INTRODUÇÃO
O crime de abigeato, fruto da alteração legislativa penal por intermédio da lei 13.330 (treze mil trezentos e trinta) introduzida no ordenamento brasileiro em 02 (dois) de agosto de 2016 (dois mil e dezesseis) provocou inúmeras discussões e análises críticas. A referida lei dispõe de uma nova qualificadora para o crime de furto e de um novo tipo penal em caso de receptação de semovente domesticável de produção.
A necessidade de criação de leis objetivando a sensação de uma pseudo- segurança tem causado uma espécie de “inchaço” legislativo, enquanto que os problemas enfrentados pela sociedade no que diz respeito à criminalidade não encontram soluções.
Não se sabe ainda a real intenção do legislador ao produzir uma qualificadora especial com pena menor que a qualificadora geral para o furto (discussão acerca do princípio da especialidade); além de não ter previsto a pena de multa para crime patrimonial. Ademais, vale ressaltar que a Constituição Federal dispõe sobre a irretroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu, e partindo desse pressuposto, haverá duas correntes, uma defendendo a aplicação da qualificadora mais grave, são as hipóteses do §4º do artigo 155 do Código Penal e outra defendendo a aplicação da qualificadora mais branda, qual seja a do §6º do art. 155 do CP.
Outro ponto que despertou muitos comentários a respeito, fora a inserção do novo tipo penal para a recepção de animais prevista no art. 180-A do CP, principalmente em relação ao novo tipo penal especial e o tipo penal geral previsto no art. 180 do CP que dispõe sobre a receptação. É complexa essa conclusão, pois o art. 180-A nesse caso será um tipo autônimo não se relacionando com o art. 180. Outra problemática enfrentada, o novo crime (art. 180-A, CP), traz consigo uma finalidade em especial, que é a de produção e comercialização de animais, afastando desse modo, a idéia de receptação.
Apesar de ser um tema desafiador, visto que até o momento, pouco se sabe desse crime, por ser ainda uma inovação buscar-se-á averiguar a existência ou não de aplicabilidade eficaz nas modificações instituídas pela lei 13.330/16.
DESENVOLVIMENTO
O que é abigeato?
Abigeato ou abacto é o furto de animais na zona rural, seja o gado bovino, equino ou animais que se encontram em campos, pastos, currais ou retiros. (DIÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ, 2015, p. 1.239).
Como exposto supra, abigeato pode ser definido como furto de semoventes domesticáveis de produção, conhecido popularmente como furto de gado.
Qual a definição de semovente domesticável de produção?
Semovente domesticável de produção é aquele dotado de movimento próprio (animal) suscetível de convivência com o ser humano e que seja de produção, ou seja, destinado a geração de lucro.
Através do que fora analisado, nota-se que a ideia do “furto do gado” não se coaduna com o verdadeiro sentido do que deva ser o semovente domesticável de produção. Quando se fala em apenas na figura do gado, se restringe o significado da expressão apresentada, sendo que semovente abrange bovino, equino, aves, dentre outros. Ademais, os Tribunais em seus julgamentos vêm conhecendo o abigeato para furto de outros semoventes domesticáveis de produção que não sejam o de gado:
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Abigeato não pode ser considerado fato penalmente atípico, especialmente em zona rural, sendo certo que o valor de quatro ovelhas, uma delas abatida, não pode ser taxado como irrisório. 2. SUFICIÊNCIA DE PROVAS Quem é visualizado por policial militar saindo do local em que praticado o delito, logo após a ocorrência da subtração e, ainda, é indicado por menores reconhecidamente autores da subtração como participante do crime, deve ser reputado autor. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ, Apelação 70041904541, 2014)
Nota-se que o julgado acima dispõe do furto qualificado de quatro ovelhas, o que resta provado que o abigeato não é somente o furto de gado, mas abrange todos os animais que possuem movimento próprio e são domesticáveis de produção.
Da qualificadora acrescentada pela lei 13.330/16 – crime de abigeato
A nova qualificadora prevista no art. 155, §6º do CP, dispõe de pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos para o furto de semovente domesticável de produção.Indaga-se qual a verdadeira intenção do legislador ao criar uma qualificadora especial com pena menor que a prevista §4º do CP, esta por sua vez, dispõe: “A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido.”
