Usucapião familiar: a incompatibilidade com a constituição federal

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4 USUCAPIÃO FAMILIAR: INCOMPATIBILIDADE COM A CF/88

Como  o atual conceito de usucapião já fora explicitado no inicio do trabalho, aqui serão vistas quais são as suas modalidades previstas no Código Civil que, de acordo com Diniz (2007), são quatro: a extraordinária, a ordinária, a urbana e a especial ou pro labore.

A usucapião extraordinária está prevista em nosso Código Civil, no art.1.238, tendo então como seus requisitos: posse de quinze anos, podendo este ser reduzido para dez, se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua habitual moradia ou tiver realizado obras de serviço de caráter produtivo; além do mais, aqui são dispensáveis para adquirir a propriedade o título e a boa fé , podendo requerer que o declare de sentença que servirá de título para registro no Cartório.

 Sendo assim, Orlando Gomes (1999) leciona que essa espécie de usucapião é caracterizada por uma maior duração da posse e por dispensar o justo título e a boa-fé, ou seja, é a que apresenta o mais lapso temporal para que possa ser usucapida.

Ainda sobre os requisitos necessários, Farias e Rosenvald (2012) asseguram que, de todos eles, pode-se destacar o tempo, pois sem ele não existe conversão da posse em propriedade. Destacam ainda como não menos importante, a questão da posse, pois somente sendo meros detentores do bem não podem usucapi-lo, já que não detêm o bem com o indispensável “animus domini”, ou seja, para que exista, o usucapiente deve possuir a coisa como se esta lhe pertencesse.

Portanto, conclui-se que, para adquirir uma propriedade por meio da usucapião extraordinária, é dispensável a boa-fé e o justo título, mas existe a necessidade do animus domini em conjunto com o lapso temporal.

Por sua vez, a usucapião ordinária, de acordo com Diniz (2007) ela está disciplinada no art. 1242 do Código Civil e apresenta os seguintes pressupostos: a posse de dez anos mansa, pacífica e initerrupta, exercida com ânimo do dono, além do justo título e boa-fé. Esse prazo de 10 pode passar a ser de cinco anos como previsto no parágrafo único desse mesmo artigo:

Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico (BRASIL, 2013, p.237).

Por fim, é válido destacar que o art.2029, CC traz que até dois anos depois a entrada em vigor deste Código, os prazos que foram estabelecidos nos parágrafos únicos dos arts. 1.238 e 1.242 serão acrescidos de dois anos, independente do tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei 3.071/16.

A usucapião especial urbana, tomando como base os fundamentos de Diniz (2007) vem a ser uma inovação trazida pela constituição de 88 e esta devidamente regulamenta em seu art.183:

Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 2013, p.63).

Farias e Rosenvald (2012) a denominam também como usucapião pro moradia, pois ninguém pode adquirir propriedade pela habitação no local por outra pessoa (detentor ou possuidor direto) e a utilização do imóvel para moradia do possuidor ou de sua família, ou seja, não tem direito aqueles que ocupam o bem eventualmente.

Os parágrafos 1º, 2° e 3° do referido artigo vem complementar a regra, respectivamente trazendo que o título de domínio ou concessão de uso será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil; além disso o direito não será reconhecido ao novo possuidor mais de uma vez e que os imóveis públicos não são adquiridos por usucapião.

Então, tomando como base os fundamentos de Diniz (2007) Essa espécie de usucapião não necessita do justo título ou da boa-fé, logo o prazo de cinco anos só começou a contar, a partir da vigência da Atual Constituição não podendo o novo direito voltar atrás, o que veio a surpreender os proprietários com uma situação jurídica anteriormente não prevista.

Pode-se então admitir que o Código Civil reproduziu o art.183 da CF em seu art.1.240:

Aquele que possuir, como sua, a área urbana até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos initerruptamente e sem oposição, utilizando-se para a moradia ou de sua família, adqurir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL, 2013, p.63).

Logo, essa redução do tempo para usucapir nessa modalidade tornou mais fácil a função social da propriedade.

A usucapião especial rural de acordo com Gonçalves (2011) A usucapião especial rural ou pro labore surgiu no direito brasileiro, com a Constituição Federal de 1934, sendo mantida na Carta outorgada de 1937 e na Constituição de 1946. A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 não repetiram o texto das anteriores, mas a última registrou os seus requisitos básicos, remetendo a sua disciplina à lei ordinária.

Farias e Rosenvald (2012) ratificam que o legislador reproduziu o art.191 da CF no art.1.239 do Código Civil:

Aquele, que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe á a propriedade (BRASIL, 2013, p.237)

Esses mesmo autores afirmam, ainda, que essa modalidade tem por objetivo fixar o homem no campo, transformando a terra até então ocupada em produtiva, devendo a pessoa além de morar também trabalhar no imóvel.

Foi inserida uma nova modalidade de usucapião que é denominada de familiar esta prevista no art.1240-A do CC:

Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre  imóvel urbano de até 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL, 2013, p. 237)

Vem a ser, então, uma nova espécie de usucapião especial urbana, que veio para facilitar a vida daqueles que não possuem imóvel próprio. Tanto no caso especial rural, assim como no urbano, a pessoa não deve ser proprietária de outro imóvel e a posse deve se dar de forma mansa e pacífica sobre uma área de até 250m², não podendo ser concedia mais de uma vez para a mesma pessoa. E como já mencionado o prazo de dois anos começou a contar a partir de sua vigência.

Diversas são as críticas à essa nova espécie e para tanto devem ser conhecidos os seus requisitos específicos:

 O lapso temporal de dois anos, que passou a ser o menor de todas as modalidades e sobre essa contagem desse prazo Farias e Rosenvald (2012) entende que só começou a ser contado em 16 de junho de 2011, aplicando então o mesmo raciocínio da criação da usucapião pela Constituição de 88 e da usucapião coletiva.

