Participação popular e controle constitucional: a efervescência democrática na história do Brasil

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06/07/2017 às 19:08
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Em um momento de grave crise político-institucional no Brasil, importante destacar a origem do grande mal que contribui para tal cenário: um sistema público educacional falido. Neste diapasão, importante ir à raiz deste problema e conhecer suas origens para melhor compreender os danos e efeitos, atuais e para o futuro.

01 INTRODUÇÃO

A construção do conhecimento é tarefa árdua, no sentido de envolver a correlação dos conhecimentos teóricos, com a dinâmica da realidade social. Significando assim, um olhar desafiador sobre aquilo que está posto, ao se desvendar, propor e questionar paradigmas até então, muitas das vezes, tidos como absolutos.

É nesta esteira que realizamos um breve recorte, no que tangue o surgimento e difusão, da democracia direta, na Grécia e Roma Antigas, contextualizando com a fragilidade de nossa democracia, ao longo da história do Brasil. A partir das colaborações da presidente do Pretório Excelsior - Carmem Lúcia, em entrevista à Rede Globo (2017, online)[1], declarou, a Ministra, que o momento político atual clama pelo amplo exercício da democracia direta, como caminho para a solução dos grandes problemas do Brasil.

Assim, iniciamos nossa narrativa, em defesa desta participação popular, uma vez que, de acordo com os escritos de COSTA (2012, online)[2], por exemplo, as classes dominantes sequer permitiam o ensino de História, em diversas épocas, como modo de evitar questionamentos, por parte das camadas mais humildes da população. Nosso trabalho foi ousado, ao questionar tais estruturas de poder, mediante as quais foram sempre negadas, ao povo, ao longo da formação de nosso país, o direito de diretamente intervir nos rumos da política nacional.

 Neste contexto, o presente trabalho de conclusão de curso realiza um breve recorte, no que tange o embrião da participação popular, nas sete Magnas Cartas que antecederam a atual Lei Maior de 1988, avançando no reconhecimento da importância de o povo, principalmente os mais jovens, desde os primórdios de sua formação escolar, terem acesso a um currículo escolar libertador, questionador, dinâmico, moderno e acima de tudo, que seja suporte para o cumprimento do ideal de democracia direta, sonhada e praticada, desde à Grécia Antiga, no entanto, ainda, tão distante de nossa realidade brasileira.

Neste diapasão, questionamos o contexto histórico-cultural, do final do Brasil Colônia e início do primeiro reinado, quando foi imposta a Constituição Imperial de 1824, de acordo com Gomes (2007, p.284), um período de intensas mudanças e da fundação do Estado Brasileiro, enquanto Administração Pública, que apesar de tais avanços, a possibilidade de intervenção do cidadão, em termos práticos, pouco se efetivou. Na sequência, elucidamos a Lei Maior de 1891, como fruto de um golpe de Estado que impôs uma República, na qual a população não participava das grandes decisões.

Ressaltamos os pequenos avanços, da Carta de 1934, na visão de PAULO (2009, p.27), uma ruptura com o individualismo, em direção aos anseios da coletividade, no entanto, além de não materializar a democracia direta, a Lei Maior de 1937 extinguiu qualquer possibilidade de participação popular, sendo apenas com a Constituição de 1946, que este lento processo, foi retomado, porém, não concluído.

Na sequência, esclarecemos, com fundamento na visão de VIEIRA (2014, online)[3] o naufrágio da semente da democracia direta, mediante o golpe que mergulhou o pais, em uma profunda ditadura: Os Anos de Chumbo.

Apesar do grande avanço, positivado nos incisos I, II e III, do art. 14;  incisos XII e XIII, do art. 29; § 4º, do art. 27 e § 2º, do art. 61, da Constituição Cidadã de 1988, ao regulamentar, pela primeira vez na história do Constitucionalismo brasileiro, a democracia direta, inspirada na Grécia Antiga, continua posto a grande problemática abordada neste presente trabalho, qual seja: a necessidade de uma  reformulação no sistema educacional, ao ser introduzido, no currículo nacional, disciplinas ligadas, principalmente ao Direito Constitucional e Administrativo, pois no nosso modesto entendimento, não há como os cidadãos exercerem direitos, os quais desconhecem ter.

