodrigues. “Esse índice do MP é verdadeiramente um índice de reincidência. (Revista Carta Capital, 2015)

Ainda no mesmo comunicadom o MP descreve como grave a situação observada que configura em desrespeito aos direitos dos internos e compromete a ressocialização, a manutenção de um número de adolescentes superior àquele comportado por cada uma das Unidades causa “prejuízos expressivos e evidentes” aos menores. “A situação, de séria gravidade, configura flagrante desrespeito aos direitos humanos dos adolescentes. (Ministério Público do estado de São Paulo, 2014)

Sobre o autor
Marcos Wagner Camargo Ribeiro

Graduando de Direito no 10° semestre, pela universidade UniSalesiano na cidade Lins- SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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