Direito e moral: as principais distinções

26/06/2017 às 13:53
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A discussão entre Direito e Moral é um tema que se estende desde os primórdios até os dias atuais. Embora com o passar do tempo tal tema tenha recebido alguma pacificação, ainda existem pontos de divergências doutrinárias sobre ambos. Saiba um pouco mais sobre isso.

Resumo: O presente artigo tem como finalidade demonstrar alguns aspectos e distinções entre o Direito e a Moral, uma das discussões doutrinarias mais complexa, mas não menos debatida. Tal problemática se estende desde os primórdios até os dias atuais, nunca tendo sido deixada de lado por parte da Doutrina e dos próprios operários do Direito. A discussão sobre este tema se estende até então pela dificuldade de se distinguir Direito e Moral, pois em muitos pontos eles se convergem. Mas apesar de pontos convergentes, num estudo breve e sistemático, vão ser oferecidos elementos necessários para que não os confundamos, sendo este o objetivo desse artigo.

Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico; 2. a Teoria do Mínimo Ético; 3. Do cumprimento das regras sociais: Direito e Moral; 4. Direito e heteronomia x Moral e autonomia; 5. Bilateralidade atributiva; Conclusão; Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O Direito e a Moral são regras sociais que regulam o comportamento do Homem em sociedade, definindo um conceito de comportamento que é certo e o que não se enquadra neste comportamento é tido como errado.  Se observarmos os fatos que acontecem na sociedade, desde os primórdios, é possível enxergarmos que existem regras sociais que se cumprem de maneira espontânea, como por exemplo, ser bom e honesto. Tais comportamentos são cumpridos sem a necessidade de ninguém nos forçar para agir dessa maneira, é o mundo de conduta espontânea, onde estas regras sociais são cumpridas, muitas das vezes, sem nem percebermos, este é o campo de atribuição da moral. Já por outro lado, existem regras sociais que o homem em sociedade só cumpre de forma obrigatória ou forçada, este é o campo de atribuição do Direito, regra social que tem como sua essência a coercibilidade, visando regular o homem em sociedade de forma jurídica, tendo a figura do Estado como regulador dessas regras de organização, onde, em não sendo cumpridas tais regras, o homem será forçado a cumpri-las e se enquadrar nesses ditames. Essa é só uma das diferenças entre o Direito e a Moral, no qual, algumas das outras serão abordadas neste artigo.


1. BREVE HISTÓRICO

Antes de buscar o entendimento sobre o Direito e a Moral, apresentando suas principais convergências e diferenças, se faz necessário uma pequena explanação do surgimento desse problema tão discutido pela Doutrina até hoje.

Este problema se apresenta deste a mais remota sociedade, quando, deste então, houve a separação entre o Direito e a Moral, não se confundindo um com o outro apesar de alguns pontos semelhantes. Surgiu desde os pré-socráticos até os estóicos, sendo também discutida por grandes filósofos como Platão e Aristóteles, mas tal discussão ganhou caráter de importância na época moderna, basicamente depois dos conflitos surgidos entre a Igreja Católica e os protestantes, que eclodiram nesta época.

A Reforma Luterana trouxe consigo o surgimento de lutas violentíssimas não só na Europa, onde esta teve sua origem, mas também no Continente Americano, causando mortes e destruição no mundo todo. O problema ganhou esta proporção, pois os protestantes passaram a conflitar-se não somente com a Igreja Católica, mas entre eles mesmos, surgindo desta feita, várias correntes protestantes. E, desta maneira, cada Chefe de Estado passou a intervir na vida das pessoas, interferindo nas convicções religiosas, evidentemente querendo que estes fossem da religião em que eles defendiam, ou seja, quando o Chefe de Estado fosse membro da Igreja Católica queria que seus súditos fizessem parte dessa religião, assim como ocorria nos casos dos Protestantes.

