Usucapião familiar: a incompatibilidade com a constituição federal

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A usucapião familiar é nova espécie de usucapião especial urbana que veio para facilitar a vida daqueles que não possuem imóvel próprio. Conheça seus requisitos e saiba porque há críticas infirmando que sua instituição afronta a Constituição Federal.

RESUMO:O presente paper tem como assunto a usucapião na classificação de familiar e a sua incompatibilidade com a atual Constituição, uma vez que será necessário um conhecimento mais detalhado sobre a usucapião, de forma a depreender seus conceitos e características para que, então, se chegue ao aspecto principal deste trabalho.

Palavras-chave: incompatibilidade; posse, usucapião.


1 INTRODUÇÃO

  O presente trabalho tem como objetivo uma abordagem a respeito da incompatibilidade entre a usucapião familiar e a incompatibilidade que ela apresenta com a Constituição de 88, através da abordagem de todos os tipos de usucapião de forma esmiuçada, para que, então, seja possível compreender o motivo pelo qual a espécie familiar não está compatível com a atual Carta Magna.

Assim, antes de se chegar ao ponto principal do estudo, serão abordados fatos como um breve histórico sobre a prescrição aquisitiva para entender de que forma a usucapião passou a ser assim considerada, além de abordar como ela é observada no mundo jurídico.

Ainda, será demonstrado o que vem a ser a posse, quais os seus efeitos, o seu modo de aquisição e o que leva à sua perda e, ainda, quais as espécies indispensáveis ao entendimento do trabalho, para que então seja possível abordar a usucapião.

Sendo assim, serão tomadas como base as obras de Maria Helena Diniz, Silvio Rodrigues, Sebastião José Roque, assim como artigos retirados da internet.


2 HISTÓRICO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA

A usucapião passou por uma série de contornos até se tornar o que é hoje. Sendo assim, segundo Diniz (2007) se faz necessário um exame da sua etiologia histórica na qual segue abaixo. A etimologia da palavra indica que “capio” significa “tomar” e “usu”, quer dizer pelo uso; porém, “tomar pelo uso” sozinho não surtia o devido efeito, devendo então ser acompanhado do fator tempo.

A usucapião teve destaque no Direito Romano por já ser considerada como um modo aquisitivo do domínio, em que a sua primeira manifestação ocorreu no tempo determinado pela Lei das Doze Tábuas: 2 anos para os imóveis e 1 ano para os móveis. Posteriormente, o prazo dos bens imóveis passou para 20 anos entre ausentes e 10 entre presentes.

Com o tempo, na posse passou a ser exigida que ela tivesse como apoio o justo título e a boa-fé. Mas é válido lembrar que a usucapião não podia ser aplicada aos imóveis provinciais e nem ser invocada pelos peregrinos. Porém, um tempo depois, veio a surgir um edito que passou a considerar a posse dos peregrinos nas mesmas condições de um imóvel itálico, pois Roma veio a adquirir territórios fora da Itália.

Acabou que esse instituto enveredou no campo processual das ações e, assim, empregou-se um processo geral denominado de praescriptiones, em que essa designação veio em virtude do papel desenvolvido pelo longo do tempo. Inicialmente ele deixou uma lacuna na questão do Direito Civil, pois aquele que estava habilitado a opô-lo não podia se denominar como proprietário se não colocasse na sua fórmula a alegação que vinha da sua longa posse, perdendo então o seu processo e se isso acontecesse, como não tinha o direito de reivindicar ficava impossibilitado de tomar a coisa. Logo, pode-se concluir que, nessa época, a prescrição era somente um processo não sendo ainda um meio aquisitivo.

Com o poder de Justiniano foram criadas novas regras – longitemporispraescriptiojuntamente com as da usucapião – em que a última predominava sobre a primeira, mas as duas exerciam seu poder de influência.

Um momento na história superveniente levou a uma alteração na ideia de prescrição e que passou a ser considerada como um meio extintivo das ações. De modo que, no direito romano, surgiram duas instituições jurídicas em que uma era destinada a extinguir todas as ações e a outra, um modo de adquirir, representado pela antiga usucapião, logo apresentavam em comum o elemento da ação prolongada no tempo.

Em decorrência disso, foi criada uma teoria que se resumiu da seguinte forma: a prescrição é uma maneira de adquirir e de perder o direito da propriedade de uma coisa ou de um direito pelo efeito do tempo.

