DA NECESSIDADE DE PROVA DA HIPOSSUFICIÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA
Uma das formas mais contundentes de se efetuar a prova é na situação de falência decretada por representar extrema situação de continuidade de uma pessoa jurídica:
"PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – JUSTIÇA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA – MASSA FALIDA – 5 – 1. A gratuidade da justiça, prevista na Lei nº 1.060/50, abrange todos os que comprovarem insuficiência de recursos. Na hipótese dos autos a falência da empresa demonstra sua impossibilidade de arcar com as custas do processo. 2. Agravo provido. (TRF 1ª R. – AG 01000310939 – MG – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz – DJU 13.02.2003 – p. 144).
Da mesma maneira, a condição de concordatária é um forte elemento para autorizar a concessão do benefício:
"A justiça gratuita, como direito subjetivo público previsto na Lei nº 1.060/50 e na Constituição Federal, alcança todas as pessoas físicas e jurídicas que dela necessitem no momento da postulação em juízo. No caso de requerimento de pessoa jurídica em regime de concordata, além da presunção relativa de necessidade, por força da imobilização do seu patrimônio, a concessão dos benefícios da assistência judiciária, ainda que limitada a pequenos valores, constitui incentivo adicional ao cumprimento das obrigações assumidas pela empresa-concordatária e à correção de sua desordem econômica.
(...)
Acolhe-se a primeira preliminar, rejeita- se a segunda preliminar, e dá-se provimento parcial ao recurso, para se deferir à recorrente a assistência judiciária." (TJMG – APCV 000.289.422-8/00 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Almeida Melo – J. 14.11.2002).
Contudo, a concessão condicionada às situações de quebra, ou com base na possibilidade dela ocorrer, seria uma forma muito limitada de obtenção pelas pessoas jurídicas do benefício.
Certamente que a questão requer um posicionamento mais abrangente, no sentido de garantir a gratuidade nas situações de comprovada e combalida situação econômico-financeira, como já teve oportunidade de assinalar o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"A pessoa jurídica pode ser beneficiária da "justiça gratuita", desde que as condições exigidas legalmente e notoriamente quanto a sua real situação financeira." (STJ – RESP 243882 – RS – 1ª T. – Rel. Min. Milton Luiz Pereira – DJU 24.06.2002).
De fato, se a questão do acesso ao Poder Judiciário envolve a questão monetária, certamente que a pessoa jurídica possui – ab initio – uma presunção de maior capacidade econômica que uma pessoa natural.
Desse modo, a concessão do benefício não pode se valer da mesma regra aplicada à pessoa natural, no sentido de bastar a mera declaração da parte necessitada.
Ao contrário, a pessoa jurídica deve fazer prova da sua condição econômica abalada como conditio sine qua non para obtenção do benefício. Portanto, não basta a alegação com fracos e evasivos indícios. Deve haver uma comprovação calcada em elementos que permitam a comprovação da situação necessária para ensejar o deferimento da justiça gratuita.
Realmente,
"As pessoas jurídicas podem ser contempladas com o benefício da Justiça Gratuita. Cuidando-se, porém, de Banco, ainda que em regime de liquidação extrajudicial, a concessão da gratuidade somente é admissível em condições excepcionais, se comprovado que a instituição financeira efetivamente não ostenta possibilidade alguma de arcar com as custas do processo e os honorários advocatícios. Elementos no caso inexistentes. Recurso especial conhecido, mas desprovido." (STJ – RESP . 338159 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Barros Monteiro – DJU 22.04.2002). (Grifos de nossa autoria).
E, então, como essa prova da condição econômica pode ser efetuada?
A resposta pode-se basear em diversos elementos como os que a seguir são apresentados:
Cópia de títulos protestados;
Prova de emissão de cheques sem provisão de fundos;
Extratos bancários com saldo devedor;
Cartas recebidas de cobrança de dívidas decorrentes das operações da empresa em atraso;
Informação de inclusão do nome da pessoa jurídica no Serasa ou no Serviço de Proteção ao Crédito;
Cartas de cobrança de operações bancárias em atraso;
Demonstrações Financeiras (Balanço Patrimonial e Demonstração de Resultado do Exercício) etc.
Finalidade desses documentos:
Demonstrar que a empresa encontra-se com sérios problemas financeiros que ocasionaram:
a-o protesto dos títulos;
b- a inscrição da pessoa jurídica no cadastro do Serasa ou no SPC;
c-a existência de saldo devedor em conta bancária e a inadimplência em operações de crédito efetuadas (justamente para tentar gerar os recursos financeiros necessários para garantir o funcionamento da empresa);
d-no caso das Demonstrações Financeiras, elas serviriam para demonstrar a existência de constantes prejuízos que dilapidaram o patrimônio da entidade.
Desse modo, em face da demonstração do maior número de das situações do quadro supra, certamente que o d. sentenciante terá condições de avaliar precisamente a situação da empresa para, com isso, autorizar a concessão do benefício.
Além do mais, é recomendável a juntada do maior número de provas pois, apenas uma delas, isoladamente analisada, pode gerar uma conclusão desfavorável à concessão do benefício.