Foi neste momento em que o problema ganhou um olhar mais significativo, pois, como os Chefes de Estado passaram a intervir na vida pessoal dos seus súditos, houve a necessidade de se delimitar até que ponto o poder público poderia fazer essa intervenção, o que só era possível, voltando ao ponto de discussão do que era Direito e Moral, distinguindo assim o mundo jurídico e o mundo religioso/moral.

Grandes nomes dessa problemática foram o Jurista alemão Thomasius e o Wilhelm Leibniz, que deram atenção especial para tal problema, que procuraram, desde logo e de forma urgente, fazer uma diferenciação prática do que seria Direito e o que seria Moral, de maneira a defender a liberdade de pensamento, consciência e claro religiosa, pois este foi o principal ponto de eclosão dessa discussão, já que a sociedade nesta época tinha seu comportamento ditado pela Religião. O doutrinador Thomasius, tratou de forma prática e delimitou o Direito e a Moral, um denominador de “foro externo” e “foro íntimo”. É o que observa Miguel Reale (P.54).

“O Direito, dizia ele, só deve cuidar da ação humana depois de exteriorizada; a Moral, ao contrário, diz respeito àquilo que se processa no plano da consciência. Enquanto uma ação se desenrola no foro intimo, ninguém pode interferir e obrigar a fazer ou deixar de fazer. O Direito, por conseguinte, rege as ações exteriores do homem, ao passo que as ações íntimas pertencem ao domínio especial da Moral. A moral e o Direito ficavam assim totalmente separados, sem possibilidade de invasão recíproca nos seus campos, de maneira que a liberdade de pensamento e de consciência recebia, através de doutrina engenhosa, uma tutela necessária.”

Desta forma, Thomasius entendia que, como o Direito, denominado por ele como foro externo, só cuidava das ações que o homem em sociedade exteriorizava, e o Poder Público só poderia intervir naquilo que se projetava no mundo exterior. Sendo assim, para ele, o homem não poderia ser obrigado pelo Chefe de Estado, a ser Católico ou Protestante, já que essa escolha é interna, pessoal, intima. Mas ressaltou que se essa escolha causar dano a outrem, aí sim poderia ser coagido, não pelo fato de estar exteriorizando e sim por ter causado um dano.

A doutrina denominou esse conceito como “exterioridade do Direito”, e vale ressaltar que este conceito só se aplica ao homem em sociedade, já que o Direito nunca cuida do homem isolado.

No mundo moderno, outros doutrinadores trataram do assunto, como por exemplo, o pensador Grócio, grande nome do Direito Internacional. Já no mundo contemporâneo, basicamente nas ultimas décadas do século XIX, é que o assunto voltou a adquirir importância, principalmente com o doutrinador Rudolf Stammler.


2. A TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO

A teoria do mínimo ético tem como grande representante o filósofo inglês Jeremias Bentham, sendo em sequência desenvolvida e discutida por outros doutrinadores, no qual destacamos o Alemão Jellink.

Direito e Moral, em alguns pontos se convergem, e a teoria do mínimo ético explicita tal convergência, também denominada como “teoria dos círculos concêntricos”, onde o círculo maior seria o da Moral, e o círculo menor o do Direito. Desta forma, existem pontos iguais entre Direito e Moral, já que esta seria mais ampla do que aquele. Foi dessa teoria que surgiu a explanação “tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico”, tão usada pelos estudantes do Direito, iniciantes da graduação. Ao lermos essa explanação concluímos que o campo moral é mais amplo que o campo jurídico. Sobre a teoria do mínimo ético enfatiza Reale (p. 42):

“A teoria do mínimo ético consiste em dizer que o Direito representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobrevier. Como nem todos podem ou querem realizar de maneira espontânea, mas como as violações são inevitáveis, é indispensável que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão dos dispositivos que a comunidade considerar indispensável à paz social.”