Tal doutrina foi seguida pelo Direito Civil Francês, que adotou esse critério monista, distinguindo então a usucapião da prescrição, em que o primeiro passou a ser prescrição aquisitiva e o segundo, uma prescrição extintiva.

Sendo assim, embora alguns discordem que a usucapião é apenas uma energia criadora, sendo também extintiva, foi possível chegar ao atual conceito que ela possui. Para tanto, Roque (2004) a define como um meio de aquisição da propriedade pela posse prolongada, pacífica e mansa de uma coisa.

Já para Diniz (2007), usucapião é uma forma de aquisição originária de bens móveis, em que os fundamentos que baseiam a usucapião destes são os mesmos dos bens imóveis, logo, seus conceitos são iguais, salvo se estiver tratando de prazos, pois são mais curtos em relação aos bens móveis.

Usucapião é a aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei. Mais simplificadamente, tendo em vista ser a posse que, no decurso do tempo e associada às outras exigências, se converte em domínio, podemos repetir, embora com a cautela de atentar para a circunstância de que não é qualquer posse senão a qualificada: Usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada. (PEREIRA, 2004)

Por fim, Rodrigues (2007) traz que, com a usucapião, é possível que o Legislador permita que determinada situação de fato, transforme-se em uma situação de direito.

Portanto, após o que foi dito, para uma melhor compreensão sobre a usucapião, será necessário um aprofundamento em alguns aspectos os quais serão vistos no próximo capítulo.


3 DA POSSE

Diniz (2007) afirma ser uma tarefa difícil essa de conceituar o termo “posse”, devido à ambiguidade que apresenta, pois esse vocábulo algumas vezes é empregado em sentido impróprio para mencionar a “propriedade”, a “condição de aquisição do domínio” dentre outras expressões.

 Com relação ao seu sentido próprio, ele apresenta duas teorias: a subjetiva e a objetiva, em que a primeira traz dois elementos constitutivos da posse, que são o animus, que consiste na intenção de exercer o direito de propriedade sobre a coisa, e o corpus, que é o elemento material que se traduz no poder físico sobre a coisa, enquanto o segundo consiste na intenção de exercer o direito de propriedade sobre a coisa. Logo, para essa teoria, se houver apenas o animus, a posse não irá interessar ao direito e, se houver só o corpus, a posse será natural e não jurídica. Por sua vez, a Objetiva entende que basta o elemento corpus, sendo então dispensável o animus.

A posse é a faculdade e o poder de uma pessoa de deter legalmente uma coisa, mantendo-a consigo e defendendo-a erga omnes. Nota-se a presença de dois elementos primordiais na posse: o corpus e oanimus. O corpus é a detenção física da coisa, isto é, o possuidor mantém a coisa em suas mãos ou em sua companhia. É um fato exterior por se projetar sobre terceiros. o segundo elemento essencial da posse é o animus, a intenção do detentor da coisa em tê-la para si. Trata-seportanto de um elemento volitivo, por expressar a vontade do detentor da coisa (ROQUE, 2004, p. 21)

Já Rodrigues (2007) aborda a visão de que a posse, por ser uma mera situação de fato, é protegida pelo legislador. Sendo assim, ele acredita ser necessário distingui-la do conceito de propriedade, pois esta é uma relação entre a pessoa e a coisa, em que assenta em uma vontade objetiva da lei e isso implica em um poder jurídico e cria uma relação de direito, enquanto a posse é uma relação também entre a pessoa e a coisa, porém fundada na vontade do possuidor o que cria uma mera relação de fato.

Sendo assim, o Código Civil entendeu:art.1196 – “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL, 2013, p. 234).

Logo, Diniz (2007) conclui que possuidor é aquele que tem o pleno exercício de fato dos poderes ou de alguns deles que constituem a propriedade, como por exemplo, no caso dos direitos reais sobre a coisa alheia.

Portanto, numa segunda conclusão, Rodrigues (2007) traz que a posse se distingue de propriedade, mas o legislador, com o intuito de proteger o proprietário, assegura o possuidor até ser demonstrado que ele não tema condição de dono. Portanto, tal preocupação é transitória e fraqueja diante da prova do domínio.

Sendo assim, após compreensão não muito esmiuçada do conceito de posse, para que entenda qual a sua relação com a usucapião, alguns de seus aspectos merecem destaques, os quais serão esmiuçados nos próximos tópicos.