Para Tartuce (2012), a redução desse tempo para dois anos possibilita uma celeridade nas decisões, visto que a doutrina pós moderna exige a diminuição dos prazos legais devido a grande demanda nos litígios judiciais.

A posse direta e exclusiva para a moradia própria do cônjuge ou de sua família, e a separação de fato, é outro requisito dessa modalidade de usucapião, sendo válido destacar aqui que nos outros casos que o prazo deve ser contínuo para a posse enquanto na familiar essa posse deve ser direta, ou seja, o cônjuge exerce os poderes do proprietário. Ainda, como outro requisito específico, deve ser citado a necessidade da separação de fato do casal.

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O imóvel urbano de ate 250m² também deve ser posto em destaque, assim como a saída voluntária de um dos cônjuges ou companheiros do imóvel de forma a não mais contribuir para a manutenção do mesmo.

Após citados os seus elementos essenciais, algumas críticas devem ser tecidas para compreender a então incompatibilidade com a CF atual.

Figueredo( 2011) afirma que essa usucapião surgiu para favorecer a população de baixa renda, mas que pode ocorrer um efeito contrário, visto que em grandes centros urbanos, imóveis algumas vezes menores do que 250m² ultrapassam valores de R$ 2.600.000, 00 em bairros luxuosos. Outro ponto é que a lei menciona uma propriedade divididapor ex-cônjuge ou ex- companheiro , mas se já não são mais consortes, logo já estão com seus bens separados, não havendo então direito superveniente.

No quesito abandono do lar por uma delas, deve ser analisado com algumas ressalvas pelo legislador, pois, mesmo após o rompimento, a culpa de um dos cônjuges nunca autorizou a desigualdade na hora da divisão dos bens. Sendo assim quando um deles se ausentar do lar deve buscar a justiça para que então o juiz analise se ocorreu má fé por aquele que abandonou o lar.

O fato de a posse aqui ocorrer na forma direta, também existe um problema, pois existe uma diferença entre direta e indireta e em uma separação de fato ou simples abandono do lar não leva ao desmembramento da posse, estaria então sendo permitida a usucapião do possuidor direto contra o indireto, o que a lei não permite.

Para Pena (2012), esse artigo vem a ferir o princípio da igualdade e da isonomia, pois o legislador esqueceu de abarcar as propriedades rurais, logo o fato da exclusividade do imóvel urbano traz uma discriminação com aqueles que vivem em áreas rurais. Continua, ainda, afirmando que ocorre também uma lesão ao princípio da liberdade, pois o legislador feriu a liberdade de escolha de estar casado ou solteiro.

Por fim, traz também que ao comparar o conteúdo dos textos do artigo 183 da CF/88, do artigo 9º da Lei n. 10257/01, e do artigo 1.240-A do CC/02, percebe-se que este último, ao trazer inovação no sentido de diminuição para usucapião urbana, na modalidade familiar, torna-se ineficaz diante da Carta Maior e do Estatuto da Cidade, que, conforme a hierarquia das Leis pátrias, tem de ser respeitadas para fazer valer o princípio da hierarquia das normas.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho fez uma análise sobre a atual Constituição e algumas incompatibilidades existentes entre a mesma e o instituto da usucapião familiar, previsto no art.1.240-A, do Código Civil. Sendo assim, foram analisados os requisitos essenciais dessa modalidade e, logo em seguida, tecidas algumas críticas.

É importante afirmar que a usucapião é um meio de conferir função social à propriedade e, para que se chegasse a esse entendimento, foram analisados alguns pontos específicos sobre a posse. Não se deixou de lado o fator histórico da prescrição aquisitiva, porquanto a amplitude de seu conceito é indispensável para se compreender de que maneira a usucapião veio a se tornar essa prescrição.

Por fim, e não menos importante, foram abordadas quatro espécies de usucapião para entender em qual delas a familiar se encontrava, podendo-se, assim, identificar em que ponto de seu conceito é possível identificar certo descompasso com a atual Constituição. 


REFERENCIAS

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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 4º volume: direito das coisas, 22.ed. ver. e atual. de acordo com a reforma do CPC- São Paulo: Saraiva, 2007.

FARIASCristiano Chaves de/ ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 8. ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2012.

FIGUEREDO, Roberto Rosio. Usucapião conjugal: requisitos e críticas da nova modalidade de usucapião. São Paulo, 2011. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/19663/usucapiao-conjugal-requisitos-e-criticas-da-nova-modalidade-de-usucapiao. Acesso em: 30 Out. 2014

GOMES, Orlando. Direito de Família. 11ª ed., revista e atualizada, Rio de Janeiro: Forense,1999.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

PENA, Stephanie Lais Santos. Aspectos inconstitucionais da usucapião familiar. São Paulo, 2012. Disponível em:http://jus.com.br/artigos/24163/aspectos-inconstitucionais-da-usucapiao-familiar/4. Acesso em: 30 Out. 2014

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das coisas, volume 5, 28. Ed. ver. e atual. de acordo com o novo Código Civil- São Paulo: Saraiva, 2003

RODRIGUES, Sebastião José- Direito das coisas- 2.ed. ver. eampl.- São Paulo: ícone, 2004

TARTUCE. A usucapião especial urbana por abandono do lar conjugal. Revista síntese de direito de família. São Paulo. Ver. Síntese, v. 14, n. 71. Abril/maio 2012.

Sobre as autoras
Viviane de Brito

Professora Esp., orientadora.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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