Sobre essa teoria, os Doutrinadores destacam que fora do campo da Moral existe o “imoral” que é o confronto direito a tudo aquilo que é Moral. Mas fora isso existe o ato que é apenas “amoral”, ou seja, apenas indiferente a Moral, mas não sendo imoral. Sobre isso observa novamente Reale (p. 42 e 43):

“Uma regra de trânsito, como, por exemplo, aquela que exige que os veículos obedeçam à mão direita, é uma norma jurídica. Se amanhã, o legislador, obedecendo a imperativos técnicos, optar pela mão esquerda, poderá essa decisão influir no campo moral? Evidentemente que não. [...] Além disso, existem atos juridicamente lícitos que não são moral. Lembre-se o exemplo de uma sociedade comercial de dois sócios, na qual um deles se dedica, de corpo e alma, aos objetivos da empresa, enquanto que o outro repousa no trabalho alheio, prestando, de longe em longe, um rala colaboração para fazer jus aos lucros sociais. Se o contrato estabelecesse para cada sócio uma compensação igual, ambos receberão o mesmo quinhão. E eu pergunto; é moral?”

Observa-se que existe um campo da moral que não se confunde com o campo do Direito. Sendo assim, há uma distinção entre o campo jurídico que não é imoral e sim, amoral. E a teoria do mínimo ético apresenta os círculos concêntricos, numa visão ideal, e, também, os círculos secantes, numa visão real entre Direito e Moral.


3. DO CUMPRIMENTO DAS REGRAS SOCIAIS: DIREITO E MORAL

Já foi mencionado que a Moral é um campo mais amplo do que o campo do Direito, bem como este se cumpre de forma coercitiva enquanto aquele de forma espontânea. Desta forma, as regras morais são cumpridas naturalmente sem a presença de qualquer forma coercitiva para tanto, muitas das vezes cumpridas inconscientemente pelo homem já que encontram na própria razão de existir do individuo, é impossível existir ato moral cumprido de força forçada ou por interferência de um terceiro. Sobre isso aborda Reale (p.44 e 46)

“A Moral, para realizar-se autenticamente, deve contar com a adesão dos obrigados. Quem pratica um ato, consciente da sua moralidade, já aderiu ao mandamento a que obedece. Se respeito meu pai, pratico um ato na plena convicção da sua intrínseca valia, coincidindo o ditame de minha consciência com o conteúdo da regra moral. [...] A moral é incompatível com a violência, com a força, ou seja, com a coação, mesmo quando a força se manifesta juridicamente organizada.”

Observa-se que a moral é cumprida de forma incoercível. Diferentemente como ocorre com o Direito, este é coercível, o que distingue Direito e Moral, neste caso, é a coercibilidade, ou seja, a relação entre Direito e a força. A doutrina diverge sobre a relação entre Direito e força, há partes dela que defendem a tese que Direito e força não tem nada a ver e outra parte defende o contrário, dentre defensores desse posicionamento podemos citar o Jhering que dizia que o Direito se resume a “norma mais coação”; Tobias Barreto, que define Direito como “a organização da força” e também pelo renomado Hans Kelsen, que defende essa posição. Para essa parte da Doutrina, para o Direito atingir a finalidade de regular o homem em sociedade, só é possível através da força do Estado. Sobre a teoria da coação observa Reale (p.48):

“Por outro lado, a coação já é, em si mesma, um conceito jurídico, dando-se a interferência da força em virtude da norma que a prevê, a qual, por sua vez, pressupõe outra manifestação de força, e, por conseguinte, outra norma superior, e assim, sucessivamente até se chegar a uma norma pura ou à pura coação.”

A grande crítica a essa teoria é possível o cumprimento do Direito de forma espontânea, sem a necessidade da utilização da força. Sendo essa utilizada somente para a garantia da execução da norma, ou seja, não é efetiva e sim potencial.