Todavia, um maior número de dados, quando inseridos num contexto maior, certamente podem acarretar uma conclusão totalmente diferente e, com isso, condizente com a Carta de 1988, pois:
"Qualquer diploma infraconstitucional que impedisse que determinadas demandas fossem submetidas ao Poder Judiciário, que pretendesse criar empecilhos onerosos, como o recolhimento de taxas abusivas, que adiasse a possibilidade de ingresso em juízo ou o condicionasse ao prévio exaurimento da via administrativa, que impossibilitasse de afastar a decisão de árbitro escolhido, seria a toda evidência inconstitucional, por ofensa à norma em epígrafe. Quanto a isso ninguém ousaria divergir." (FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Limites à Revisibilidade Judicial das Decisões dos Tribunais de Contas. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, nº 02, 1998. Disponível na internet: www.tce.mg.gov.br. Acesso em 13/04/2003).
Por outro lado, a concessão do benefício não desvirtuaria o sistema processual na medida em que, à parte contrária, ainda caberia a possibilidade de impugnação do pedido de justiça gratuita, como muito bem destaca EDUARDO FERREIRA DA COSTA:
"Por outro lado, uma vez deferido o benefício, seja o contemplado pessoa jurídica ou não, poderá a parte contrária aforar o incidente de impugnação à justiça gratuita, demonstrando que o beneficiário possui idoneidade patrimonial suficiente para o custeio da demanda e, uma vez comprovada a tese do impugnante, a parte que desnecessariamente requereu a gratuidade da justiça poderá ser penalizada com o pagamento do décuplo do valor das custas processuais.
Desse modo, a concessão do benefício às pessoas jurídicas não irá desvirtuar o instituto ou transformar o Poder Judiciário em palco de lides temerárias, mesmo porque, aqueles que tendem ao manejo de ações sem fundamento não se absterão da odiosa prática pelo simples temor de arcar com as custas da demanda." (In Assistência Judiciária à Pessoa Jurídica. Revista Juris Síntese, nº 28, março/abril de 2001).
E, neste sentido, poderia o Magistrado, por exemplo, requerer a apresentação das Demonstrações Financeiras da empresa, pois, uma vez evidenciado o Patrimônio Líquido da empresa requerente do benefício, seria possível concluir se o pedido tem respaldo concreto ou não.
Com efeito, a posição do Magistrado, nesta situação de impugnação, é extremamente importante pois o acesso ao Judiciário é norma de ordem pública.
Assim sendo, a impugnação do pedido de justiça gratuita coloca o julgador na posição de protetor de uma norma de ordem pública, sendo que ele poderá de ofício, requerer o que entender necessário, nos termos da regra do art. 130, do Código de Processo Civil.
De fato, a regra seria que a produção de provas ficasse sempre ao encargo das partes. Todavia, na hipótese de impugnação do pedido de justiça gratuita, tem-se a necessidade de desvendar a aplicação ou não de um princípio constitucional relacionado com o livre acesso ao Poder Judiciário.
Desse modo, o magistrado assume o papel de guardião da correta aplicação de uma garantia constitucional, fator que lhe impõe o dever-poder de zelar pela correta aplicação do dispositivo constitucional.
Como exemplo disso, poderia ele requerer a apresentação das Demonstrações Financeiras da empresa requerente do pedido de justiça gratuita. É que, pela análise da Demonstração dos Resultados da empresa, associada ao seu Balanço Patrimonial, seria possível comprovar se o benefício estaria sendo concedido além da sua finalidade de acesso somente àqueles que – comprovadamente – dele necessitem. Nesta mesma linha de raciocínio, poderia ser requerida uma perícia contábil.
Todavia, é bom lembrar que as hipóteses acima poderiam ser desnecessárias se a empresa requerente do benefício anexar o maior número de elementos comprovadores de sua condição econômico-financeira abalada.
CONCLUSÕES
Em face de todo exposto, conclui-se que:
- As microempresas têm legitimidade ativa para propor demandas na competência do Juizado Especial, em face da prescrição favorável do art. 38, da Lei nº 9.841/1999.
- A concessão do benefício, na competência do Juizado Especial, tem efeito prático nos casos de recursos visto que, no chamado 1º grau de jurisdição, a gratuidade é prevista pela própria lei.
- O artigo 38, da Lei nº 9.841/1999, não faz referência expressa acerca da legitimidade ativa das empresas de pequeno porte no Juizado Especial. Todavia, por questão de aplicação dos princípios constitucionais (arts. 1º, IV, 5º, XXXV; 170, IX e 179, dentre outros), a gratuidade também é extensiva a estes tipos de empresas.
- Nas questões que extrapolem, ou não sejam da competência dos Juizados Especiais, o benefício da gratuidade é cabível a qualquer tipo de pessoa jurídica, desde que comprovado através de provas que revelem a abalada condição econômico-financeira da entidade.
- Quanto maior for o contexto das provas apresentadas, maior será a garantia de obtenção do benefício.
- Para evitar um desvirtuamento do benefício, permitindo a utilização do Poder Judiciário com lides temerárias, a parte contrária pode se utilizar do procedimento de impugnação ao pedido de justiça gratuita.
- Neste caso, o papel do magistrado assume importância significativa, sendo-lhe possível aplicar a regra do art. 130, do CPC, para zelar pela correta aferição do pedido e, se concedê-lo, ter garantias de que o fez a uma pessoa jurídica que do benefício realmente necessitava.