A responsabilidade penal do médico no crime de omissão de socorro

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05/07/2017 às 12:01
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4. DA RESPONSABILIDADE PENAL DO MÉDICO

O profissional médico, em seu exercício, faz o seguinte juramento:

Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade. Darei como reconhecimento a meus mestres, meu respeito e minha gratidão. Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação. Respeitarei os segredos a mim confiados. Manterei, a todo custo, no máximo possível, a honra e a tradição da profissão médica. Meus colegas serão meus irmãos. Não permitirei que concepções religiosas, nacionais, raciais, partidárias ou sociais intervenham entre meu dever e meus pacientes. Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. Mesmo sob ameaça, não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza. 

No mesmo sentido, o Código de Ética Médica, Resolução 1931/2009 traz em seu capítulo 1 os princípios que nortearão o profissional médico, dentre os quais destaca-se:

I - A Medicina  é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza.II - O alvo de toda a atenção do médico  é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

(...)

IV - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão.

(...)

VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.

Mais a frente, o referido Código, em seus artigos 1º; 7º e art. 33º, elenca as condutas das quais os médicos devem abster-se de praticá-las, in verbis:

É vedado ao médico

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.

(...)

Art. 33. Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.

Ou seja, a todo instante o médico deve zelar pela suas práticas, evitando, a todo custo, causar danos ao paciente.  A abstenção do profissional médico, seja ela em conjunto com a categoria ou sozinho, está vedada, conforme se depreende dos artigos retromencionados, estando sujeitos à infração administrativa no CRM correspondente.

Assim, em conjugação com os dispositivos acima mencionados, temos o art. 13 do Código Penal que fala da relação de causalidade da conduta com o resultado, ao instituir que:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 Já em seu parágrafo 2º é instituído a relevância que a omissão tem nas condutas em que, por ela, se caracteriza a prática do crime comissivo por omissão, ou seja, a omissão será considerada, para todos os efeitos legais, como se tivesse o agente praticado o referido crime, por exemplo, caso o médico venha a se omitir em prestar socorro à vítima e esta venha a falecer, o crime por ele será de homicídio e não de omissão de socorro.

Assim, vejamos o que diz o § 2º do art. 13 do CP:

Relevância da omissão 

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; 

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; 

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. 

Desta forma, percebe-se que inúmeros dispositivos legais impõem um dever de ação ao profissional da medicina, erigindo-o ao status de garantidor da saúde e da vida de todos que o procuram, não podendo dele abster-se de forma alguma, salvo, é claro, na impossibilidade de o fazer.


5. CONCLUSÃO

Assim, com base nos dispositivos legais acima retromencionados, a doutrina não vislumbra a possibilidade da configuração do crime de omissão de socorro por estes profissionais, tendo em vista a posição de garantidor da vida e da saúde da coletividade, assumida por ele, perante todos esses dispositivos, seja nos aspectos principiológico, seja por disposição expressa no Código de Ética Médica, em combinação com os dispositivos legas, tal como o Código Penal ou outra lei que o obrigue, pois conforme o princípio da legalidade esculpido em nossa Carta Magna ao teor do art. 5º, II diz que: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Desta forma, quanto à fundamentação para a posição de garantidor relativa aos profissionais médicos, existem dois entendimentos na doutrina brasileira. Assim, para Bittencourt: a base legal da garantia está prevista na alínea ‘a’ do § 2º do art. 13, ou seja, tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Já para outros, a fonte jurídica dessa garantia reside na alínea ‘b’ que diz que de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, posição essa defendida por Prado e Assis Toledo.

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Contudo, independentemente da base fundamentadora desse estado de garantidor, não resta dúvidas de que esses profissionais de saúde têm a especial função de garantia do bem jurídico relacionado com a vida e a saúde dos pacientes que deles precisam.

Nesse sentido, caso descumpra o dever de agir, abstendo-se de realizar a conduta devida e não impedindo o resultado, o médico será considerado o causador deste mesmo resultado e responderá pelo crime correspondente, seja doloso ou culposo, já que os crimes de omissão imprópria podem ter as duas características.  Assim, por exemplo, se o médico, intencionalmente, deixar de atender determinado paciente em perigo de vida e esse paciente vier a óbito em virtude dessa omissão, não responderá ele pelo crime de omissão de socorro art. 135 do CP, mas sim por homicídio art. 121 do CP, na forma de dolo eventual. 


10 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANCILLOTTI, Roger; CALHAU, Lélio Braga; DOUGLAS, William; GRECO, Rogério; KRYMCHANTOWSKI, Abouch V. Medicina Legal à luz do Direito Penal e do Direito Processo Penal, 11ª Ed. Niterói: Impetus, 2013.

BITENCOURT, Cesar Roberto,Tratado de Direito Penal Parte Especial 2 Dos Crimes Contra a Pessoas 11ª Ed. São Paulo, Saraiva 2012.

ELEUTÉRIO, Fernando Análise do conceito de crime. Disponível em < http:/WWW.algosobre.com.br/noções-basicas-pm/analise-do-conceito-de-crime.htlm> Acesso em: 10 out. 2013.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Niterói: Impetus, 2012.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal do Inimigo: Uma visão Minimalista do Direito Penal. Niterói: Impetus, 201.

NUCCI, Guilherme de Souza.  Manual de Direito Penal.  p. 623.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. V.1.

SANCHES, Rogério, Manual de Direito Penal, Parte Especial. Salvador Ed JUSPÓDVM, 2016. Volume Único.

SILVA, José Geraldo. Teoria do Crime. Campinas: Millennium, 2007.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Renavan, 2010. V. I e II.

ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Renavan, 2010. V. II.

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Sobre o autor
Denison Batista

Advogado especialista em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes UCAM, especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti e Pós-Graduando em Direito Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Tendo em vista o crescente número das demandas envolvendo o profissional da medicina, foi que este artigo fora redigido, no intuito de esclarecê-los à cerca da possibilidade da responsabilização por crime diverso e de maior gravidade, no tocante à omissão de socorro.

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