3.1 Efeitos, Aquisição e Perda

Diniz (2007) traz que sete são os efeitos da posse: I- o direito ao uso dos interditos; II- a percepção dos frutos; III- o direito de retenção por benfeitorias; IV- a responsabilidade pelas deteriorações; V- a posse conduz a usucapião; VI- se o direito do possuidor é contestado, o ônus as prova compete ao adversário, pois que a posse se estabelece pelo fato e VII- o possuidor goza de posição mais favorável em atenção à propriedade, cuja defesa se completa pela posse.

Porém, seguindo os pensamentos de Rodrigues (2007), serão analisados somente os principais efeitos da posse, pois ele afirma que a proteção possessória e a possibilidade de gerar usucapião, são necessários para compreender o conceito de posse. Pois tanto, no exame de um quanto do outro, fica evidente o fato de que toda a legislação relativa à posse atende uma determinada preocupação de interesse social e não somente o fato de proteger o possuidor. Logo, tendo em vista o seu caráter dinâmico, a posse está ligada a essas duas consequências dela provenientes.

Continua esse mesmo autor afirmando que, além do que traz o art. 1210 em seu § 1º do Código Civil, que “o possuidor turbado, ou esbulhado poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” (BRASIL, 2013, p. 234), o direito socorre o possuidor, dando a ele a ação de reintegração no caso de esbulho, além da ação de manutenção no caso de turbação e no caso de ameaça à sua posse, o interdito proibitório.

Pelo art. 121, §1º, do seu Código Civil, brasileiro, o esbulhado pode restituir-se, por sua própria força, à posse do bem, por meio do desforço imediato. Ao exercer tal direito, o possuidor deverá agir pessoalmente, assumindo toa a responsabilidade, embora possa ser ajudado por amigos e serviçais, empregando todos os meios necessários, inclusive armas, até conseguir recuperar sua posse, reação esta que deverá ser imediata, ou assim que lhe for possível agir, e proporcional, pois não poderá ir além do indispensável à restituição da posse, ou seja, não poderá colocar a vida e a integridade física alheia em risco ( DINIZ, 2007, p. 91).

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Rodrigues (2007) diz então que nos três casos que dispõe esse artigo, a proteção que é dada é para preservar a situação de fato e com o propósito de evitar a insegurança e o desassossego social. Mas, por outro lado, a posse pacífica e mansa, dá ao possuidor a direito de obter uma sentença atribuindo-lhe o domínio e ainda assim atua como elemento para evira a violência social.

No tocante à aquisição e perda da posse, o Rodrigues (2007) acredita que elas devem ser estudas juntas, pois as muitas reflexões aplicadas a uma são também aplicadas à outra. Sendo assim, Tito Fulgêncio apud Rodrigues (2007), continua esse pensamento afirmando que aquele que pretende de alguma forma provar a existência da propriedade deve fornecer a prova de seu nascimento o que já não acontece com a posse, pois em se tratando de mero estado de fato, não tem motivo para questionar a sua origem.

Por sua vez, Diniz (2007) juntamente com Roque (2004), a trazem separadamente. O segundo afirma que "como se adquire a posse" é um tema tratado nos artigos 1.204 ao 1.209, pois estes apresentam o modo de aquisição da posse, como um elemento essencial para surtir os seus efeitos, logo, o nosso Código traz duas modalidades de aquisição, sendo elas: originárias e derivadas, já o segundo diz que:

Quanto aos meio aquisitivos da posse, o nosso Código, apartando-se do sistema de grande síntese do Código alemão, art. 854, passou, no seu art.1.204, para possibilitar a fixação do momento exato da aquisição da posse, principalmente para os feitos da usucapião (DINIZ, 2007, p. 67).

Diniz (2007) também traz essa classificação em originária e derivada, em que a originária é uma regra unilateral, pois não necessita da anuência do antigo possuidor, se efetivando então por mera vontade do adquirente, já a derivada requer a existência e uma posse anterior, que em virtude do título jurídico é transmitida ao adquirente, sendo então bilateral.

Para esse mesmo autor, os modos de aquisição originária são: a apropriação do bem (em que o possuidor dispõe dele livremente e assim exclui terceiros) e o exercício do direito (arts. 1.196 e 1.204, CC), por outro lado, os modos aquisitivos derivados são: a tradição (entrega ou transferência da coisa), o constituto possessório (art. 1. 267, parágrafo único) e a acessão (em que a posse é tida pela junção do tempo do atual possuidor com o de seus antecessores).