Como visto no início desse tópico, a qualificadora em estudo abriu espaço para questionamentos; como é especial, e com base no princípio da especialidade, por mais que o furto de semovente domesticável de produção tenha sido praticado nas hipóteses da qualificadora do §4º do diploma em estudo, seria aplicada a qualificadora do §6º. Ademais a Constituição Federal, dispõe no inciso XL do art. 5º: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Nesse sentido preleciona Fernando Capez sobre o princípio da especialidade:
“o princípio da especialidade possui uma característica que o distingue dos demais: a prevalência da norma especial sobre a geral se estabelece in abstracto, pela comparação das definições abstratas contidas nas normas, enquanto que os outros exigem um confronto concreto das leis que descrevem o mesmo fato”. (CAPEZ, p. 90).
Percebe-se conflito quanto a aplicação da lei em estudo no que diz respeito à norma especial e norma mais benéfica, encontrando esta respaldo na Lei Maior, art. 5º, inciso XL acima visto.
Como visto, o inciso constitucional aduz ao princípio da irretroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu, trazendo dessa forma discussões sobre a aplicação da qualificadora do §6º ou da qualificadora do §4º na hipótese de furto de semovente domesticável de produção com alguma das situações previstas do §4º. Assim dispõe Cezar Roberto Bitencourt::
“(...) O princípio da irretroatividade vige, com efeito, somente em relação à lei mais severa. Admite-se, no Direito transitório, a aplicação retroativa da lei mais benigna, hoje princípio consagrado em nossa Constituição Federal. (art. 5º., XL). Assim, pode-se resumir o conflito do direito intertemporal no seguinte princípio: o da retroatividade da lei mais benigna. (...)” (BITENCOURT, 2007, p. 162).
É claro que se for instituída uma lei que agrave a situação do indivíduo, já existindo lei mais benéfica, esta terá preferência em relação aquela.
Outra questão em discussão, é que o legislador não previu a multa para a nova qualificadora (§6º), pois se tratando de crimes patrimoniais, a multa se faz necessária.
Do novo tipo penal inserido pela lei 13.330/16 – receptação de semovente domesticável de produção
Esse novo tipo está disposto no art. 180-A do CP (redação do artigo supra), que aduz igual pena da qualificadora acima e dessa vez, o legislador previu a pena de multa. A questão complexa enfrentada, é que esse tipo de receptação é autônomo, não se relacionando com a receptação prevista no art.180, caput, e §1º CP, este dispõe:
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.
Constata-se que a modalidade do art. 180, caput difere da modalidade prevista no art. 180-A, pois este traz um fator especial, que é a receptação de semovente domesticável de produção deve ocorrer com a finalidade de produção ou comercialização, se distanciando assim, da idéia do que seria a receptação.
Quanto as alterações da lei 13.330/16, a modalidade qualificada antes dela tinha pena de 3 (três) a 8 (oito) anos, e após a lei, a modalidade que era para agravar a situação ou manter a pena da qualificadora já existente, promoveu um benefício, pois reduziu a pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, o que causou uma insegurança jurídica.
Do direito penal simbólico
Sobre a definição do direito penal simbólico, brilhantemente preleciona Prazeres:
“Assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico", como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais”. (PRAZERES, 2012).
O direito penal simbólico é fruto do conjunto de normas penais que surgem a partir de preocupações e inseguranças sociais. Roxin (2.000), define o direito penal simbólico como sendo um conjunto de normas penais quem tem sua criação motivada pelo clamor social.
Resta saber se as alterações promovidas pela lei 13.300/16, objeto de estudo do presente trabalho, terá eficácia em sua aplicabilidade ou se representará um mero símbolo de punição sem efetividade alguma no plano concreto.
CONCLUSÃO
O crime de abigeato apresentado supra, decorre da alteração legislativa penal por intermédio da lei 13.330 (treze mil trezentos e trinta) introduzida no ordenamento brasileiro em 02 (dois) de agosto de 2016 (dois mil e dezesseis) provocou e provoca inúmeras discussões e análises críticas. A referida lei dispõe de uma nova qualificadora para o crime de furto e de um novo tipo penal em caso de receptação de semovente domesticável de produção.
Nota-se a relevância científica e social no estudo desse tema, pois além de ser fruto de uma lei recente, tem-se a necessidade de um aprofundamento no estudo do problema e na averiguação de possível (is) soluções, contribuindo assim, no científico e no âmbito social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro. 16 de julho de 2015. Disponível em: < http://www.sedep.com.br/artigos/o-direito-penal-simbolico-brasileiro/>
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