Cumpre destacar que a Magna Carta de 1988 irradiou o instituto da democracia direta, a todas as Cartas Estaduais, de modo que neste trabalho, faremos um recorte, das Constituição Estaduais, dos Estados do Sudeste, ao elucidar, dentro de um quadro comparativo, dentre elas, o leque de possibilidades, de os cidadãos atuarem diretamente na política, no âmbito dos Estados da União. Infelizmente, será esclarecido como o analfabetismo político-jurídico, de grande parcela da popular, é um grande entrave, ao exercício da participação popular.

Nesta linha de raciocínio, vale destacar a denúncia de IOSCHPE (2014, online)[4] de que apenas 26% da população é de fato alfabetizada, ao ponto de ler e conseguir interpretar textos, no entanto, nem sequer esta pequena parcela está apta a exercer a democracia direta, devido ao desconhecimento da lei. Assim, teceremos críticas, à Comissão de Legislação Participativa, do Senado Federal, pelo seu alcance delimitado, pela representatividade de classes, e o analfabetismo político de muitos que a impede de gerar mais e melhores frutos. É nesta esteira que contextualizamos CARVALHO (2016, online)[5], o qual é radical na defesa da introdução da disciplina Direito Constitucional, no currículo escolar, como modo de dar aplicabilidade, ao instituto da participação popular.

Este projeto partiu do seguinte questionamento: “O que falta no ordenamento jurídico brasileiro, bem como no sistema educacional, para que a população exerça a democracia direta? Esta indagação não passa despercebida no meio acadêmico, pois os telejornais, com grande frequência, relatam vários casos de sucateamento do ensino nacional. Em todos os locais e seguimentos de nossa sociedade contemporânea, é possível encontrar pessoas munidas do desejo de atuar diretamente, na política nacional, no entanto sem conhecimento mínimo, para tanto.

O aporte teórico desta pesquisa de campo será: os anais do Senado e Câmara Federal; obras completas do Pedagogo Paulo Freire; obras do Historiador Laurentino Gomes; os escritos dos constitucionalistas: Luís Barroso, José Afonso Silva, Vicente Paulo, e diversos doutrinadores do Direito Constitucional, Administrativo e Eleitoral, dentre outros caminhos possíveis à elucidação do tema. 

O presente trabalho será divido em quatro capítulos, nos quais será abordado a democracia construindo a história da humanidade, ao elucidar a importância da Grécia e Romana Antigas, para a edificação do ideal de democracia direta. Será esclarecido o embrião da participação popular, em todas as sete Constituições brasileiras, que antecederam a atual Magna Carta de 1988, as correlacionando.

A Constituição Cidadã de 1988 será abordada e comparada ao instituto da democracia direta, elencando nas Constituições Estaduais, quando realizamos um breve recorte, apenas das Cartas dos Estados que compõem a região sudeste, como meio de não expandir, desnecessariamente, a abordagem do tema. Por fim a reafirmação, elencada ao longo deste trabalho, que apenas com um sistema educacional libertador, dinâmico, moderno, que fomente o questionamento, que instrua os alunos, com conhecimentos básicos em Direito Constitucional e Administrativo, principalmente, é que a população terá condições de dar vida, ao instituto da democracia direta, até o prezado momento, adormecido no berço esplendido de nossa Lei Maior de 1988, bem como em todas as Constituições dos Estados e Municípios, do país.


02 A DEMOCRACIA CONSTRUINDO A HISTÓRIA DA HUMANIDADE

2.1 A influência da Grécia Antiga

A atual Presidente do Pretório Excelsior -  Ministra Carmem Lúcia Rocha, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da Rede Globo (2017, online)[6], apesar da contemporaneidade da reportagem, fez com que o telespectador rememorasse a grande herança que a Grécia Antiga nos deixou: a democracia direta, mediante a qual o povo, sem intermédio de terceiros, tomava as rédeas do país.

A Ministra Carmem Lúcia, ao ser indagada sobre uma possível solução, à crise grave crise político-institucional, vinda à tona, através das investigações da Lava Jato e impeachment da ex – presidente Dilma Roussef, foi absolutamente clara ao exaltar os frutos da democracia grega:

[...] talvez seja a hora de chamar a sociedade e começarmos a praticar as formas de democracia direta, que a Constituição estabeleceu. O Povo tem de legitimar as políticas. O povo tem de participar [...]

Cumpre destacar que a democracia direta, elencada na atual Carta de 1988, texto Constitucional este, que será melhor elucidado, nos capítulos posteriores, não nasceu do acaso e nem é fruto da concepção política, que se tinha, no Brasil, em 1988, pois vindo de muito, mas muito antes. Herança deixada pelos Gregos e Romanos, que principalmente influenciaram nossa cultura.