Para Roque (2004), se a posse é caracterizada pelos animus e pelo corpus , pode-se presumir que a não existência de um desses elementos vai levar à perda da posse, ocorrendo esta de quatro modos: I- pelo abandono, II- pela tradição, III- pela perda, ou destituição delas, ou por serem postas fora do comércio, IV- pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi manutenido, ou reintegrado em tempo competente e V- pelo constituto possessório.

Logo o Código Civil traz em seus artigos 1.223 e 1224 as duas regras genéricas da perda:

Art.1223- perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o artigo 1.196.

Art. 1.224- só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido (BRASIL, 2013, p. 235)

Então, para Rodrigues (2007), haverá outras maneiras pelas quais o possuidor fica impedido de exercer certos atos que dizem respeito ao domínio, e que não se encontravam mencionados na Lei, mas que isso não será motivo suficiente para que não ocorra a perda da posse. Logo, faz menção à Teoria de Savigny, em que  o ora possuidor é privado, tanto do animus, quanto do corpus, sobre a coisa (abandono e tradição), ora somente do corpus (perda ou destituição da coisa), e ora somente do animus (constituto possessório).

“Se o proprietário de uma coisa a abandona revela o animus de não mais a possuir. Ao abandoná-la perde também o corpus. Não é possível haver posse sem seus dois elementos essenciais” (ROQUE, 2004, p. 37).

Por fim, Rodrigues (2007) traz ainda que a perda pode ocorrer por furto da coisa móvel ou de título ao portador (art. 521, CC de 1916) e também pode ocorrer a sua perda para o ausente em que o art.522, CC de 1916 considerava a posse perdida para o ausente, quando ele se abstinha de retomar a coisa, tendo a notícia da ocupação. Mas aqui é válido lembrar que o Código Civil de 2002 não emprega o termo “ausente”.

3.2 Espécies

Diversas são as usas espécies, porém somente algumas serão comentadas e postas em destaques por serem indispensáveis ao entendimento do trabalho.

Sendo assim, como preceitua Rodrigues (2007) tendo em vista os feitos da posse, é possível que separe a posse ad interdictada ad usucapiem.

Pode-se encarar a posse quer para o efeito de interditos , quer para os efeitos da usucapião. Para que a posse se confira a proteção dos interditos, basta que ela seja justa, isto é, que não venha eivada dos vícios da violência, clandestinidade e precariedade. Assim, o titular de uma posse justa pode reclamar e obter proteção possessória contra quem quer que o esbulhe, o perturbe ou o ameace em sua posse. Ainda que o autor do esbulho, turbação e ameaça seja o próprio proprietário da coisa, tal proteção é concedida. Portanto, para que a posse ad intedicta se configure, basta que seja justa. (RODRIGUES, 2007, p. 34).

Continua sobre esse mesmo assunto trazendo a ideia de que perante terceiros, não sendo o proprietário, qualquer que seja a posse dá direito aos interditos. Ainda que a posse tenha vícios, o possuidor terá a sua posse garantida contra terceiros que não tenham uma posse melhor.

Portanto, pode-se concluir que “a posse ad interdicta é a que pode amparar-se nos interditos ou nas ações possessórias, na hipótese de ser ameaçada, turbada, esbulhada ou perdida. Devendo ser para tanto uma posse justa” (DINIZ,2007, p. 62)

No que diz respeito à posse ad usucapiem Diniz (2007, p.62), a define como sendo aquela “quando der origem à usucapião da coisa, desde que obedecidos os requisitos legais”; completa Rodrigues (2007, p.35) afirmando ser “aquela capaz de deferir a seu titular a usucapião da coisa, se supridos os requisitos legais”.

Então, Rodrigues (2007) finaliza preceituando que a usucapião é uma maneira de adquirir uma coisa de outra pessoa pela posse mansa e pacífica em um período determinado na lei. Logo, aqui é de extrema importância que a posse tenha se dado por meio da violência ou clandestinidade, pois, se depois da cessação desses vícios passou o tempo que a lei estabelece, é que o possuidor passa a ter o domínio da coisa.

Conclui-se, então, que “essa posse, capaz de gerar o domínio, dá-se o nome de posse as usucapiem” (RODRIGUES, 2007, p. 35).

Sobre as autoras
Viviane de Brito

Professora Esp., orientadora.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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