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4. DIREITO E HETERENOMIA X MORAL E AUTONOMIA

O Direito tem suas normas oriundas do Legislador, pelos juízes, pelos usos e costumes, sempre impostas por terceiros, ou seja, são normas objetivas que nos são impostas independentemente de nossa opinião, tendo seu cumprimento feito de forma coercitiva. Já a moral, é o contrário, são normas cumpridas de forma voluntária, o que afasta o caráter coercitivel que tem o Direito. É o que observa Reale (p. 47)

“Essa validade objetiva e transpessoal das normas jurídicas, as quais se põem, por assim dizer, acima das pretensões dos sujeitos de uma relação, superando-as na estrutura de um querer irredutível ao querer dos destinatário, e o que se denomina heteronomia. Foi Kant o primeiro pensador a trazer à luz essa nota diferenciadora afirmando ser a Moral autônoma e o Direito heterônomo [...] Há no Direito, um caráter de “alheidade” do individuo, com relação a regra. Dizemos, então, que o Direito é heterônomo, visto ser posto por terceiros aquilo que juridicamente somos obrigados a cumprir.”

Este é outro ponto de diferença entre Direito e Moral, sendo o primeiro cumprido, muita das vezes de forma coercitiva e o segundo de forma voluntária. Há também a diferença entre a heteronomia e a autonomia, pois o as normas do Direito nos são impostas sem que pudéssemos questioná-las sendo no caso de não cumprimento de tais regras somos coagidos ao seu cumprimento, diferentemente da Moral que é cumprida de forma espontânea.


5. BILATERALIDADE ATRIBUTIVA

Como já foi explanada, a teoria da coação sofreu várias críticas por entender que a força é elemento essencial do Direito, posicionamento este defendido pelos pensadores influenciados pela Escola Positivista. Só que, com o passar dos tempos, esse posicionamento defendido pela teoria da coação foi sendo ultrapassado, pois a Doutrina passou a entender que a força não é elemento essencial do Direito e sim potencial, ou seja, entenderam que no Direito há a possibilidade de coação, sendo este apenas um elemento garantidor para o cumprimento da norma. Nota-se que apesar das divergências, a coercibilidade ainda estar presente.

Surgiu, então, a teoria da bilateralidade atributiva, defendida por jusfilósofos contemporâneos, definida por Reale como: (p.51):

“Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente algo. Esse conceito desdobra-se nos seguintes elementos complementares:

a) Sem relação que uma duas ou mais pessoas não há Direito (bilateralidade em sentido social, como intersubjetividade)

b) Para que haja Direito é indispensável que a relação entre os sujeitos seja objetiva, isto é, insuscetível de ser reduzida, unilateralmente, a qualquer dos sujeitos da relação (bilateralidade em sentido axiológico)

c) Da proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma pretensão ou ação, que podem se limitar aos sujeitos da relação ou estender-se a terceiros (atributividade)”

A bilateralidade atributiva é um conceito muito mais utilizado para se definir o que venha ser o Direito, do que para distingui-lo da Moral. Muito embora , os elementos apresentados por essa teoria sirvam também para fazer essa distinção.


CONCLUSÃO

A discussão entre Direito e Moral é um tema que se estende desde os primórdios até os dias atuais. Embora com o passar do tempo tal tema tenha recebido alguma pacificação, ainda existem pontos de divergências doutrinárias sobre a função do Direito e da Moral. O que é certo é que se tanto o Direito, quanto a Moral, conseguirem caminhar lado a lado, sendo um auxiliando o outro, quem ganha é a sociedade, que passará a ter um mundo mais justo e moral, onde as diferenças serão menores, e, por conseguinte, a procura pelo Poder Judiciário. Desta forma, o interessante seria buscar um equilíbrio entre Direito e Moral.


Referências

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 29° edição, ajustada ao novo Código Civil, 6° Tiragem

CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. 2° impressão, São Paulo, Editora Lejus. 2000

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 21. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. 8. Ed, São Paulo: Editora Atlas, 2012.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 12 ed. São Paulo: Rideel, 2009.

VADE MECUM COMPACTO. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Sobre o autor
Leandro Conceição Ribeiro

Profissional da área investigativa desde o ano 2000, formado pela Central Única Federal dos Detetives do Brasil. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio do Rio Grande do Sul. Pós- graduado em Direito Penal e Processual Penal pela FMP- Fundação Escola Superior do Ministério Público -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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