GOMES (2014, p.37) declara a importância do legado, dos antigos gregos, para a democracia moderna:

Democracia

Embora práticas democráticas tenham sido experimentadas por vários povos, historicamente aponta-se a Grécia como berço da democracia. Foram os gregos que cunharam esse termo, que deriva de demokratia: demos, povo, e Kratos, poder, ou seja, poder do povo.

Entretanto, há notáveis diferenças entre as ideias antiga e contemporânea de democracia. Basta dizer que, na antiguidade, o povo era formado por poucas pessoas e o sufrágio não era universal

A Grécia Antiga, para todas as sociedades judaico-cristã-ocidentais, incluindo o Velho Mundo (Europa) e o Novo Mundo (as Américas), é um marco inicial daquilo que se compreende como democracia direta, fruto da história de um povo, que efetivamente, desde a antiguidade, reconheceu o valor do sistema de ensino, como vetor de crescimento de um país.

A partir das contribuições, dos gregos antigos, para a participação d povo, DAHL (2001, p.73) elenca uma série de argumentos favoráveis a toda e qualquer forma de democracia, em detrimento de quaisquer outros regimes de governo:

A democracia ajuda a impedir o governo de autocratas cruéis e perversos.

A democracia garante aos cidadãos uma série de direitos fundamentais que os sistemas não-democraticos não proporcionam (nem podem proporcionar).

A democracia ajuda a proteger os interesses fundamentais das pessoas.

[...]

A democracia promove o desenvolvimento humano mais plenamente que qualquer alternativa viável

[...]

Os países com governos democráticos tendem a ser mais prósperos que os países com governos não-democráticos.

 Geograficamente falando, a Grécia Antiga era o conjunto de terras, incluindo o Chipre, Anatólia, sul da Itália, da França, e costa do mar Egeu, estendendo-se até ao Egito, o qual, na atualidade, continua emanando suas luzes, até o Brasil contemporâneo.

 Em meados de 500 a.C, na cidade-Estado de Atenas, quando houve forte oposição as regras impostas pelos tiranos, que fora criada a Assembleia dos cidadãos, composta por média de trinta mil adultos, apenas do sexo masculino, com reuniões ordinárias, cerca de quarenta vezes ao ano, representando a democracia direta, mais remota, que se tem notícia.

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Cumpre destacar este pioneirismo dos gregos, na pessoa do Filósofo Clístenes, o qual era considerado o patrono da participação direta, do cidadão, nos rumos da política nacional, o qual não se restringiu a se preocupar com debates políticos, indo muito além ao preconizar o desenvolvimento educacional do povo, como meio / caminho, para o bom debate, do Direito, na política. É neste contexto que destacamos ARANHA (2006, p. 66) o qual nos esclarece como o setor educacional, na Grécia Antiga, serviu de solo fértil, para brotar e frutificar, o bom debate político:

Com os sofistas (séc. V a.C), teve inicio um tipo de educação superior, pois eles profissionalizaram os mestres e a didática ampliando as disciplinas de estudo. Eram professores que ofereciam o ensino da virtude, da Arete política [...] transformam a educação em arte ou técnica da qual eles são mestres e capazes de ensinar seus alunos. Estava incluído ai a formação do homem público, do dirigente de estado, para que tivesse êxito na carreira era necessário dominar a arte de convencer com discursos persuasivos, bons argumentos para justificar suas posições enfim dominar a retórica, a dialética e a oratória sofisticas. (Grifo Nosso)

O Historiador, JAEGER (1994, p. 05), vai mais além ao esclarecer que o sistema educacional grego, ainda por volta 500 a.C, era extremamente avançado, para os padrões da época, ao preocupar-se não apenas com a formação intelectual e o ganho financeiro, mas principalmente com o bem-estar daquele cidadão livre, o preparando para o exercício da democracia direta:

A educação grega estava centrada na formação integral – corpo e espírito – a ênfase da educação se demandava mais, ora para o preparo militar ou esportivo, ora para o debate intelectual conforme a época e o lugar [...]. Com o surgimento das Polis nascem as primeiras escolas, mas mesmo com o aparecimento da oferta escolar, a educação permanecia elitizada atendia principalmente os filhos da antiga nobreza e os pertencentes a famílias de comerciantes ricos (Grifo Nosso)

Por outro lado, infelizmente, no Brasil contemporâneo, de acordo com os estudos do educador COSTA (2012, online)[7], em seu artigo sobre a importância do ensino de História, pertinentes críticas ao Parâmetro Curricular Nacional de História (PCN) são tecidas, no sentido de elucidar que sequer os educadores, e menos ainda grande parcela dos estudantes, conseguem compreender a importância de se conhecer a História deste país:

Segundo o PCN de História da 5º a 8º, nem sempre estava claro para os educadores por que a História fazia parte do currículo escolar e qual a importância da sua aprendizagem na formação do jovem (Grifo Nosso)

Mais objetivamente, AYRES (2014, online)[8] destaca o perverso sistema educacional brasileiro, da atualidade, o qual é importante ferramenta, ao nosso ver, por parte de parcela dos políticos inescrupuloso, como meio de afastar os jovens estudantes, da realidade político-institucional do Brasil:

Obstando o atual sistema de ensino que afasta o educando da realidade sócio-política nacional, por meio da clássica imposição de dificuldades inverídicas, continuemos a explanação para que possamos pontuar cada motivo ensejador do objeto do artigo. (Grifo Nosso)

Enfim, o Brasil, sobre este prisma, está desatualizado, inclusive em relação ao modelo de ensino, da Grécia Antiga. Assim, dando prosseguimento, cumpre destacar os trabalhos de JAEGER (1994, p. 05), é esclarecido que aquela forma inédita de governo, a democracia grega, era eficiente e podia propiciar ao cidadão, condições de atuar diretamente na política, graças aos bons frutos emanados do sistema educacional helênico. Enfim, se assemelhava, em partes, ao entendimento do Brasil contemporâneo, de participação direta no destino da política, pois na Grécia Antiga, o poder, de fato e de Direito, estava nas mãos dos cidadãos livres, e não restrito, como no Brasil atual, a parlamentares, os quais, em sua maioria, eleitos por um povo sem acesso a um sistema educacional, de qualidade.

2.2. A República Romana

A democracia grega, como um de seus inúmeros frutos positivos, resultou, na Roma Antiga, no sistema republicano romano o qual mesclava elementos democráticos e oligárquicos, em um cenário político onde o Senado Romano, conjuntamente com as assembleias populares (Curiata, a Centuriata, a Tribuna populi e a Tribuna plebis) eram as instituições mais poderosa, com ampla participação popular, de modo que todo cidadão livre tinha direito de fala e voto (democracia direta).

Cumpre destacar que a ascensão da nobreza romana, fruto da riqueza surrupiada em guerras e invasões, na qual os cidadãos mais favorecidos financeiramente, passaram a se dedicar, cada vez mais, à política, ao invés do trabalho agrícola. Para o sucesso de tal transformação, o governo romano distinguiu o ensino dos mais ricos, dos mais humildes, tornando a educação como uma espécie de mercadoria. No entanto, independente dos aspectos negativos, positivos, excludentes, enfim, os governantes romanos perceberam, rapidamente, que sem promover ensino de qualidade, o cidadão romano não teria meios de intervir, ativamente, na política daquele império.

Nesta linha de entendimento, extrai-se que a participação popular direta, criada pelos gregos e o fortalecimento do Senado Romano, influencia, até a presente data, o ordenamento jurídico brasileiro, no que tange a possibilidade jurídica, de maior participação popular, direta, nas grandes decisões nacionais.

No entanto, a mera influencia, por mais positiva que seja, das ideias de democracia direta, dos gregos antigos e romanos, sem o diálogo, sem a crítica, sem liberdade de expressão que leve à busca do conhecimento, pelos mais diversos assuntos, elucidados pela pedagogia libertadora de FREIRE (2005), o legado, da Grécia e Romana antigas, não passarão de uma mera peça de museu. Sendo assim, FREIRE (2005) nos convida a um sistema educacional participativo, dentre outros, nos rumos da política nacional. Eis a transformação, paulofreireana, a qual deseja o despertar, do instituto da democracia direta, para nos conduzir a um mundo melhor.

Sobre o autor
José Alves Capanema Júnior

Advogado, professor designado de Língua Inglesa, da rede Pública de MG.Pós-graduando em Direito Administrativo, pela Faculdade Pedro II, formado em Direito, pela Universidade de Itaúna - Estado de Minas Gerais.ELEITO MELHOR ESTAGIÁRIO DE DIREITO 2015 - UNIVERSIDADE DE ITAÚNA - MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de curso apresentado à UNIDOM - Faculdade Dom Pedro II, como requisito parcial para a obtenção de título de pós-graduado, em Direito administrativo.

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