Sobre o modelo de legalização da maconha para o Brasil

29/06/2017 às 18:07
Leia nesta página:

Independentemente da decisão que o Supremo Tribunal Federal tomar sobre a despenalização e descriminalização da maconha no país, sociedade, especialistas no assunto e poder legislativo precisam dialogar sobre qual seria o modelo de legalização da maconha mais adequado para o Brasil. O modelo ideal é aquele que descriminaliza não só o uso, mas também a venda, mas principalmente aquele que coloca o ser humano como o elemento principal de preocupação da discussão. Retira-se o foco da área policial e se passa a tratar o consumo de drogas pelo que realmente é, questão de saúde pública. Isto significa o fortalecimento dos mecanismos de controle e fiscalização, inclusa a tributação de todos os recursos financeiros envolvidos para que sejam voltados integralmente para a saúde dos dependentes químicos numa política eficaz de redução de danos para os usuários.

O ponto principal é voltar os olhos para a realidade brasileira, pois o número de pessoas encarceradas por conta da criminalização da temática de drogas é muito grande. No país, confunde-se a imagem do usuário com a do traficante, pois não há critério objetivo para determinar a linha que divide o uso do tráfico. E até o presente momento este critério é determinado subjetivamente pelas autoridades que lidam com a questão. O Brasil pode se espelhar em outras nações que já adotaram medidas semelhantes e determinam regras claras sobre a comercialização e uso da maconha, como a Holanda que limita a venda em a trinta gramas ou Portugal que define a margem de vinte gramas de maconha ou ainda como o Uruguai que optou pelo modelo de venda exclusiva pelo próprio Estado aos usuários, para compatibilizar controle e o cuidado com os usuários.

A descriminalização do porte de drogas para consumo é medida constitucionalmente legítima, devido a razões jurídicas e pragmáticas. É o que diz o ministro Luís Roberto Barroso na recente apreciação do Habeas Corpus 143798 MC/SP na qual afirma que a política de drogas brasileira fracassou, além do alto custo do encarceramento em massa e dos prejuízos à saúde pública. E diga-se que, neste processo, o ministro atendeu o pedido da Defensoria Pública para suspensão do processo penal contra um homem acusado de tráfico pela importação de 14 sementes de maconha. Isto porque a corte ainda julga o Recurso Extraordinário 635659, que trata da legalidade da posse de maconha para o uso pessoal, seja recreativo ou com fins terapêuticos.

A tramitação deste caso permanece interrompida enquanto o julgamento sobre a (in) constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas brasileira não for finalizado. Até o momento três dos onze ministros já votaram a favor da descriminalização do uso e porte da maconha durante análise do RE 635659. O próprio Ministro Barroso, Ministro Fachin e o Ministro Gilmar Mendes, este último publicamente contra a legalização da maconha. O ministro Teori Zavascki seria o quarto ministro a proferir o voto, mas pediu vistas do processo antes do acidente fatal de avião em janeiro. Agora, este Recurso Extraordinário deve ser encaminhado ao Ministro Alexandre de Moraes.

A referida ação penal se assemelha a tantos outros casos nos quais há grande probabilidade que a maconha importada fosse destinada ao uso. As sementes são plantadas e produto final destinado ao consumo pessoal. A decisão do ministro do Barroso foi o melhor caminho pois resguarda a ação penal para ser analisada como de fato precisa. E não há dúvidas que o entendimento do Conselho Institucional do Ministério Público Federal de que a importação de sementes de maconha para uso particular não pode ser considerada crime contribui nas discussões da Suprema Corte. O CIMPF considera que a importação de pequena quantidade de sementes não ofende a legislação penal a ponto de ser crime de contrabando, tampouco tráfico internacional de drogas.

O próprio Supremo sofre duras críticas de segmentos sociais que imputam a hipótese de os ministros legislarem sobre o tema. O que não é fático. A verdade é que o STF cumpre efetivamente seu papel ao fazer o controle da constitucionalidade da lei de drogas. E, se entender que alguns dispositivos da referida lei são incompatíveis com a Constituição Federal será absolutamente normal que a Suprema Corte declare a inconstitucionalidade. Obviamente a atualização da lei cabe ao Legislativo, mas é sabido que determinadas discussões não avançam no Congresso Nacional neste grave momento da política brasileira. A questão de drogas é uma delas.

Já o fato de a parcial do julgamento estar em 3 a 0 gera grande expectativa em torno daqueles que militam pela despenalização e descriminalização da substância no país. A tendência é de manutenção do entendimento, mesmo que ainda seja impossível cravar o resultado final do juízo. Independente disto, ressalta-se que a necessidade real do país se dá na elaboração de uma política séria e eficaz de cuidado com os usuários de drogas, também entendida como questão de saúde pública e que esteja de acordo com a realidade específica da população brasileira e não como um mero ato de marketing como recentemente temos visto. 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alexandre Pacheco Martins

Criminalista e sócio fundador do Braga Martins Advogados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos